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As Meditações, do imperador romano Marco Aurélio são consideradas como magistral expressão da atitude estóica diante da vida, atitude essa que passou a constituir uma faceta da cultura ocidental. O estoicismo consiste numa doutrina moral surgida na Grécia, cujas idéias centrais viriam a ser transmitidas por historiadores e comentaristas romanos, a partir dos quais reuniram-se o que se convencionou denominar de fragmentos. Graças a tal expediente, os autores mais conhecidos são Zenão  de Cicio (340/164) e seus seguidores Cleanto (século III antes de Cristo) e Crisipo (280/208). Em geral, para conhecimento da doutrina toma-se por base os autores romanos: Sêneca (nascido por volta do início da Era Crfistã e falecido em 65); Epicteto (50?/125-130) e Marco Aurélio (121/180).

Marco Aurélio pertencia às famílias ilustres de Roma e tornou-se Imperador a partir de 161. Expoentes da elite imperial nutriam simpatias pelas teses estóicas. Cícero (106/43 antes de Cristo), que se considera como o principal divulgador da filosofia grega – além de ser político e orador renomado --, ordenou as informações relativas ao estoicismo atribuindo-lhe, primordialmente, o caráter de uma doutrina afirmativa do conhecimento, que contrapõe ao ceticismo. Desde então, a familiaridade com a cultura grega, de que a elite romana iria jactar-se, incluía o estoicismo e não apenas as principais doutrinas. Sêneca, que assume diretamente a condição de seu adepto, pertencia á mais alta hierarquia do Império, tendo sido importante membro do governo de Nero (Imperador de 54 a 68). A exceção é Epicteto que era estrangeiro, tendo chegado a Roma como escravo. Liberto, revelou ser pessoa dotada de grande erudição e que viria a encantar os romanos ilustres em suas palestras, cujo conteúdo se preservou graças aos discípulos, já que não deixou obra escrita.

A par de se constituir numa doutrina moral, o estoicismo romano revestiu-se de uma outra feição que também há de ter contribuído para torná-lo atrativo, naquele tipo de sociedade. Aspirava tornar-se uma seita fechada, inicialmente constituída apenas pelos sábios, isto é, aqueles que, pelo saber, se haviam destacado da massa de insensatos que, segundo essa visão, constituiriam a quase totalidade. Com o desenvolvimento da doutrina, admitiu-se a existência de uma categoria intermediária, integrada por aqueles que, ao se aproximarem da corrente, dispunham-se a aprofundar o seu entendimento, na verdade, uma prática existencial, como se indicará. Por isto mesmo não deve soar estranho que a obra de um Imperador Romano se tenha transformado num texto capaz de expressar um tipo de atitude que complemente e ilustre o caráter ocidental.

A principal máxima do estoicismo é a seguinte: cultivar a impassibilidade diante da dor e do infortúnio. Para ilustrar esse traço característico, a apresentação do volume dedicado aos estóicos que integra a Bibliothéque de la Plêiade, destaca que seu organizador, o prof. Emile Brehier, seria o protótipo do estóico.  No Prefácio á obra referida, o prof. Pierre Máxime Schuhl – tarefa de que se incumbiu devido à morte do organizador antes de concluir o trabalho – diz o seguinte: “Mas não basta dizer que Emile Brehier interessava-se pelo estoicismo; pode-se dizer que era um estóico, pela maneira verdadeiramente estóica com que suportou a amputação do braço esquerdo, a que teve de submeter-se devido a ferimento de guerra, amputação que sofreu sem jamais lamentar-se.”.

Como Imperador, Marco Aurélio teve que enfrentar sucessivas revoltas em diversas províncias do Império e, governando em fins do segundo século, já teria que se defrontar com  invasões bárbaras. Estas, como se sabe, mais tarde iriam provocar a derrocada do Império.
As Meditações constituem um diálogo do autor consigo mesmo. Muitas das inquietações ali suscitadas advêm de acontecimentos dramáticos que presenciara, a exemplo de sua participação em campanhas militares. Contudo, não se atem ao acontecimento nem se trata de enfocá-lo a título de registro.

Na verdade, a pretensão do autor consiste em retirar da própria experiência ensinamentos e comprovações da fecundidade do estoicismo, cujos expoentes não se cansa de citar, notadamente Epicteto.

O curso do mundo obedece a um determinismo contra o qual é inútil lutar. Afirma taxativamente: “Para cima e para baixo, de um lado para o outro, de roda em roda é este o monótono e enfadonho ritmo do universo. Tudo o que acontece foi preparado desde toda a eternidade; a sucessão de causas esteve sempre fiando a tua existência e o que te acontece (Livro X, 5). E, mais adiante: “E nada pode transgredir a necessidade do destino e de uma ordem, nem a providência que ouve a súplica, nem um desgovernado caos sem finalidade. Se a Necessidade  nada pode transgredir, porque resistes?” (Livro XII, 40)

O máximo ensinamento estóico acha-se formulado deste modo: “Sê como o promontório onde as ondas quebram sem cessar mas que permanece firme e ao lado do qual as águas espumantes acabam por adormecer. Infeliz de mim, a quem isto acontece. Não; feliz de mim, porque, embora isto  aconteça, continuo livre de aflição, nem subjugado pelo presente, nem temendo o que há de vir.” (Livro IV, 9)

Marco Aurélio pretende também que seus ensinamentos ajudem a distinguir o Mal do Bem e o vício da virtude, do mesmo modo que a cultivar a razão e torná-la um guia para a ação e, sobretudo, desenvolver a capacidade de enfrentar as intempéries. Ainda que se trate de meditação de cunho pessoal, é visível a intenção do autor de divulgar o seu texto, notadamente ao fazer, no Livro I, uma autêntica introdução e, do último  (XII), verdadeiro epílogo.

Hegel valorizou extremamente o estoicismo, que considerou como um momento destacado do processo de formação do que denomina de consciência de si, tendo em vista a consciência (ou a cultura) ocidental. Enfatizando este aspecto, o conhecido estudioso de sua obra Jean Hyppolite afirma: “Para ser uma consciência de si livre (ou melhor, para descobrir-se como dotado de livre arbítrio) é necessário ser-se estóico, num ou noutro momento  da vida.”


Les stoiciens. Paris, Gallimard, 1962. Bibliothéque de la Pléiade. O ferimento de que se trata resultou da participação do prof. Emile Brehier na primeira guerra mundial.

As Meditações acham-se subdivididas em doze livros, cujo conteúdo corresponde a máximas não muito extensas, todas numeradas, sendo desigual a sua quantidade, segundo os livros.