Nos Sermões sobre a natureza humana (Butler's Fifteen Sermons, edited by T. A. Roberts, London, Society for Promotion Christian Knowledge, 1970, p. 17-39), Butler desenvolve plenamente suas idéias acerca dos elementos presentes à ação do homem. No primeiro, parte da afirmação de que "fomos feitos para a sociedade e para o bem de nossos semelhantes", sem embargo de que "devemos ser zelosos de nossa própria vida, saúde e bens privados". E prossegue: "... existe no homem um princípio natural de benevolência, que em certa medida representa para a sociedade o que o amor-próprio significa para o indivíduo. E se existe na humanidade alguma disposição para a amizade; se existe algo como a compaixão, que é o amor momentâneo; se existe algo como as afeições paternal e filial; se há alguma afeição na natureza humana, cujo objeto e fim seja o bem de outro, isto será a própria benevolência ou o amor do outro".
Em seguida, Butler menciona "apetites, paixões e afeições particulares", a seu ver completamente distintas do amor-próprio e da benevolência que, de igual modo, "têm a tendência a promover o bem público e o privado". Reconhece que costumam ser confundidas e, para distingui-las, sugere que se procure diferenciar as próprias paixões e apetites do esforço para alcançar os meios de sua gratificação.
No homem há ainda um outro princípio, que consiste na capacidade de reflexão para aprovar ou desaprovar suas próprias ações. Assim o conceitua: "Este princípio no homem, pelo qual ele aprova ou desaprova seu coração, temperamento e ações é a consciência, isto no sentido estrito do termo, embora algumas vezes seja usado em sentido mais amplo. E que esta faculdade tende a impedir os homens de fazer o mal aos outros, guiando-os para o bem, é tão manifesto que se torna desnecessário insistir. Assim, o pai tem a afeição do amor por seus filhos; isto leva-o a cuidar deles, educá-los, a fazer provisões para eles; a afeição natural leva-o a isto, mas a reflexão de que isto é uma atitude adequada, de que lhe é próprio, que é correto e recomendável fazê-lo, isto faz com que a afeição se torne um princípio muito mais harmonioso e leva-o a dedicar mais trabalho e a vencer as dificuldades em proveito de seus filhos, do que experimentaria em relação aos filhos a partir apenas da afeição ou se a encarasse ao curso da ação como indiferente ou criminosa. Deveras é impossível fazer o bem e não aprová-lo, razão pela qual freqüentemente não são consideradas distintas estas duas coisas, embora na verdade o sejam; porque os homens muitas vezes aprovam as ações dos outros, que não imitarão, do mesmo modo que farão o que não aprovam. Não poderá ser de forma alguma negado que existe o princípio da reflexão ou da consciência na natureza humana".
Tenha-se presente que, ao destacar esse conjunto de princípios que servem para nortear as ações dos homens, Butler considera que são inferidos diretamente da observação. Encara a humanidade como algo de unitário, enxergando correspondência plena, em todos os homens, tanto no que se refere às sensações internas como no empenho de evitar a desonra e a dor física, do mesmo modo que alcançar a estima e o amor. As pessoas tendem naturalmente umas para as outras e o fato de que possamos observar melhor esse relacionamento em pequenas comunidades não decorre de que esteja presente apenas nelas. As circunstâncias concretas e as divisões artificiais constituem tão somente ocasiões para que se manifeste aquela tendência. A oportunidade para o relacionamento não teria qualquer significado na ausência de uma disposição interior, como também a inexistência da oportunidade seria razão suficiente para o isolamento dos homens, o que não ocorre. Na sua visão, nada demonstra melhor a existência do princípio real da benevolência do que os eventos, pelos quais todos passamos, quando sentimos vergonha pelo outro, percebemos o perigo iminente que pode afetá-lo, comungamos de sua tristeza e assim por diante.
