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Suma Teológica foi estruturada tomando por base os grandes temas do cristianismo, recorrendo aos autores que os discutiram, notadamente Santo Agostinho. A grande inspiração é constituída pelas idéias de Aristóteles, filtradas por Alberto Magno. Sua obra fundamental, Suma teológica,  somente é acessível a especialistas, além de que versa quantidade imensa de conceitos e temas, estudados de modo autônomo, sem outro fio condutor além de que dizem respeito á doutrina cristã. Do ponto de vista da cultura geral, contudo, recomendamos o conhecimento do texto que aparece com o título de Tratado do homem (Questão XCIII (93), artigos 1 a 9). O próprio São Tomás enuncia-o deste modo: “devemos considerar o fim ou têrmo da produção do homem, enquanto é tido como feito à imagem e semelhança de Deus.” O encadeamento adotado, isto é, as questões que vai considerar,  é o seguinte: 1) se no homem está a imagem de Deus; 2) se a imagem de Deus está nas criaturas irracionais; 3) se a imagem de Deus está mais no anjo que no homem; 4) se a imagem de Deus está em todo homem; 5) se no homem está a imagem de Deus relativamente à essência ou a todas as Pessoas divinas, ou a uma só delas; 6) se a imagem de Deus está no homem, quanto ás potências, ou quanto aos hábitos, ou aos atos; 8) se relativamente a todos os objetos; 9) a diferença entre imagem e semelhança.

Como se vê, trata-se muito mais de Deus que do próprio homem. Contudo, o Doutor Angélico indica que, ao participar da natureza intelectual, atributo da divindade, reveste-se de certa dignidade. O homem é centro da criação, pelo fato de ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Embora toda criatura seja uma participação de Deus, no entanto somente o homem e os anjos são possuidores de natureza intelectual, que é causada pelo mesmo Deus. Esta dignidade abarca, sem distinção, todos os seres humanos. Ainda mais: graças á sua natureza intelectual, o homem pode humanizar a natureza, mediante o conhecimento dela e colocando-a ao seu serviço. O homem, mediante a sua inteligência, pode compreender o mundo e construir uma ampla gama de relações que integram o que posteriormente foi chamado de cultura. Finalmente, a pessoa, para São Tomás, é imagem da Trindade e reveste-se de um caráter absoluto, na medida em que é capaz de chegar, pela inteligência, ao conhecimento de Deus e, pela graça, à clara visão d´Ele.

Em que pese o contexto teológico em que se encontram as considerações de São Tomás, é fora de dúvida que, ao enfatizar a dignidade da pessoa humana como uma reivindicação do cristianismo, permitiu que o Renascimento se contrapusesse frontalmente ao espírito dominante legado pela Idade Média, sem incorrer em heresia, na medida em que era de todo contraposto a essa idéia ao enfatizar, de modo unilateral e preferentemente,  a vileza da criatura. A par disto, ao situar o tema como relevante no contexto da meditação filosófica contribuiu para mantê-lo na ordem do dia na Filosofia Moderna. O imperativo categórico kantiano – que reivindica para o homem não ser tratado como meio, mas como fim – seria impensável sem tais antecedentes. (Ver também SÃO TOMÁS)