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Adam Smith (1723/1790) tornou-se famoso pelo livro Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações (1776), cuja doutrina foi inicialmente denominada de “livre cambismo” e, posteriormente, deliberalismo econômico. Vigorava o entendimento de que a riqueza das nações provinha do comércio, devendo ser buscados ganhos em metais preciosos, notadamente o ouro. Essa teoria denominava-se “mercantilismo” e exigia uma forte presença do Estado. Smith avançou a hipótese de que os países deveriam tirar vantagem da divisão do trabalho e orientar-se pelo livre comportamento dos mercados. Embora granjeasse crescentes apoio nos meios acadêmicos, a tese de Smith somente começaria a ser experimentada, na Inglaterra, setenta anos depois, na década de quarenta do século XIX. Desde então, com os ajustamentos requeridos pelos avanços registrados no processo produtivo, o liberalismo econômico é a doutrina adotada pelos países capitalistas, onde vigora o que se convencionou chamar de economia de mercado. A contribuição teórica de Smith, entretanto, não se limita a esse aspecto. Coroou o empolgante debate da primeira metade do século em que viveu, relativo à moral social, em que intervieram Bernard Mandeville, Anthony Asley Cooper, Joseph Butler e David Hume. Smith cultivou a amizade de Hume, por quem tinha grande admiração, e sua obra dedicada à moralidade visa justamente aprofundar a compreensão e defender um aspecto essencial da doutrina humeana da moral.

Adam Smith era escocês e tornou-se professor da Universidade de Glasgow em 1751, aos 28 anos de idade. No ano seguinte, obteve a cátedra de filosofia moral. Posteriormente seria reitor  da tradicional Universidade escocesa. Naquela altura a economia ainda não constituía disciplina autônoma, sendo parte integrante do estudo da ética. Tendo presenciado o começo da Revolução Industrial, deu-se conta do significado da divisão do trabalho e os ganhos de produtividade que adviriam dos aperfeiçoamentos que estavam sendo introduzidos no processo produtivo. E ainda que tivesse contribuído para autonomizar o estudo da economia, entendia-a como parte da moral e a este tema dedicou uma obra que se constituiria em ponto de referência: Teoria dos sentimentos morais, aparecida em 1759.

No grande debate que o precedera ficara estabelecido que os princípios morais consagrados resultariam da experiência histórica, segundo o critério geral da eficácia no que respeita aos fins visados, o que Hume denominou de utilidade. Os sentimentos que  teriam orientarado os homens naquele processo foram discriminados: paixões sensíveis particulares (apetite sexual, raiva, inveja, simpatia, etc.); amor próprio, que foi aproximado do egoísmo; benevolência, que corresponde à inclinação direcionada para o social; e a consciência (ou razão), que orienta o cálculo racional. Aceitou-se que as regras estabelecidas vieram a ser consagradas na medida em que atenderam ao princípio da utilidade (eficácia). Restava explicar porque os homens cumprem (ou tendem a cumprir) a lei moral, levando em conta que preservam a liberdade de escolha (livre arbítrio)

Butler indicara expressamente o papel da consciência ao afirmar num dosSermões: “A consciência não só se oferece para mostrar o caminho que devemos seguir, mas da mesma maneira a reveste de sua própria autoridade, que é o nosso guia natural, o guia dado a nós pelo autor de nossa natureza”. O desenvolvimento dessa hipótese não seria devida aos ingleses mas a Immanuel Kant. Deu-se preferência à solução ensejada por Hume, justamente o que Smith irá considerar na Teoria dos sentimentos morais.

Hume entendeu que os homens tendiam a cumprir as regras morais graças ao princípio da simpatia. Esse sentimento instintivo, que nos leva a envergonhar-se quando presenciamos a gafe de uma outra pessoa, induz-nos a preferir a aprovação do meio social em que vivemos, o que não ocorreria se deixássemos de respeitar as regras de conduta aceitas. O Inquérito sobre os princípios da moral é de 1751, ano em que Smith torna-se professor da Universidade. Decidiu-se a publicar o seu tratado, antes do término da década, em decorrência do aparecimento, em 1758, do System of Moral Philosophy, de Francis Hutcheson,  professor renomado de sua Universidade, onde ingressara em 1927, ocupando a cátedra que Smith ascenderia em 1752, em decorrência de sua aposentadoria. O mérito de Hutcheson constitui em haver trazido o debate para a universidade, já que as grandes figuras que o alimentaram não pertenciam à instituição.

Hutcheson tentara dar uma solução original à questão proposta, embora partisse do reconhecimento de que a valoração moral deve encontrar seu fundamento num sentimento peculiar e irredutível. Adotando a distinção que se estabeleceu – no curso da discussão em torno da teoria do conhecimento -- entre qualidades primárias e secundárias dos objetos, isto é, se dependiam ou não da aptidão do órgão sensorial correspondente, aplicou-a aos sentimentos. Assim, uma coisa seria a percepção das ações e, outra, a determinação de suam moralidade ou imoralidade. Smith considerou absurda semelhante associação. A seu ver, equivalia a dizer que o sentido através do qual se percebe o doce ou o amargo seja em si mesmo doce ou amargo.

Se a aprovação e a desaprovação morais fossem emoções originárias, deveriam manifestar-se uniformemente qualquer que fosse a situação, o que não ocorre. A aprovação que possamos exprimir diante de uma ação ditada por um sentimento delicado é completamente distinta se a ação é devida a um caráter audaz e atuante. A proposta de Hutcheson, portanto, não invalida a tipificação dos sentimentos consagrada na obra de Hume. É preciso portanto voltar á distinção entre as paixões sensíveis particulares, o amor próprio (ou self-interest) e a benevolência.

Ao fazê-lo, o principal objetivo de Smith é restaurar o princípio humeano da simpatia, segundo o qual este sentimento particular tem fundamento instintivo. Para comprová-lo, Smith irá avançar a distinção entre simpatia imediata e simpatia mediata. Esta última é que possibilita a valoração de uma ação como benévola, enquanto a primeira é a reação instintiva decorrente da ação em causa.. Por outro lado, não seria ainda a prova da sociabilidade humana.

A simpatia surge de maneira concreta numa circunstância dada. Por esse sentimento participamos de uma situação alheia (nos ruborizamos pela conduta grosseira de certa pessoa). Tal se dá, segundo Smith, por um artifício da imaginação, que nos leva a visualizar a infelicidade que sentiríamos se nos encontrássemos em tal situação.

A simpatia é um processo no qual entram 1º) a representação mental da situação alheia; e, 2º) a atitude emocional e imaginativa que consiste em colocar-se na situação representada. Deste modo, na expressão do autor, a natureza, ensinando ao homem como se colocar na posição dos outros, ensina-o em definitivo a viver socialmente.

A sociedade é condição imprescindível da vida humana, mas é igualmente um fim a realizar que exige um esforço contínuo da parte do homem. Tampouco se realiza automaticamente, nem de maneira total e absoluta, mas de forma tendencial e relativa. A simpatia não é uma identificação total e absoluta na medida em que a razão revela continuamente sua essência imaginativa e a irrealidade das situações que constrói. A razão seria uma espécie de antídoto à sociabilidade absoluta mas, ao mesmo tempo, dá á comunicação social o caráter de um fim e de ume esforço que o homem deve realizar. (Ver também HUME, David)