Ainda no Primeiro Sermão, Butler se pergunta de onde provém a prática do mal contra os outros e, adicionalmente, contra si próprio. A seu ver, em que pese a presença do mal no mundo, não existe propriamente amor pela injustiça, a opressão, a traição ou a ingratidão. Ocorre que, na busca de tais ou quais bens exteriores, desejados com ansiedade, o homem perde o senso da medida. Os princípios e paixões, que se distinguem, como vimos, tanto da benevolência como do amor próprio, primeiro e mais diretamente levam ao comportamento adequado em relação aos outros e a si mesmos, e só secundária e acidentalmente para o que é mau. Observa-se que, para escapar da vergonha de um ato vil, os homens sejam às vezes culpados de coisas piores. Contudo, a tendência original da vergonha é prevenir ações vergonhosas e não estimulá-las. Há certamente no mundo pessoas sem afeições naturais por seus semelhantes do mesmo modo que sem afeições naturais e comuns para consigo mesmo. Ainda assim, destaca, "a natureza do homem não é para ser julgada por alguns deles mas pelo que aparece no mundo comum, no conjunto da humanidade".
O Segundo e Terceiro Sermões correspondem a aprofundamento dos temas propostos. Assim, no que se refere à inexistência de maior concordância quanto ao que seja o modelo do interior do homem, parece a Butler que isto ocorre ao tomar-se algo de episódico ou peculiar a determinado temperamento - ou mesmo o simples efeito de certos costumes particulares - como sendo princípios mais altos. Apesar disto, é imprescindível mostrar esses princípios aos homens, a fim de que se tornem capazes de reconhecê-los. Ademais, "as indicadas obrigações de virtudes e dos motivos que forçam a sua prática, decorrentes de um exame da natureza humana, devem ser considerados como um apelo dirigido ao coração e à consciência natural de cada pessoa particular, como os sentidos externos são instados a atestar as coisas por eles cognoscíveis".
Trata também de esclarecer qual possa ser o sentido profundo da indicação de que o homem deve seguir a sua natureza. Mais uma vez ressuscita-se aqui a clássica questão de saber-se se o homem não terá sido feito também para o mal, porquanto o faz seguindo aos seus instintos. Depois de insistir em que se pode falar de natureza em diversos sentidos, estabelece que o princípio da consciência, que declara algumas ações como justas e outras como erradas e injustas, não corresponde a um princípio qualquer, igual aos outros, mas ao princípio supremo, de que fala São Paulo, na Epístola aos Romanos (2.14), daquilo que faz com que o homem, naturalmente, seja uma lei para si mesmo.
Para tornar ainda mais manifesta a superioridade do princípio da consciência, Butler recorre à clássica distinção entre poder e autoridade. A consciência não se destina apenas a "ter certa influência" mas para aprovar ou desaprovar as ações, isto é, para exercitar uma autoridade. Ao que acrescenta: "tivesse ela força, como tem direito; tivesse poder como tem autoridade, e governaria o mundo de modo absoluto".
Da maneira como se expressa, Butler parece ter em vista o que Kant, logo depois, chamará de imperativo categórico. Veja-se, por exemplo, como argumenta no Terceiro Sermão:
"Mas aceitando-se que a humanidade possui o bem dentro de si, podemos nos perguntar: "Quais as obrigações que devemos aceitar e seguir?" Eu respondo: já foi provado que o homem, pela sua natureza, é uma lei para si mesmo, sem as considerações particulares seja das sanções positivas dessa lei seja das recompensas e castigos que pressentimos e tudo aquilo em que a luz da razão nos ajuda a acreditar seja a isto acrescido. Logo, a pergunta tem sua própria resposta. Sua obrigação consiste em obedecer à lei, por ser a lei de sua natureza. Que a sua consciência aceite e aprove tal linha de comportamento é já de si mesmo uma obrigação. A consciência não só se oferece para mostrar-nos o caminho que devemos seguir, mas da mesma maneira a reveste de sua própria autoridade, que é nosso guia natural, o guia dado a nós pelo autor da nossa natureza. Portanto, pertence à nossa condição de ser, é nossa obrigação seguir esse caminho e seguir esse guia, sem olhar ao redor para ver se é possível dele sairmos com impunidade".