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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
Eneida,
de Virgílio
Virgílio (em latim Publius
Vergilius Maro) nasceu em Andes,
vilarejo perto de Mântua,
na Itália, no ano 70 a.
C., passando a residir em Milão
e depois em Roma, antes de completar
20 anos (no ano 55). Em Roma
freqüentou os círculos
intelectuais. Sem perder estes
vínculos, retira-se para
o interior (ano 44). Nessa fase
escreve Bucólicas,
que correspondem à idealização
da vida no campo, seguindo aliás
uma tradição iniciada
na Grécia pelo poeta Teócrito,
autor de Idélios.
As Bucólicas proporcionaram-lhe
merecido prestígio.
No tempo de Virgílio,
Roma já havia completado
seu domínio sobre a bacia
do Mediterrâneo. No século
transcorrido após a conquista
da Grécia (146 a. C.)
consolida essa hegemonia. Iniciara
também a incorporação
do continente europeu. Na década
de cinqüenta, entre 58 e
51, estabelece-se no território
denominado Gália, que
deveria corresponder á França
e á Alemanha que conhecemos.
Internamente, é o período
de grandes agitações
e guerras civis, que culminam
com a abolição
da República e a chegada
ao poder do Primeiro Imperador
(Otávio Augusto, que governou
de 29 a 14 a. C.). Virgílio
viveu grande parte desta última época,
acreditando-se que se haja disposto
a escrever Eneida por
solicitação do
Imperador. Faleceu no ano 19
a. C., aos 51 anos de idade.
Ainda que inspirado em Homero,
que igualmente mereceria perene
acolhimento no Ocidente, a Eneida de
Virgílio é que
inauguraria nova modalidade de
obra literária, servindo
de modelo a diversos autores
em variados contextos históricos .
Trata-se do poema épico que
se propõe cantar determinado
evento que a seus olhos – ou
da geração correspondente – constitui
autêntica epopéia.
No caso, tudo conspirava para
alcançar tal efeito: o
autor canta as glórias
da Itália, na língua
erudita adotada pelos que a recebem
em primeira mão, num verso
perfeito.
Supõe-se que a composição
dos doze cantos que integram
a Eneida haja absorvido
os últimos anos da vida
do autor. Pretenderia acrescentar-lhe
mais três, depois de conhecer
a Grécia, mas faleceu
antes de realizar tal projeto.
Os seis primeiros cantos acompanham
de perto o roteiro seguido por
Homero para descrever as peripécias
de Ulisses no regresso a Ítaca,
inclusive a sua passagem pelo
inferno, para avistar-se com
o pai (cena do Sexto Canto, em
Virgílio). Os demais estariam
inspirados na Ilíada.
Eneida é uma extraordinária epopéia devotada
ao destino glorioso da Itália, traçado pelos deuses e que, num
dado momento, esteve em mãos de Enéas. Em lugar do grego vitorioso
da Odisséia, Virgílio coloca a um troiano derrotado
(Enéas). Abandonando a cidade em chamas (Tróia), dirige-se á Itália,
destinada a tornar-se prolongamento dos troianos. Do mesmo modo que ocorreu
a Ulisses, também Enéas em sua viagem por mar é perseguido,
enfrenta a fúria das tempestades. Chega a Cartago, colônia fenícia
no Norte da África, sob domínio romano na altura em que viveu
Virgílio. Ainda seguindo a Homero, o herói de Virgílio é retido
na cidade e instado a relatar a monumental história da guerra de Tróia
(Cantos Segundo e Terceiro). O relato é brilhante mas será no
Quarto Canto onde irá transparecer plenamente a genialidade de Virgílio.
Dido, rainha de Cartago, delira
de amores por Enéas e
planeja seduzi-lo. O texto de
Virgílio contagia com
a emoção das artimanhas
da conquista, tornando de todo
aceitável que Enéas
se deixasse seduzir, esquecendo-se
dos seus deveres e colocando-se
ao serviço de um novo
amo. A mudança de estado
de espírito que lhe provoca
a reprimenda dos deuses é deveras
brilhante e não preserva
nenhum indício de insanidade.
Descobrindo os planos do amante
de evadir-se, a transformação
que se opera em Dido marca um
extraordinário momento
de criação literária,
do mesmo modo que o diálogo
em que Enéas tenta justificar-se
e o próprio desfecho,
representado pelo suicídio
de Dido e a consumação
da fuga de Enéas. A simples
leitura deste Quarto Canto explica
o impacto que a sua descoberta
iria provocar na Itália
do apogeu da Idade Média.
Poesia primorosa, além
do mais escrita na língua
que era a dos homens cultos da época.
Compreende-se o deslumbramento
provocado, entre outros, em Dante
Alighieri.
No Canto Sexto, tendo chegado à Sicília,
Enéas deixa ali uma parte
da frota e segue com os restantes
em demanda do continente. É aqui
que, do mesmo modo que Ulisses,
visita aos mortos no Inferno
e ouve da alma do pai (Anquises)
o relato das glórias futuras
da Itália a partir da
fundação de Roma.
Esse relato abre a outra parte
do poema, nestes termos: “Depois
que Anquises conduziu seu filho
a todos os lugares e lhe acendeu
o ânimo com o amor da fama
que há de vir, fala-lhe
das guerras que terá de
sustentar.”
Os cantos restantes, segundo
todos os estudiosos, se seguem
a Homero, comoosprecedentes,
desta vez a Odisséia é substituída
pela Ilíada,
onde o tema central é a
guerra de Tróia. Ao contrário
do que seria plausível,
já que os deuses haviam
destinado Enéas a valer-se
da Itália para reconstituir
Tróia, encontrará não
só apoio mas uma forte
resistência desde que parte
dos habitantes locais tratam-no
como intruso. Na terrível
guerra que se segue, desfilam
heróis e deuses homéricos.
Embora Virgílio não
haja concluído o poema,
a parte que chegou até nós
acha-se entremeada de circunstâncias
que permitem ao poeta referir
o glorioso destino reservado á Itália
e reverenciar seu protetor, o
Grande Augusto. Com a ajuda dos
deuses, Enéas ganha a
guerra e, recusando de modo frontal
as súplicas do rei Turno,
comandante das tropas que lhe
opuseram resistência, “arrebatado
de cólera, enterra a espada
no meio do peito (de Turno) ...
e sua vida (alma), indignada,
foge com um gemido para as sombras.”
O fato de que estivesse escrito
em latim, língua culta
dos italianos que redescobriram
o poema de Virgílio, certamente
muito contribuiu para revelar
de pronto sua grandiosidade e
beleza. E ainda que a tradução
dificilmente consiga fazê-lo,
de modo pleno, é impossível
deixar de reconhecer a enorme
força que preserva através
dos tempos. (Ver também Ilíada e Odisséia,
de Homero e DANTE ALIGHIERI)
Dante,
na Divina Comédia,
presta diretamente tributo
a Virgílio. Outros
poemas épicos marcantes
são os Lusíadas,
de Camões, e O
Paraíso Perdido,
de Milton.
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