William James (1842-1910) nasceu em Nova York e estudou medicina em Harvard, concluindo o curso em 1869. Logo adiante tornou-se professor naquela universidade, primeiro ensinando fisiologia e depois filosofia. Logrou dar a mais ampla projeção à filosofia norte-americana, sendo um dos fundadores da corrente denominada de pragmatismo, que corresponde à reafirmação da tradição empirista inglesa e, ao mesmo tempo, a apresentação do conceito de experiência com uma amplitude que não lhe havia sido atribuída pelos ingleses. A essa corrente de pensamento estão associados outros pensadores de grande nomeada, como George Santayana, Pierce, John Dewey e Sidney Hook, entre outros.
Inicialmente, James publicou Princípios de psicologia (1890, em 2 volumes), obra que se tornou compêndio de grande sucesso na matéria. Seguiu-se o livro As variedades da experiência religiosa (1902), que inicia a verdadeira revolução na abordagem do tema, completada mais tarde por A idéia do sagrado (1917), de Rudolf Otto (1869-1937) e pelos trabalhos subseqüentes de Mircea Eliade (1907-1986). Essa linhagem inverteu totalmente a forma de abordar a religião emergente no século XVIII e consolidada no seguinte.
Na extensa bibliografia que publicou, sobressaem também as obras dedicadas ao pragmatismo, entre estas: Pragmatismo, um novo nome para alguns antigos modos de pensar (1907); O significado da verdade (1909) eEnsaios sobre empirismo radical (1911).
O próprio James considerava que o cerne do pragmatismo consistia no novo entendimento da verdade. Recusa a conceituação tradicional que a entende como concordância entre o pensamento e a realidade, bem como na identificação entre verdade e coerência racional. Para James, uma proposição é verdadeira quando funciona, isto é, revela-se eficaz em relação ao objeto a que se refere, permite orientar-nos na realidade e conduzir-nos de uma experiência a outra. Assim, a verdade não é algo rígido e estabelecido para sempre, modifica-se e desenvolve-se (“cresce”).
Em As variedades da experiência religiosa, James distingue juízo existencial de juízo espiritual, distinção relevante para avaliar seu significado. Assim, escreve: “O que se chama de crítica superior da Bíblia não passa de um estudo da Bíblia do ponto de vista existencial”. Perguntar o que tinham em mente, quando proferiram suas afirmações, corresponde a uma pergunta de caráter histórico e não pode, por si só, responder a esta outra: “que utilidade pode ter para nós como guia de vida e revelação”.
O denominado “materialismo médico” – que atribui as manifestações religiosas a uma origem patológica – também é criticado. James não nega que possam provir de pessoas neuróticas ou mesmo psicóticas. Contudo, esta busca de uma origem – do mesmo modo que sua identificação com perversões sexuais – não permite determinar o seu valor. Conclui deste modo: “Argumentar, portanto, com a causação orgânica de um estado de espírito religioso, para refutar-lhe a pretensão de possuir um valor espiritual superior, é totalmente ilógico e arbitrário. ... nenhum de nossos pensamentos e sentimentos, nem mesmo nossas doutrinas científicas... poderiam ter valor como revelação, pois cada uma delas, sem exceção, dimana do estado do corpo do seu possuidor, naquele momento”.
Os únicos critérios legítimos são: a luminosidade imediata, a razoabilidade filosófica e o valor moral.
A vida religiosa deve ser julgada apenas pelos resultados. Contudo, o estudo existencial de suas condições tem este mérito: “A massa de fenômenos colaterais, mórbidos ou sãos, com que precisamos cotejar os vários fenômenos religiosos, para melhor compreendê-los, forma o que a gíria psicológica denomina de “massa aperceptiva”, pela qual os compreendemos”. James supõe que a singularidade de sua análise reside precisamente na amplitude da massa aperceptiva que mobiliza. Com efeito, é deveras imensa a quantidade de relatos em cuja análise se detém.
Classifica essas experiências em alguns grupos, iniciando por aquele que retrata equilíbrio mental e postura otimista, confrontado ao estado típico de morbidez e melancolia.
