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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
HERÓDOTO
Tendo vivido no século
V antes de nossa era e presenciado
as guerras com os persas que,
embora intermitentemente, duraram
cerca de 41 anos (de 490 a 449),
admite-se que Heródoto
haja nascido em 484 e falecido
em 420. Vivendo em Atenas, era
amigo de Péricles e de
Sófocles. Sua obra, denominada História, é considerada
a certidão de nascimento
da historiografia, embora a tese
precise ser devidamente qualificada.
Heródoto ocupa-se da história
humana, enquanto os relatos anteriores,
de Homero e Hesíodo, entremeiam
a ação humana e
a dos deuses. Além disto,
procurou documentar-se, avaliar
a exatidão de suas fontes
e as compôs numa narrativa
bem construída e vivaz.
Desse ponto de vista, é certamente
um marco em relação
ao passado, embora, como escreve
o tradutor de sua obra, Mário
da Gama Kury, “ainda tem
muito dos hábitos que
censurava nos seus predecessores:
a paixão pelas genealogias,
pelo lendário e até pelo
puramente mítico”.
Na verdade, a historiografia
como um tipo de conhecimento
que emprega métodos científicos
mas parte do reconhecimento da
diferença que a presença
do valor, na criação
humana, estabelece em relação
ao processo natural, é fenômeno
tardio no Ocidente, datando do
século XVIII.(1)
Assim, a obra de Heródoto é sobretudo
um valioso documento da história
de Atenas no chamado século
de Péricles e, em especial,
das invasões persas.
A História subdivide-se
em nove partes, denominados livros,
cada um deles com o nome de uma
das musas,(2) por
sua vez subdivididos em parágrafos
numerados (geralmente as citações
referem o número do livro
e do parágrafo). Embora
tenha o propósito de documentar
as invasões persas, começa
com a indicação
de que as disputas entre a Europa
e a Ásia datam de tempos
imemoriais e tiveram sua origem
no rapto de mulheres, com o que
inclui a guerra de Tróia,
contada por Homero, entre os
incidentes desta índole.
A partir daí procura reconstituir
a história da Pérsia.
Essa reconstituição
permaneceu como uma das principais
fontes para o conhecimento da
história do império
persa até o início
do século XIX, quando
se decifrou a escrita persa,
denominada de cuneiforme pelo
inglês (Rawlinson) que
a decifrou.
Heródoto procurou documentar-se
acerca dos costumes não
só dos próprios
persas como dos diversos povos
submetidos ao império.
Particular atenção
mereceram as crenças religiosas.
Procurou entremear esse relato
com os fatos concomitantes que
se verificaram nas principais
cidades gregas. Ainda que não
estivesse atento à cronologia,
a obra de Heródoto tornou-se
uma das fontes para conhecimento
das mais importantes cidades
gregas, como Esparta e Atenas.
Na verdade, a descrição
da forma como se constituiu o
império persa, entremeada
por longas digressões
que incluem incidentes da própria
Grécia, ocupa dois terços
da obra. Nessa circunstância,
a apreensão do objeto
principal (o conflito bélico)
torna-se muito trabalhosa. Na
Pérsia, reinava Dario
I e o império persa abrangia
todo o Oriente Médio desde
a fronteira com a Índia
até o Egito. No parágrafo
42 do Livro IV, Heródoto
resume o conhecimento geográfico
do mundo da época.
O conflito com os persas (denominado
de guerras médicas)
teve três grandes ciclos.
O primeiro compreende a invasão
iniciada em 490, que se destinava
a subjugar a Grécia continental,
por seu apoio às cidades
gregas no mar Egeu, dificultando
o domínio persa. Apesar
da magnitude das forças
comandadas por Dario, é derrotado
em Maratona, localizada a 42
km de Atenas. O corredor, incumbido
de levar a Atenas a notícia
da vitória, morreu por
excesso de fadiga. Para lembrar
o feito é que as competições
de corrida a pé, naquela
distância, chamam-se maratona.
A invasão da Europa por
Dario vai aparecer tardiamente,
no Livro V. Porém, a notícia
da vitória dos atenienses,
aos ouvidos do rei, é postergada
até o parágrafo
105. Do conflito bélico
propriamente dito, Heródoto
irá ocupar-se tão
somente no parágrafo 43
do Livro VI. Mas logo detém-se
numa longa digressão sobre
a história de Esparta,
a pretexto de que teria acolhido
mensageiros persas, o que Atenas
teria considerado traição.
De sorte que a menção à batalha
de Maratona constará apenas
no parágrafo 103. A batalha
propriamente dita é descrita
nos parágrafos 112-117.
A segunda guerra médica
inicia-se em 481. Tendo Dario
falecido em 485, os persas são
comandados pelo novo rei (Xerxes
I). Fracassando a tentativa de
detê-los nas Termópilas,
consuma-se a ocupação
de Atenas, que é incendiada
(agosto, 480). Mas graças à direção
de Temístocles (528/462),
a frota persa é destruída
diante da ilha de Salamina (setembro,
480). No ano seguinte o exército
persa é derrotado em Platéia.
Sob a direção de
Atenas, os gregos atacam no mar
Egeu e conquistam vitórias
(Micale, 479). Mas a disputa
não se resolve nesta fase,
havendo uma terceira. Nesta,
quase dez anos depois, Atenas
obtém outra vitória
marítima (Eupimedon, 468).
Em 449-448, os persas renunciam
ao domínio das cidades
gregas na Ásia e assinam
a paz.
Por considerar o domínio
das cidades gregas na Ásia
como primeira investida da Pérsia,
Heródoto classifica como
terceira fase da guerra aquela
em que Atenas é derrotada
e incendiada (480) bem como a
vitória subseqüente
de Salamina (VII; 193 a 238;
e VIII; 40 a 125). O Livro IX
contém a parte final da
guerra e o reconhecimento pelos
persas da derrota e a assinatura
da paz.
A História é de
difícil leitura embora
os incidentes sejam interessantes
e relatados com vivacidade. A
dificuldade consiste em acompanhar
o encadeamento dos acontecimentos,
tantas são as digressões
que – por sua vez desdobradas – tornam-se
mais distanciadas do tema de
início proposto. (Ver
também TUCÍDIDES).
(1) O
começo da historiografia,
na acepção
que dela temos, dá-se
com a obra de Giambattista
Vico (1668/1774), intitulada Princípios
de uma ciência nova (1725).
(2) Segundo
a mitologia, as musas são
filhas de Zeus com Mnemosine
(deusa da Memória),
criadas com a missão
específica de louvar
aos deuses com o canto. A
indicação de
que seriam nove provém
de Hesíodo (poeta
grego dos meados do século
VIII antes de Cristo, que
completa a tradição
mitológica preservada
por Homero).
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