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Virgílio (em latim Publius Vergilius Maro) nasceu em Andes, vilarejo perto de Mântua, na Itália, no ano 70 a. C., passando a residir em Milão e depois em Roma, antes de completar 20 anos (no ano 55). Em Roma freqüentou os círculos intelectuais. Sem perder estes vínculos, retira-se para o interior (ano 44). Nessa fase escreve Bucólicas, que correspondem à idealização da vida no campo, seguindo aliás uma tradição iniciada na Grécia pelo poeta Teócrito, autor de Idélios. As Bucólicas proporcionaram-lhe merecido prestígio.

No tempo de Virgílio, Roma já havia completado seu domínio sobre a bacia do Mediterrâneo. No século transcorrido após a conquista da Grécia (146 a. C.) consolida essa hegemonia. Iniciara também a incorporação do continente europeu. Na década de cinqüenta, entre 58 e 51, estabelece-se no território denominado Gália, que deveria corresponder á França e á Alemanha que conhecemos. Internamente, é o período de grandes agitações e guerras civis, que culminam com a abolição da República e a chegada ao poder do Primeiro Imperador (Otávio Augusto, que governou de 29 a 14 a. C.). Virgílio viveu grande parte desta última época, acreditando-se que se haja disposto a escrever Eneida por solicitação do Imperador. Faleceu no ano 19 a. C., aos 51 anos de idade.

Ainda que inspirado em Homero, que igualmente mereceria perene acolhimento no Ocidente, a Eneida de Virgílio é que inauguraria nova modalidade de obra literária, servindo de modelo a diversos autores em variados contextos históricos. Trata-se do poema épico que se propõe cantar determinado evento que a seus olhos – ou da geração correspondente – constitui autêntica epopéia. No caso, tudo conspirava para alcançar tal efeito: o autor canta as glórias da Itália, na língua erudita adotada pelos que a recebem em primeira mão, num verso perfeito.

Supõe-se que a composição dos doze cantos que integram a Eneida haja absorvido os últimos anos da vida do autor. Pretenderia acrescentar-lhe mais três, depois de conhecer a Grécia, mas faleceu antes de realizar tal projeto. Os seis primeiros cantos acompanham de perto o roteiro seguido por Homero para descrever as peripécias de Ulisses no regresso a Ítaca, inclusive a sua passagem pelo inferno, para avistar-se com o pai (cena do Sexto Canto, em Virgílio). Os demais estariam inspirados na Ilíada.

Eneida é uma extraordinária epopéia devotada ao destino glorioso da Itália, traçado pelos deuses e que, num dado momento, esteve em mãos de Enéas. Em lugar do grego vitorioso da Odisséia, Virgílio coloca a um troiano derrotado (Enéas). Abandonando a cidade em chamas (Tróia), dirige-se á Itália, destinada a tornar-se prolongamento dos troianos. Do mesmo modo que ocorreu a Ulisses, também Enéas em sua viagem por mar é perseguido, enfrenta a fúria das tempestades. Chega a Cartago, colônia fenícia no Norte da África, sob domínio romano na altura em que viveu Virgílio. Ainda seguindo a Homero, o herói de Virgílio é retido na cidade e instado a relatar a monumental história da guerra de Tróia (Cantos Segundo e Terceiro). O relato é brilhante mas será no Quarto Canto onde irá transparecer plenamente a genialidade de Virgílio.

Dido, rainha de Cartago, delira de amores por Enéas e planeja seduzi-lo. O texto de Virgílio contagia com a emoção das artimanhas da conquista, tornando de todo aceitável que Enéas se deixasse seduzir, esquecendo-se dos seus deveres e colocando-se ao serviço de um novo amo. A mudança de estado de espírito que lhe provoca a reprimenda dos deuses é deveras brilhante e não preserva nenhum indício de insanidade. Descobrindo os planos do amante de evadir-se, a transformação que se opera em Dido marca um extraordinário momento de criação literária, do mesmo modo que o diálogo em que Enéas tenta justificar-se e o próprio desfecho, representado pelo suicídio de Dido e a consumação da fuga de Enéas. A simples leitura deste Quarto Canto explica o impacto que a sua descoberta iria provocar na Itália do apogeu da Idade Média. Poesia primorosa, além do mais escrita na língua que era a dos homens cultos da época. Compreende-se o deslumbramento provocado, entre outros, em Dante Alighieri.

No Canto Sexto, tendo chegado à Sicília, Enéas deixa ali uma parte da frota e segue com os restantes em demanda do continente. É aqui que, do mesmo modo que Ulisses, visita aos mortos no Inferno e ouve da alma do pai (Anquises) o relato das glórias futuras da Itália a partir da fundação de Roma. Esse relato abre a outra parte do poema, nestes termos: “Depois que Anquises conduziu seu filho a todos os lugares e lhe acendeu o ânimo com o amor da fama que há de vir, fala-lhe das guerras que terá de sustentar.”

Os cantos restantes, segundo todos os estudiosos, se seguem a Homero, comoosprecedentes, desta vez  a Odisséia é substituída pela Ilíada, onde o tema central é a guerra de Tróia. Ao contrário do que seria plausível, já que os deuses haviam destinado Enéas a valer-se da Itália para reconstituir Tróia, encontrará não só apoio mas uma forte resistência desde que parte dos habitantes locais tratam-no como intruso. Na terrível guerra que se segue, desfilam heróis e deuses homéricos. Embora Virgílio não haja concluído o poema, a parte que chegou até nós acha-se entremeada de circunstâncias que permitem ao poeta referir o glorioso destino reservado á Itália e reverenciar seu protetor, o Grande Augusto. Com a ajuda dos deuses, Enéas ganha a guerra e, recusando de modo frontal as súplicas do rei Turno, comandante das tropas que lhe opuseram resistência,  “arrebatado de cólera, enterra a espada no meio do peito (de Turno) ... e sua vida (alma), indignada, foge com um gemido para as sombras.”

O fato de que estivesse escrito em latim, língua culta dos italianos que redescobriram o poema de Virgílio, certamente muito contribuiu para revelar de pronto sua grandiosidade e beleza. E ainda que a tradução dificilmente consiga fazê-lo, de modo pleno, é impossível deixar de reconhecer a enorme força que preserva através dos tempos. (Ver também Ilíada e Odisséia, de Homero e DANTE ALIGHIERI)


Dante, na Divina Comédia, presta diretamente tributo a Virgílio. Outros poemas épicos marcantes são os Lusíadas, de Camões, e O Paraíso Perdido, de Milton.