As viagens de Gulliver foram popularizadas sobretudo como contos para crianças, sem referência às circunstâncias que levaram Swift a inventá-las. Aquela vertente foi explorada pelo cinema, inclusive na forma de desenho animado, em especial o primeiro episódio. Neste, o valoroso marinheiro sofre naufrágio e chega a uma terra (Liliput) de criaturas muito pequenas, onde tudo o mais (árvores, animais, etc.) obedecem a idênticas proporções. Permanece ali tempo suficiente para aprender a língua e os costumes. Tem um papel fundamental na guerra em que os liliputanos se envolvem com povo vizinho, proporcionando-lhes uma grande vitória ao amarrar, uns aos outros, os barcos da Armada inimiga e rebocá-los com uma corda. Apesar de se ter transformado em herói nacional, devidamente condecorado, é vítima de intriga da Corte (o país está organizado em forma de monarquia) e condenado. Consegue fugir depois de muitas peripécias e voltar à Inglaterra.
Sendo capitão de navio, seria vítima de outros naufrágios. Chega a uma terra de gigantes (Laputa) e a história mais ou menos se repete. Conhece civilizações organizadas cientificamente, notadamente aquela em que o homem conquista a imortalidade. Por toda parte só há disputas mesquinhas, ambição de poder, maldade enfim. No caso do país dos imortais, todos são sustentados pelo Estado, mas, de fato, recebem "escassíssima pensão" e vêm-se constrangidos a mendigar, o que é terminantemente proibido. Eis o quadro que descreve: "Constituíam o espetáculo mais mortificante que já vira; e as mulheres eram ainda mais horríveis que os homens. Além das costumeiras deformidades da velhice extrema, adquiriam elas uma palidez medonha, proporcional ao número de anos, que se não pode descrever; e entre meia dúzia não tardei em distinguir a mais velha, se bem não mediasse entre elas mais de um século ou dois. Acreditará facilmente o leitor que, depois do que vi e ouvi, o meu grande anseio de perpetuidade decresceu muito".
Finalmente, Gulliver chega ao país dos Houyhnhnms. São nada mais nada menos que uma raça de cavalos. Confronta os seus hábitos com os dos ingleses para fazer sobressair a sua superioridade moral mas também para submeter a sociedade de seu tempo a uma crítica mordaz. Em contrapartida, os cavalos daquela raça "são dotados pela natureza de uma propensão geral a todas as virtudes e não fazem concepção nem idéia do mal numa criatura racional, assim consiste a sua grande máxima em cultivarem a razão e serem por ela inteiramente governados. Nem é para eles a razão um ponto problemático – como entre nós, onde os homens podem defender com plausibilidade os dois lados de uma questão –, senão que lhes infunde uma convicção imediata como há de fazê-lo, posto que a não confundem, obscurecem ou desfiguram paixões e interesses".
Na Inglaterra da primeira metade do século XVIII, eliminada a possibilidade de reinício da guerra civil e buscada com firmeza a melhor forma de funcionamento do governo representativo, passa a sobressair o significado da moralidade social. Como vigora amplo pluralismo religioso, não há uma igreja capaz de impor regras comuns de comportamento. É o tempo a pregação de grandes moralistas. Swift, como Defoe, figuram do lado daqueles que são pessimistas em relação à pessoa humana e ambos irão recorrer à literatura com o propósito de contribuir no sentido de promover a correção dos costumes. (Ver também SWlFT, Jonathan e DEFOE, Daniel)