James considera que a busca da felicidade, em geral, consiste numa das principais preocupações dos homens. Por isto mesmo não deve surpreender que muitos entendam que a felicidade, proporcionada por determinada crença religiosa, constitui prova suficiente de sua verdade. Arrola nessa categoria diversos movimentos religiosos verificados nos Estados Unidos, entre estes o luterano e o weslyano. O seu traço característico seria a total entrega, de que resulta alteração instantânea. Afirma tratar-se de “forma fundamental da experiência humana, qualquer que seja a sua significação final”. Descreve-a deste modo: “Passividade, não-atividade, relaxação, não-concentração, será agora a regra. Desista do sentimento de responsabilidade, solte o que está segurando, confie o cuidado do seu destino a poderes mais altos, seja genuinamente indiferente ao que será feito de tudo, e descobrirá não só que ganhou um perfeito alívio interior, mas muitas vezes também, de quebra, os próprios bens aos quais supunha estar renunciando. Esta é a salvação através do desespero, o morrer para nascer de verdade da teologia luterana, a passagem para o nada ... Para chegar a isto, faz-se mister, quase sempre, ultrapassar um ponto crítico, virar uma esquina dentro de nós mesmos. Há que ceder alguma coisa, uma dureza nativa deve quebrar-se e liquefazer-se; e esse acontecimento ... não raro, é repentino e automático, e deixa no sujeito uma impressão de ter sido manejado por um poder de fora”.
Entende naturalmente que certo tipo de temperamento há de predispor à experiência descrita. De todos os modos, encaminha os que a vivenciaram a enxergar o lado bom das coisas. Entretanto, o temperamento contrário também tem o seu papel.
O temperamento equilibrado apresenta uma incapacidade constitucional para o sofrimento prolongado, a tendência para ver as coisas por um prisma otimista. Parece-lhe que o mal é uma doença e preocupar-se com isto não deixa de ser uma forma de enfermidade, que só contribui para agravá-la. Examina a repercussão de tal entendimento na filosofia e na teologia, notadamente a dificuldade desta última em explicar a origem do mal.
James não procura obscurecer que a melancolia corresponda a uma situação patológica e examina as suas gradações, desde a incapacidade de um sentimento alegre à angústia positiva e ativa. Entre as experiências que descreve encontra-se o relato que Tolstoi nos legou, no livro Minha confissão, do estado de espírito que o levou às suas convicções religiosas. Depois de passar em revista os casos expressivos, assinala que, em nenhum deles, havia “qualquer insanidade intelectual ou ilusão a respeito dos fatos”. Acrescenta que a melancolia realmente insana, com suas alucinações e ilusões, nos levaria a tomar contato com “o desespero absoluto”.
Registra que a mente equilibrada desqualifica todo tipo de contato com o mal, merecendo-lhe franca condenação. Entende mesmo que “se a intolerância religiosa e as forças da fogueira voltassem a figurar na ordem do dia, são poucas as dúvidas de que, independentemente do que tenha acontecido no passado, os equilibrados se mostrariam, no presente, o grupo menos indulgente”.
Conclui deste modo essa parte de sua análise: “O equilíbrio mental é inadequado como doutrina filosófica porque os fatos maus, que ele se recusa positivamente a tomar em consideração, constituem uma porção genuína da realidade; e eles talvez sejam, no final das contas, a melhor chave para o significado da vida e, possivelmente, os únicos abridores dos nossos olhos para os níveis mais profundos da verdade”. E, adicionalmente: “as religiões mais completas do mundo, portanto, parecem ser aquelas em que os elementos pessimistas estão mais desenvolvidos”. Refere expressamente o budismo e o cristianismo e explica: “São essencialmente religiões de libertação: o homem precisa morrer para uma vida irreal a fim de nascer para a vida real”.
