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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
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Meditações,
de Marco Aurélio
As Meditações,
do imperador romano Marco Aurélio
são consideradas como
magistral expressão da
atitude estóica diante
da vida, atitude essa que passou
a constituir uma faceta da cultura
ocidental. O estoicismo consiste
numa doutrina moral surgida na
Grécia, cujas idéias
centrais viriam a ser transmitidas
por historiadores e comentaristas
romanos, a partir dos quais reuniram-se
o que se convencionou denominar
de fragmentos. Graças
a tal expediente, os autores
mais conhecidos são Zenão de
Cicio (340/164) e seus seguidores
Cleanto (século III antes
de Cristo) e Crisipo (280/208).
Em geral, para conhecimento da
doutrina toma-se por base os
autores romanos: Sêneca
(nascido por volta do início
da Era Crfistã e falecido
em 65); Epicteto (50?/125-130)
e Marco Aurélio (121/180).
Marco Aurélio pertencia às
famílias ilustres de Roma
e tornou-se Imperador a partir
de 161. Expoentes da elite imperial
nutriam simpatias pelas teses
estóicas. Cícero
(106/43 antes de Cristo), que
se considera como o principal
divulgador da filosofia grega – além
de ser político e orador
renomado --, ordenou as informações
relativas ao estoicismo atribuindo-lhe,
primordialmente, o caráter
de uma doutrina afirmativa do
conhecimento, que contrapõe
ao ceticismo. Desde então,
a familiaridade com a cultura
grega, de que a elite romana
iria jactar-se, incluía
o estoicismo e não apenas
as principais doutrinas. Sêneca,
que assume diretamente a condição
de seu adepto, pertencia á mais
alta hierarquia do Império,
tendo sido importante membro
do governo de Nero (Imperador
de 54 a 68). A exceção é Epicteto
que era estrangeiro, tendo chegado
a Roma como escravo. Liberto,
revelou ser pessoa dotada de
grande erudição
e que viria a encantar os romanos
ilustres em suas palestras, cujo
conteúdo se preservou
graças aos discípulos,
já que não deixou
obra escrita.
A par de se constituir numa doutrina
moral, o estoicismo romano revestiu-se
de uma outra feição
que também há de
ter contribuído para torná-lo
atrativo, naquele tipo de sociedade.
Aspirava tornar-se uma seita
fechada, inicialmente constituída
apenas pelos sábios, isto é,
aqueles que, pelo saber, se haviam
destacado da massa de insensatos
que, segundo essa visão,
constituiriam a quase totalidade.
Com o desenvolvimento da doutrina,
admitiu-se a existência
de uma categoria intermediária,
integrada por aqueles que, ao
se aproximarem da corrente, dispunham-se
a aprofundar o seu entendimento,
na verdade, uma prática
existencial, como se indicará.
Por isto mesmo não deve
soar estranho que a obra de um
Imperador Romano se tenha transformado
num texto capaz de expressar
um tipo de atitude que complemente
e ilustre o caráter ocidental.
A principal máxima do
estoicismo é a seguinte:
cultivar a impassibilidade diante
da dor e do infortúnio.
Para ilustrar esse traço
característico, a apresentação
do volume dedicado aos estóicos
que integra a Bibliothéque
de la Plêiade ,
destaca que seu organizador,
o prof. Emile Brehier, seria
o protótipo do estóico. No
Prefácio á obra
referida, o prof. Pierre Máxime
Schuhl – tarefa de que
se incumbiu devido à morte
do organizador antes de concluir
o trabalho – diz o seguinte: “Mas
não basta dizer que Emile
Brehier interessava-se pelo estoicismo;
pode-se dizer que era um estóico,
pela maneira verdadeiramente
estóica com que suportou
a amputação do
braço esquerdo, a que
teve de submeter-se devido a
ferimento de guerra, amputação
que sofreu sem jamais lamentar-se.”.
Como Imperador, Marco Aurélio
teve que enfrentar sucessivas
revoltas em diversas províncias
do Império e, governando
em fins do segundo século,
já teria que se defrontar
com invasões bárbaras.
Estas, como se sabe, mais tarde
iriam provocar a derrocada do
Império.
As Meditações constituem
um diálogo do autor consigo
mesmo. Muitas das inquietações
ali suscitadas advêm de
acontecimentos dramáticos
que presenciara, a exemplo de
sua participação
em campanhas militares. Contudo,
não se atem ao acontecimento
nem se trata de enfocá-lo
a título de registro.
Na verdade, a pretensão
do autor consiste em retirar
da própria experiência
ensinamentos e comprovações
da fecundidade do estoicismo,
cujos expoentes não se
cansa de citar, notadamente Epicteto.
O curso do mundo obedece a um
determinismo contra o qual é inútil
lutar. Afirma taxativamente: “Para
cima e para baixo, de um lado
para o outro, de roda em roda é este
o monótono e enfadonho
ritmo do universo. Tudo o que
acontece foi preparado desde
toda a eternidade; a sucessão
de causas esteve sempre fiando
a tua existência e o que
te acontece (Livro X, 5). E,
mais adiante: “E nada pode
transgredir a necessidade do
destino e de uma ordem, nem a
providência que ouve a
súplica, nem um desgovernado
caos sem finalidade. Se a Necessidade nada
pode transgredir, porque resistes?” (Livro
XII, 40)
O máximo ensinamento estóico
acha-se formulado deste modo: “Sê como
o promontório onde as
ondas quebram sem cessar mas
que permanece firme e ao lado
do qual as águas espumantes
acabam por adormecer. Infeliz
de mim, a quem isto acontece.
Não; feliz de mim, porque,
embora isto aconteça,
continuo livre de aflição,
nem subjugado pelo presente,
nem temendo o que há de
vir.” (Livro IV, 9)
Marco Aurélio pretende
também que seus ensinamentos
ajudem a distinguir o Mal do
Bem e o vício da virtude,
do mesmo modo que a cultivar
a razão e torná-la
um guia para a ação
e, sobretudo, desenvolver a capacidade
de enfrentar as intempéries.
Ainda que se trate de meditação
de cunho pessoal, é visível
a intenção do autor
de divulgar o seu texto, notadamente
ao fazer, no Livro I, uma autêntica
introdução e, do último (XII),
verdadeiro epílogo.
Hegel valorizou extremamente
o estoicismo, que considerou
como um momento destacado do
processo de formação
do que denomina de consciência
de si, tendo em vista a consciência
(ou a cultura) ocidental. Enfatizando
este aspecto, o conhecido estudioso
de sua obra Jean Hyppolite afirma: “Para
ser uma consciência de
si livre (ou melhor, para descobrir-se
como dotado de livre arbítrio) é necessário
ser-se estóico, num ou
noutro momento da vida.”
Les
stoiciens. Paris, Gallimard,
1962. Bibliothéque
de la Pléiade. O ferimento
de que se trata resultou
da participação
do prof. Emile Brehier na
primeira guerra mundial.
As Meditações acham-se
subdivididas em doze livros,
cujo conteúdo corresponde
a máximas não
muito extensas, todas numeradas,
sendo desigual a sua quantidade,
segundo os livros.
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