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O jovem inglês Robinson Crusoé resolve tornar-se marinheiro e apesar da oposição da família e das intempéreis enfrentadas na primeira viagem, insiste nesse propósito, sofre naufrágio, torna-se escravo, foge, radica-se no Brasil e consegue ganhar algum dinheiro. De regresso à pátria, ao invés de acomodar-se, como aconselha o bom senso e a primeira mulher, larga tudo e volta á vida do mar. Aqui começa efetivamente o romance porquanto viria a ser o único sobrevivente de um naufrágio, encontrando-se numa ilha completamente desabitada que, mais tarde, verificaria localizar-se no Caribe. Estávamos em 1659 e Robinson Crusoé tinha então 27 anos.

Sendo Daniel Defoe um dissenter indomável, é sintomático que haja colocado o início da epopéia de seu personagem na altura em que se dava a restauração da monarquia (1660) e os puritanosemigram em massa para as colônias britânicas na América.. Talvez quisesse com isto expressar a sua confiança de que seriam capazes, como se propunham os adeptos da Reforma, de erigir “uma obra digna da glória de Deus”, por mais adversas que se apresentassem as circunstâncias.Robinson Crusoé seria uma espécie de paradigma.

Recolhendo o que sobra do navio naufragado e que chega à costa, Robinson Crusoé ira dar a maior prova de tenacidade, espírito prático, confiança na sabedoria da Providência, tudo isto para realizar, em miniatura, uma extraordinária obra civilizatória. Sua sobrevivência será assegurada não pela coleta de alimentos ou a caça mas pela organização do plantio  e dos criatórios. Nada se perderá das colheitas porquanto as formas de armazenamento seriam minuciosamente projetadas e construídas. A moradia e as provisões ficam a salvo dos animais perigosos. E assim o nosso herói permaneceu durante nada menos que 28 anos.

A única peripécia ocorrida na ilha seria a presença periódica de selvagens, vindos em canoas para celebrar uma cerimônia macabra: a antropofagia. As vítimas, como viria a saber Robinson Crusoé, são prisioneiros capturados entre os aborígenes da região. Numa dessas oportunidades, consegue salvar um deles e educa-lo. Passa a chamá-lo de Sexta Feira por ter sido o dia em que o recolheu.

No último ano verifica-se grande movimentação devido ao fato da tripulação amotinada de um navio ter decidido trazer para a ilha, como prisioneiros – com a intenção de fuzila-los – o comandante, o imediato e um passageiro. Robinson Crusoé resolve liberta-los e consegue recuperar o navio. Os amotinados mais rebeldes – e os receosos da punição que os aguardava em terra – são deixados na ilha. Robinson Crusoé regressa à Inglaterra. Era o ano de 1687 e nosso herói teria 55 anos.

Defoe poderia ter parado por aqui. Mas resolve fazer com que Robinson Crusoé retorne à ilha, e  organize uma comunidade, inclusive enfrentando pelas armas os nativos das ilhas vizinhas. Quando derrotados e feitos prisioneiros, os indígenas acabam assimilados. O curioso é que os ingleses de Defoe casam-se com as mulheres das comunidades locais, o que não parece ter ocorrido de modo habitual.

Há no livro, ainda, uma série de aventuras transcorridas no Oriente, inclusive uma acidentada travessia, por terra, na direção da Rússia, para dali retornar à Inglaterra.

Defoe era um ativista político e considera-se que sua obra literária estaria subordinada a tais objetivos, como de resto seus jornais e panfletos. O sucesso alcançado por Robinson Crusoé na Inglaterra do século XVIII confirmaria a validade do propósito porquanto seria recebido como exaltação da combatividade e da tenacidade dos ingleses.Contudo, a exemplo de Moll Flanders, a perenidade da obra não seria devida a tais intenções. Robinson Crusoé permanecerá como o protótipo da personalidade reta, dotada de grande senso de justiça, sem a ingenuidade e a candura dos personagens “bons” de Charles Dickens e, portanto, capaz de ser aceito como uma figura de carne e osso. (Ver também DEFOE, Daniel, e Moll Flanders).


Os vários dissidentes, integrantes das diversas seitas protestantes, acabaram por ser agrupados como puritanos devido ao fato de que os unia o propósito de construir uma igreja sem resquícios “papistas”, de que acusavam a Igreja Anglicana.

Quando da decisão de retornar ao mar, Robinson Crusoé cogitou de regressar ao Brasil. Mas afasta essa idéia argumentando desse modo: “Na verdade, alimentara algumas dúvidas sobre a religião de Roma quando no estrangeiro, sobretudo durante a minha vida solitária. Destarte não poderia (regressar) a não se que estivesse resolvido a abraçar sem reservas, a religião católica, ou que me achasse disposto a sacrificar-me por meus princípios religiosos, a tornar-me um mártir e morrer nas garras da Inquisição. Resolvi, por isso ... se possível, vender a plantação.”