O Discurso aos eleitores de Bristol, pronunciado por Edmundo Burke em 1774, tornou-se um ponto de referência na discussão acerca da natureza da representação. Embora limitada à Inglaterra, a experiência do novo sistema estava prestes a completar um século, cabendo considerar esse aspecto não abordado por Locke nem por Kant, que se haviam tornado seus primeiros grandes teóricos. Essa discussão inicial toma como referência o mandato imperativo.
O mandato imperativo é a denominação que se dá ao tipo de delegação que era atribuída aos representantes dos Estados Gerais ou Cortes. Essa instituição existiu em diversas monarquias européias e não tem maior relação com o Parlamento moderno, embora se chegasse a empregar o mesmo nome, como se deu em Portugal em seguida à Revolução do Porto.(1) A praxe da convocação de Cortes foi abolida com o absolutismo, razão pela qual alguns estudiosos pretenderam nela enxergar um antecedente liberal. Contudo, mesmo no caso da Inglaterra, o comparecimento às Cortes era um dever e não um direito, o que distingue radicalmente as duas instituições.
Naquelas circunstâncias, o mandatário somente podia concordar com as exigências da Monarquia que tivessem sido aprovada previamente pelo respectivo Estado.(2) Os integrantes deste último não estavam obrigados a cumprir uma decisão que violasse tal regra. O tema aflorou na primeira Assembléia Constituinte, saída da Revolução Francesa, e a Constituição de 1791 proibia expressamente o mandato imperativo, dispositivo que figurou igualmente em outras Constituições.
A discussão efetivamente moderna esteve, entretanto, circunscrita à Inglaterra, por ser este o único país em que existia o sistema representativo. Inicia-a Edmund Burke. No mencionado Speach to the Electors of Bristol(1774), Burke indica que “a felicidade e a glória de um representante devem consistir em viver na união mais estreita, na correspondência mais íntima e numa comunicação sem reservas com seus eleitores. Seus desejos devem ter para ele, grande peso, sua opinião o máximo respeito, seus assuntos uma atenção incessante”.
Mas o representante precisa ter uma opinião imparcial e juízo maduro ao invés de simplesmente submeter-se à vontade dos eleitores. Diz textualmente: “Vosso representante deve a vós não somente sua indústria, senão seu juízo, e vos atraiçoa, em vez de vos servir, se se sacrifica à vossa opinião”.
Naquela oportunidade, Burke avançou uma solução que iria marcar profundamente todo o debate subseqüente. Afirma então: “Somos agora Deputados por uma rica cidade comercial; mas esta cidade não é, no entanto, senão uma parte de uma rica Nação comercial cujos interesses são variados, multiformes e intrincados. Somos Deputados de uma grande Nação que, no entanto, não é senão parte de um grande Império, estendido por nossa virtude e nossa fortuna aos limites mais longínquos do oriente e do ocidente... Somos Deputados de uma monarquia grande e antiga...”
E assim por diante. Quer dizer: ao ser eleito, o parlamentar torna-se representante de toda a Nação.
Embora inteiramente pertinente a diferença que Burke estabelece entre mandato parlamentar e mandato imperativo, o mesmo podendo dizer-se da solução que encontrou, a mudança de condição exigia alguma sorte de explicação. Ainda na Inglaterra, iria tentar encontrá-la John Stuart Mill (1806-1873). Essa linha de análise do tema, isto é, com referência à precedente experiência das Cortes, esgotar-se-ia rapidamente. Maior fortuna teria a doutrina que a vincularia aos interesses, nascida na França no início do século XIX. (Ver também BURKE, Edmund).
(1) Assembléia, reunida em Lisboa no ano de 1821, chamou-se Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, segundo a fórmula constante da Constituição espanhola de 19 de março de 1912, conhecida como Constituição de Cádiz.
(2) Os Estados Gerais ou Cortes compunham-se de representantes da Nobreza, do Clero e do “Terceiro Estado”, pessoas ricas das cidades, em geral comerciantes.