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Isaac Newton (1642-1727), fundador da física moderna, escreveu também obras teológicas, às quais atribuía grande importância. Encontra-se neste caso o livro Observations Upon the Prophecies of Daniel and the Apocalypse of St John.(1) Não apenas pela notoriedade do autor, é considerado como exemplo expressivo do interesse despertado pelo texto bíblico por pensadores que se sentiam instigados a desvendar a sua racionalidade, certos de que semelhante abordagem não atenta contra o caráter sagrado do texto, que corresponde à forma característica pela qual os cristãos aproximam-se da Bíblia. É certo que, em grande medida, a chamada crítica bíblica cuidou de desvalorizar o seu conteúdo. Além de que nem sempre foi o caso, a própria necessidade de situar os relatos em seu respectivo contexto histórico estimulou muitos autores a buscar uma interpretação “neutra”, sem que isto implicasse em negar a sua importância para o Ocidente. Nesse particular, o livro de Newton é considerado paradigmático.

Newton entende que o empenho principal dos profetas era reiterar o pacto do povo de Israel com Deus, periodicamente esquecido ou minimizado. Contudo, supõe, depois de consagrado e dado a conhecer nas sinagogas, os crentes entendiam que seu papel se esgotara e aguardavam sempre novos profetas. O mesmo ocorreu, escreve, “nas sinagogas cristãs”. Cumpre, entretanto, eliminar essa prática nociva. Diz expressamente “temos Moisés, os profetas, além das palavras do próprio Cristo. E, se não os ouvirmos, não seremos menos execráveis que os Judeus”. E, mais adiante: “Dar ouvidos aos Profetas é uma característica da verdadeira Igreja”. Assim, a interpretação racionalizante que irá empreender nada tem de pecaminosa ou desrespeitosa.

Esclarece que, a seu ver, a linguagem da profecia é figurada, extraída das analogias entre o mundo natural e um império ou reino, considerados como a contra-parte do mundo natural, isto é, o mundo político. Assim, o conjunto do mundo natural, compreendendo o Céu e a Terra, é tomado como sendo correspondente ao conjunto do mundo político. A esse propósito escreve o seguinte: “Assim, o Céu e o que nele se contém representam os tronos e as dignidades ou aqueles que as desfrutam, enquanto a Terra com suas coisas representa a massa popular; as partes inferiores da Terra, chamadas Hades ou Inferno, representam as mais rebaixadas ou miseráveis camadas. Então a subida ao Céu ou a descida à Terra significam elevação ou queda do poder e das honras; elevar-se sobre a Terra ou sobre as águas quer dizer elevação a alguma dignidade ou predomínio, partindo da condição inferior do povo, enquanto que a descida naqueles elementos significa perda da dignidade ou de predomínio; as descidas às partes mais baixas da Terra indicam redução a um estado infeliz e de rebaixamento...”. Entende que entre os velhos Profetas, Daniel é o mais característico na questão das datas e o mais fácil de ser entendido. Pode assim, conclui, “ser tomado como a chave para os demais”.

Segundo a Bíblia, Daniel fora deportado para a Babilônia nos começos do século VII antes de Cristo, ao tempo em que ali reinava Nabucodonosor (605-562 a.C.). O rei tivera um sonho que lhe parecera importantíssimo mas o esquecera. Queria que os sábios não só o reconstituíssem como também traduzissem o seu significado, condenando-os à morte por não tê-lo conseguido. Daniel implora a ajuda de Deus e tem uma visão do sonho que teria sido o seguinte: o monarca vira uma estátua extraordinária cujas partes do corpo eram de diferentes materiais, estátua que se desfez aos pedaços. Além disto, Daniel correlacionará as partes da estátua com o reinado do próprio Nabucodonosor e os seguintes.

Supondo haver encontrado a chave para a decifração do sentido profundo das profecias, irá indicar que determinadas referências bíblicas dizem respeito a eventos históricos subseqüentes, depois tornados conhecidos. Assim, por exemplo, no que respeita à visão das quatro bestas, de Daniel, Newton as identifica com os diversos impérios, a saber: a primeira ao Império Assírio; a segunda ao Império Persa; a terceira ao Império dos Gregos e, finalmente, a quarta ao Império Romano. Deste modo, vai confrontando as profecias – e o Apocalipse de São João – ao variado curso histórico (Ver tambémNEWTON).


(1) O livro mereceu tradução portuguesa tendo sido editado no Brasil com o título de As profecias de Daniel e o Apocalipse.