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Na análise da obra de Goethe aparecem nitidamente duas tendências. A primeira, levando em conta que se ocupou praticamente de toda espécie de manifestação cultural, consiste em louvar-lhe a genialidade. Entre outras coisas, foi chamado de “homem universal”. Poeta lírico, projetista, dramaturgo, novelista, tradutor, diretor teatral, ministro de Estado, administrador, geólogo, meteorologista, botânico, filósofo, crítico, místico e grande amante – essa personalidade multifacetada mereceria ter o seu gênio amplamente reconhecido. Outros tomam isoladamente qualquer das manifestações assinaladas e destacam a ausência de méritos intrínsecos. Ronald Gray– talvez o mais importante estudioso inglês de sua obra – sugere que avaliação equilibrada poderá resultar destes reconhecimentos: 1°) Viveu 83 anos, de forma intensa. Aos 21 compunha poemas e peças de teatro e integra um grupo intelectual influente, liderado por Herder. Em 1809, aos 60 anos, conhecido como autor de Werther, editado há cerca de três décadas, publica Fausto, seguido da Teoria das cores (1810). Aos 65 (1814), casado com Christine Vulpius, desde 1806 (falecida dois anos depois) envolve-se em outro affaire amoroso (Marianne von Willemar). Perto dos oitenta é capaz de novos interesses; 2°) Suas incursões nas diversas manifestações culturais, na maioria dos casos, são tópicas e isoladas. Não há um elo comum que as possa justificar, salvo a renovada preocupação em manter-se ao corrente das conquistas científicas, mas tomando-as em suas expressões específicas. Mesmo na poesia, que o acompanharia sempre, não guarda fidelidade a estilos; e, 3°) Circunstâncias históricas vitais muito influenciaram sua carreira: os amores; as funções administrativas (Weimar); o impacto provocado pela Revolução Francesa, seguido da admiração por Napoleão; e até a dependência de amizades e amores.

Johann Wolfgang Goethe nasceu em Franfurt, Alemanha, em 1749. Matriculou-se na Universidade de Leipzig em 1765, com apenas 16 anos. Por motivo de saúde, interrompe o curso três anos depois. Recuperado, transfere-se para a Universidade de Estrasburgo, em 1770, onde licenciou-se em direito no ano seguinte. Em 1722 apaixona-se por Charlotte Buff, paixão essas que iria marcá-lo profundamente e explica o fato de que, tendo iniciado a escrever Fausto:uma tragédia, interrompe esse texto e conclui, em 1774, Os sofrimentos do jovem Werther. Charlotte Buff era casada e não correspondeu.

O próprio Goethe registra deste modo o estado de espírito em que se encontrava quando escreveu o último livro: “Essa foi uma criação que eu alimentei com o sangue do meu coração. ...Contém tanto do  íntimo âmago do meu ser que eu facilmente poderia estendê-lo num romance de dez volumes. Além disto, li o livro uma única vez desde sua publicação e tive grande cuidado em não tornar a lê-lo. É um amontoado de lances melodramáticos. Sinto-me desconfortável quando o vejo; e temo voltar a experimentar o estado mental em que me encontrava quando o escrevi.” Essas e outras inconfidências constam do texto editado por seu secretário particular.

A convite do príncipe governante, duque Carlos Augusto, Goethe assumiu funções administrativas em Weimar, o que lhe permitiu dar sentido prático ao seu entendimento da cultura. Costuma-se destacar que contribuiu de modo decisivo para a revalorização da arquitetura gótica alemã. A esse propósito, deixou-nos esse depoimento, na autobiografia, publicada 1809: “Tudo o que pensei e imaginei com respeito ao estilo da arquitetura, escrevi em forma correta. O primeiro ponto sobre que insisti é que deveria ser chamada alemã e não gótica; que deveria ser considerada nacional, não estrangeira.”

Atuou também no sentido de difundir o teatro clássico não só escrevendo tragédias, com motivos gregos, como procurando aprimorar de um modo geral a apresentação dos espetáculos. Nas conversações com Eckermann confessa: “Realmente me interessei pelo teatro somente na medida em que pude ter influência prática sobre ele. Dava-me prazer elevar esta instituição a um alto grau de perfeição; e, quando ia á representação, meu interesse não se centrava tanto nas peças como em observar se o desempenho dos atores era como seria desejável. Os erros que eu desejava assinalar, mandava-os por escrito para o diretor, e tenho certeza de que seriam evitados na próxima representação”.

Legou-nos uma obra imensa, abrangendo as diversas manifestações da literatura (poesia; teatro e romances) e textos teóricos sobre segmentos relevantes, como a pintura, a arquitetura e, de um modo geral, a cultura alemã. Praticamente desde 1767, quando tinha apenas 18 anos, deu a luz a novas poemas  até o falecimento (1832).  Aos 72 anos (1821) conclui e publica uma novela iniciada quatorze anos antes (Wilhelm Meisters). Somente um ano antes de falecer, terminou a segunda parte do Fausto. Em seu tempo, chegou a ser uma das personalidades mais famosas da Europa, freqüentado por líderes políticos e renomados escritores. (Ver também: Os sofrimentos do jovem Werther e Fausto).


Professor em Cambridge e visitante de universidades alemãs. PublicouGoethe  —A critical introduction (1967), estudo específico sobre Fausto, antologia da obra do autor e estudo introdutório à poesia alemã.

Johann Gottfried Herder (1744/1803) é considerado como um dos precursores do método científico de estudo da história, com a obra Idéias para a filosofia da história humana   (em quatro volumes, aparecida entre 1874 e 1791) sendo, em seu tempo, personalidade de renome.

Johann Peter Eckermann (1791/1854). Título da ediçãop inglesa:Conversations of Goethe with Eckermann.

Tenha-se presente que a Alemanha da época subdividia-se em mais de duzentos principados autônomos, que mantinham entre si alianças geralmente estruturadas a partir de afinidades religiosas. Destacando-se desse conjunto, a Prússia acabou liderando o (tardio) processo de unificação, somente consumado em 1870.