Segue-se a análise do que denomina de “eu-dividido”. Escreve a propósito: “Algumas pessoas nascem com uma constituição interior harmoniosa e bem equilibrada desde o princípio. Os impulsos são compatíveis uns com os outros, a vontade segue sem dificuldade a orientação do intelecto, as paixões não são expressivas, e suas vidas são pouco assediadas pelos pesares. Outros são constituídos de maneira oposta; e assim o são em graus que podem variar desde alguma coisa tão leve, que resulta numa inconseqüência apenas estranha ou caprichosa, até uma discordância cujas conseqüências podem ser inconvenientes ao extremo”. Desqualifica a explicação que atribui essa circunstância à hereditariedade. Afirma que o fenômeno está ligado à vida do chamado eu subconsciente, sem citar a Freud. Entende, por fim, que “a evolução normal do caráter consiste precisamente no endireitamento e na unificação do eu interior”.
Exemplo clássico de personalidade discordante seria Santo Agostinho, opinião que procura justificar examinando as Confissões. Interessa-lhe especialmente o processo de unificação propiciada pela experiência religiosa, ainda que afirme ser a religião apenas um dos muitos modos de atingir a unidade. “O processo de remediar a discordância interna e de reduzir a discordância interior consiste num processo psicológico geral que pode verificar-se com qualquer material mental”. De todos os modos, sua investigação centra-se no exame das experiências de conversão (“Converter-se, regenerar-se, receber a graça, sentir a religião são outras tantas expressões que denotam o processo, gradual ou repentino”).
Estudos estatísticos de que se louva James sugerem que há muita semelhança – considerados adolescentes da mesma idade, formados em ambientes religiosos, ou pessoas comuns – entre as conversões que se dão de forma normal e evolutiva e aquelas que ocorrem repentinamente. Neste último caso, quando se trata de expressão de santidade, há sinais naturais que irá examinar especificamente. Com exceção dessa última circunstância, conclui, a experiência de conversão não tem por si mesma significação religiosa mas apenas psicológica. Contudo, os aludidos estudos estatísticos comprovam que “as pessoas que passaram pela experiência de conversão, tendo-se decidido, de uma feita, pela vida religiosa, tendem a sentir-se identificadas com ela, por mais que lhes decline o entusiasmo religioso”.
James critica a teologia e não lhe atribui maior valor na medida em que não se detém na experiência e parte de premissas puramente lógicas. Adianta ainda que, se a filosofia dispuser-se a dar alguma contribuição ao esclarecimento do tema deveria conformar-se em ser apenas e sobretudo “ciência das religiões”. Quanto aos estados místicos, conferem autoridade apenas a quem os vivencia e a mais ninguém. De todos os modos, para quem os estude de forma isenta e sem parti pris, minam pela base a autoridade exclusiva da postura racionalista. Sua opinião mais geral encontra-se na citação adiante: “Acredito que as pretensões do cientista sectário são, para dizer o menos, prematuras. As experiências que temos estudado ... mostram francamente que o universo é mais multiforme do que qualquer seita admite, incluindo a científica. No fim de contas, que são todas as nossas confirmações senão experiências que concordam com sistemas mais ou menos isolados de idéias (sistemas conceituais), que nossas mentes construíram. Mas, porque, em nome do bom senso, precisamos presumir que apenas um desses sistemas de idéias há de ser verdadeiro? O resultado óbvio de nossa experiência total é que se pode tratar o mundo de acordo com muitos sistemas de idéias; e que ele é assim tratado por homens diferentes, e dará, cada vez, algum tipo de proveito característico, a quem o trata, ao mesmo tempo que outro tipo de proveito tem de ser omitido ou adiado. A ciência nos dá a todos a telegrafia, a iluminação elétrica e a diagnose, e consegue prevenir e curar algumas moléstias. Na forma da cura psíquica a religião nos dá a muitos de nós serenidade, equilíbrio moral e felicidade; e previne determinadas formas de doenças, como faz a ciência, ou até mais, com certa classe de pessoas. É evidente, portanto, que a ciência e a religião são ambas chaves genuínas destinadas a abrir a casa do tesouro do mundo àquele que for capaz de usar qualquer uma delas praticamente”. (Ver também (A) idéia do sagrado, de Rudolf Otto e (O) sagrado e o profano, deMircea Eliade).