Pouco antes de falecer, em 1919, Max Weber pronunciou uma conferência sobre a atividade política, que seria publicada com o título de A política como vocação. O texto passou à história como um documento importante acerca do papel do partido político e do processo de sua constituição. Ao fazê-lo, Weber estabelece a distinção fundamental entre essas agremiações antes e depois do processo de democratização do sufrágio. Assim, no século XIX, eram simples blocos parlamentares, isto é, formavam-se no Parlamento em torno de notáveis, carecendo de importância os eleitores. Escreve: “Na época não existiam partidos organizados regionalmente, que encontrassem base em agrupamentos permanentes no interior do país. Não existia outra coesão política senão a criada pelos parlamentares, apesar de que as pessoas de importância local desempenhavam papel marcante na escolha dos candidatos”. Para compreender os partidos políticos de seu tempo – época da Primeira Guerra Mundial – era imprescindível constatar que resultavam da fusão entre os antigos blocos parlamentares e os comitês locais formados por imposição do sufrágio universal e da ampliação do universo de eleitores. E embora tais agremiações tenham desde então continuado a desenvolver-se, tornando-se estruturas muito organizadas, dispondo de amplas assessorias, núcleos programáticos que os distinguem uns dos outros, publicações e variados instrumentos de formação de quadros, Weber deu uma indicação muito precisa sobre a característica distintiva do sistema representativo amadurecido, na forma como se consolidou nas principais nações do Ocidente. Na formulação de Weber, trata-se de democracia plebiscitária. Vale dizer, periodicamente, o partido que se encontra no poder é obrigado a submeter-se ao referendo popular.
No mesmo texto, Weber avança na formulação do que passa então a denominar de ética de responsabilidade, distinguindo-a da “ética de convicção”, ou “ética dos fins absolutos”, segundo a qual os fins justificam os meios, consigna que viria a ser encampada pelos marxistas. A ética de responsabilidade pretende fazer renascer a tradição kantiana, no que diz respeito à eliminação da dependência da moral à religião, reelaborando-a para abandonar os vínculos que porventura tivesse estabelecido com a suposição de uma sociedade racional.
Os princípios da ética de responsabilidade poderiam ser enunciados como segue: 1º) A vida humana comporta muitas esferas que escapam à moralidade em seu sentido próprio, nada resultando em favor da moral o empenho de estender o seu campo de ação, havendo concomitantemente esferas em que se dá um conflito claro entre a moral e os outros valores. Existe notoriamente uma tensão entre moral e política e também com as religiões que obrigam seus seguidores a menosprezar valores consagrados socialmente. Estão neste caso os sectários que se recusam ao serviço militar, em revide ao que a sociedade lhes cassa os direitos políticos.
2º) É necessário uma atitude compreensiva e tolerante em relação aos valores morais últimos em que o outro faça repousar suas convicções. Salvo a ética totalitária – que no fundo acaba por se transformar numa proposta cínica porquanto em nome dos fins que alardeia, sentem-se os seus partidários a cavalheiro para comportar-se de modo idêntico àqueles que condenam, de que é exemplo expressivo a condenação da ditadura de Batista, admitindo-se até a sua derrubada violenta, para acabar melancolicamente justificando a ditadura de Fidel Castro –, salvo esse tipo de comportamento, que a rigor nada tem a ver com a moralidade, sendo de todo incompatível com a ética de responsabilidade, nos demais eventos parte do pressuposto de que as avaliações últimas do indivíduo nunca podem ser refutadas. É o que Weber denomina de conflito insolúvel das avaliações.
O razoável é aceitá-las e compreendê-las, se queremos ter direito a idêntica prerrogativa.
3º) Não devemos nos valer de circunstâncias que nos colocam numa posição de superioridade para impor nossas convicções. Weber toma aqui o exemplo da cátedra, referido no Ensaio sobre neutralidade axiológica.
4º) Devemos responder pelas conseqüências previsíveis de nossos atos. A esse propósito escreve Weber: “Quando as conseqüências de um ato praticado por pura convicção se revelam desagradáveis, o partidário de tal ética não atribuirá responsabilidade ao agente, mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus, que assim criou o homem. O partidário da ética de responsabilidade, ao contrário, contará com as fraquezas comuns do homem (pois como dizia muito procedentemente Fichte,(1) não temos o direito de pressupor a bondade e a perfeição do homem) e entenderá que não pode lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis de sua própria ação. Dirá, portanto: “Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação”.
5º) Finalmente, a ética de responsabilidade afirma que os meios devem ser adequados aos fins; que não há fins altruísticos que justifiquem o recurso a meios que não possam ser compatíveis com aqueles objetivos. Assim, não se pode, em nome da exaltação da pessoa humana, a exemplo do que ocorreu nos países vítimas do totalitarismo, submetê-la a procedimentos que a aviltam. Os meios aviltantes é que definem o cerne da ética totalitária, ou melhor, sob todas as circunstâncias são os meios que definem os fins. (Ver também WEBER, Max).
(1) Johann Glottlieb Fichte (1762-1814) deu início à elaboração do sistema filosófico que deveria seguir-se à crítica kantiana. Tendo saído sem o nome do autor, sua primeira versão do sistema (elaboraria outras, igualmente sem sucesso), aparecida sem o seu nome, foi atribuída ao próprio Kant, que ainda vivia.