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Considera-se que o diálogo Timeu seria expressivo da forma encontrada por Platão para ultrapassar a chamada “fase socrática” – em que os diálogos pretendem apenas examinar o processo de elaboração de determinados conceitos – e avançar na formulação de sua própria doutrina. Com efeito,Timeu corresponde a uma espécie de reapresentação dos grandes mitos gregos relativos à criação do mundo. Desta forma, o diálogo conteria o que se denominou de cosmologia. Essa disciplina sobreviveu até a Época Moderna quando teve lugar o aparecimento da nova física e abandonou-se a busca de um saber da natureza como totalidade, voltando-se a investigação para fenômenos limitados (físicos, químicos etc.). Posteriormente, o nome veio a ser adotado para designar hipóteses sobre modelos do chamado “sistema do mundo”, acerca dos quais os próprios cientistas não chegam a um acordo.(1)

Como em princípio a filosofia grega consistiria justamente num tipo de saber que abandona a tradição mitológica em prol do conhecimento racional, discutiu-se muito qual teria sido a intenção de Platão. A chave para a solução do enigma encontrar-se-ia em outro diálogo – Górgias – onde Platão coloca na boca de Sócrates o seguinte: “Talvez te pareça que isto se conta como um mito; um conto de fadas e tu o despreza. E não seria estranho que o depreciaríamos se investigando pudéssemos de algum modo encontrar algo de melhor e verdadeiro”. O recurso ao mito corresponderia a uma metáfora, isto é, embora a semelhança com o que se deseja expressar não seja perfeita, corresponde a uma forma válida de manifestar o que pretendem dizer.

O certo é que a própria doutrina do conhecimento de Platão seria apresentada de forma mitológica no diálogo República (o chamado “mito da caverna”, isto é, o lugar onde se encontrariam as idéias cuja visão desaparece ao emergirmos para a claridade). Os seres que se encontram neste mundo seriam criação do Demiurgo, que o fez contemplando os arquétipos originais. Para Platão as idéias seriam inatas e o método socrático consiste em torná-las presentes à nossa mente.

A primeira parte do Timeu apresenta o mito da Atlântida, uma civilização muito evoluída que teria existido numa ilha situada no Atlântico, tragada pelo mar. A conversa teria se encaminhado nessa direção porque Sócrates partira da afirmação de que, nove mil anos antes, Atenas disporia de instituições políticas perfeitas. Naquela altura, Atenas teria defendido a Europa da pretensão dos reis de Atlântida de submetê-la. O cataclisma que se abateu sobre aquela civilização seria posterior à derrota que os atenienses lhe impuseram. A tese é a de que a cidade ideal existira em outros tempos.

Na outra parte do Timeu descreve-se o que seria a alma do mundo, secionada pelo demiurgo em determinadas proporções numéricas. Depois disto, criou sete círculos que os planetas foram obrigados a descrever. Em outras etapas intermediárias, em que intervêm deuses subalternos, dá-se a criação do homem.

Timeu explica deste modo a sua demarche: “Em todas as matérias, é da mais alta importância começar pelo começo natural. Por conseguinte, a propósito da imagem e do modelo, há que fazer as seguintes distinções: as palavras têm um parentesco natural com as coisas que exprimem. Se exprimem o que é estável, fixo e visível com o auxílio da inteligência, são estáveis e fixas, e, na medida do possível e em que pertença às palavras serem irrefutáveis e invencíveis, não devem deixar nada a desejar a esse respeito. Inversamente se exprimem aquilo que foi copiado deste modelo e que não passa duma imagem, são verossímeis e proporcionais ao seu objeto, porque a verdade está para a crença como o ser está para o devir. Então, Sócrates, se houver muitos pormenores em muitas questões relativas aos deuses e à gênese do mundo acerca dos quais não formos capazes de fornecer explicações absoluta e perfeitamente coerentes e exatas, não te admires; mas, se fornecermos explicações que não sejam inferiores a nenhuma em verossimilhança, teremos de contentar-nos, lembrando de que eu, que falo, e vós que julgais, não passamos de homens e que, em semelhante assunto, convém aceitar o mito verossímil, sem procurar nada mais 
além.” (Ver também PLATÃO).


(1) Discute-se questões desse tipo: se o universo seria finito ou infinito; se se encontra ou não em expansão, e assim por diante.