Tendo vivido no século V antes de nossa era e presenciado as guerras com os persas que, embora intermitentemente, duraram cerca de 41 anos (de 490 a 449), admite-se que Heródoto haja nascido em 484 e falecido em 420. Vivendo em Atenas, era amigo de Péricles e de Sófocles. Sua obra, denominada História, é considerada a certidão de nascimento da historiografia, embora a tese precise ser devidamente qualificada. Heródoto ocupa-se da história humana, enquanto os relatos anteriores, de Homero e Hesíodo, entremeiam a ação humana e a dos deuses. Além disto, procurou documentar-se, avaliar a exatidão de suas fontes e as compôs numa narrativa bem construída e vivaz. Desse ponto de vista, é certamente um marco em relação ao passado, embora, como escreve o tradutor de sua obra, Mário da Gama Kury, “ainda tem muito dos hábitos que censurava nos seus predecessores: a paixão pelas genealogias, pelo lendário e até pelo puramente mítico”. Na verdade, a historiografia como um tipo de conhecimento que emprega métodos científicos mas parte do reconhecimento da diferença que a presença do valor, na criação humana, estabelece em relação ao processo natural, é fenômeno tardio no Ocidente, datando do século XVIII.(1)
Assim, a obra de Heródoto é sobretudo um valioso documento da história de Atenas no chamado século de Péricles e, em especial, das invasões persas.
A História subdivide-se em nove partes, denominados livros, cada um deles com o nome de uma das musas,(2) por sua vez subdivididos em parágrafos numerados (geralmente as citações referem o número do livro e do parágrafo). Embora tenha o propósito de documentar as invasões persas, começa com a indicação de que as disputas entre a Europa e a Ásia datam de tempos imemoriais e tiveram sua origem no rapto de mulheres, com o que inclui a guerra de Tróia, contada por Homero, entre os incidentes desta índole. A partir daí procura reconstituir a história da Pérsia. Essa reconstituição permaneceu como uma das principais fontes para o conhecimento da história do império persa até o início do século XIX, quando se decifrou a escrita persa, denominada de cuneiforme pelo inglês (Rawlinson) que a decifrou.
Heródoto procurou documentar-se acerca dos costumes não só dos próprios persas como dos diversos povos submetidos ao império. Particular atenção mereceram as crenças religiosas. Procurou entremear esse relato com os fatos concomitantes que se verificaram nas principais cidades gregas. Ainda que não estivesse atento à cronologia, a obra de Heródoto tornou-se uma das fontes para conhecimento das mais importantes cidades gregas, como Esparta e Atenas. Na verdade, a descrição da forma como se constituiu o império persa, entremeada por longas digressões que incluem incidentes da própria Grécia, ocupa dois terços da obra. Nessa circunstância, a apreensão do objeto principal (o conflito bélico) torna-se muito trabalhosa. Na Pérsia, reinava Dario I e o império persa abrangia todo o Oriente Médio desde a fronteira com a Índia até o Egito. No parágrafo 42 do Livro IV, Heródoto resume o conhecimento geográfico do mundo da época.
O conflito com os persas (denominado de guerras médicas) teve três grandes ciclos. O primeiro compreende a invasão iniciada em 490, que se destinava a subjugar a Grécia continental, por seu apoio às cidades gregas no mar Egeu, dificultando o domínio persa. Apesar da magnitude das forças comandadas por Dario, é derrotado em Maratona, localizada a 42 km de Atenas. O corredor, incumbido de levar a Atenas a notícia da vitória, morreu por excesso de fadiga. Para lembrar o feito é que as competições de corrida a pé, naquela distância, chamam-se maratona.
A invasão da Europa por Dario vai aparecer tardiamente, no Livro V. Porém, a notícia da vitória dos atenienses, aos ouvidos do rei, é postergada até o parágrafo 105. Do conflito bélico propriamente dito, Heródoto irá ocupar-se tão somente no parágrafo 43 do Livro VI. Mas logo detém-se numa longa digressão sobre a história de Esparta, a pretexto de que teria acolhido mensageiros persas, o que Atenas teria considerado traição. De sorte que a menção à batalha de Maratona constará apenas no parágrafo 103. A batalha propriamente dita é descrita nos parágrafos 112-117.
A segunda guerra médica inicia-se em 481. Tendo Dario falecido em 485, os persas são comandados pelo novo rei (Xerxes I). Fracassando a tentativa de detê-los nas Termópilas, consuma-se a ocupação de Atenas, que é incendiada (agosto, 480). Mas graças à direção de Temístocles (528/462), a frota persa é destruída diante da ilha de Salamina (setembro, 480). No ano seguinte o exército persa é derrotado em Platéia. Sob a direção de Atenas, os gregos atacam no mar Egeu e conquistam vitórias (Micale, 479). Mas a disputa não se resolve nesta fase, havendo uma terceira. Nesta, quase dez anos depois, Atenas obtém outra vitória marítima (Eupimedon, 468). Em 449-448, os persas renunciam ao domínio das cidades gregas na Ásia e assinam a paz.
Por considerar o domínio das cidades gregas na Ásia como primeira investida da Pérsia, Heródoto classifica como terceira fase da guerra aquela em que Atenas é derrotada e incendiada (480) bem como a vitória subseqüente de Salamina (VII; 193 a 238; e VIII; 40 a 125). O Livro IX contém a parte final da guerra e o reconhecimento pelos persas da derrota e a assinatura da paz.
A História é de difícil leitura embora os incidentes sejam interessantes e relatados com vivacidade. A dificuldade consiste em acompanhar o encadeamento dos acontecimentos, tantas são as digressões que – por sua vez desdobradas – tornam-se mais distanciadas do tema de início proposto. (Ver também TUCÍDIDES).
(1) O começo da historiografia, na acepção que dela temos, dá-se com a obra de Giambattista Vico (1668/1774), intitulada Princípios de uma ciência nova(1725).
(2) Segundo a mitologia, as musas são filhas de Zeus com Mnemosine (deusa da Memória), criadas com a missão específica de louvar aos deuses com o canto. A indicação de que seriam nove provém de Hesíodo (poeta grego dos meados do século VIII antes de Cristo, que completa a tradição mitológica preservada por Homero).