A obra em epígrafe, de Martin Heidegger, aparecida na Alemanha, em 1927, é considerada como sendo representativa da filosofia contemporânea, figurando em geral nas seleções dedicadas ao chamado Canon Ocidental. Tratando-se de uma obra muito hermética, a circunstância deve ser atribuída ao grande sucesso alcançado pelo chamado existencialismo francês, neste pós-guerra, transformado num verdadeiro código de comportamento da juventude que se auto-intitulava rebelde. Embora tivesse desautorizado a interpretação de seu pensamento por Sartre – que viria a ser o grande corifeu da mencionada vertente da filosofia existencialista –, Heidegger teve seu nome associado a tal movimento.
Martin Heidegger (1889-1976) nasceu em Messkirch, pequena cidade na zona chamada de “Serra Negra”, na Alemanha e estudou na Universidade de Friburgo, onde concluiu o doutorado (1914). Tornou-se professor titular de filosofia na Universidade de Marburgo (1923) transferindo-se para Friburgo em função equivalente (1928). Em 1933 foi nomeado reitor dessa última Universidade, em decorrência de suas notórias vinculações com o Partido Nazista. Ainda sob esse regime deixou a reitoria mas manteve a sua cátedra. Com a derrota do nazismo e a ocupação aliada, foi afastado da Universidade. Esse afastamento durou até 1952. Embora autorizado a reassumir as suas funções docentes, dedicou-se a esse mister de forma intermitente até o falecimento.
Na fase em que conclui a formação acadêmica e dá início à atividade docente, a filosofia alemã já havia superado a interdição positivista que negava a possibilidade de um tipo de conhecimento diverso daquele exercido pela ciência. Esse feito seria devido àqueles que promoveram o retorno à meditação de Kant, por isto mesmo denominados de neokantianos, tendo a frente Hermann Cohen (1842-1918). No novo clima de liberdade quanto à investigação filosófica, as preferências encaminham-se na direção do estudo da cultura (surgimento da corrente posteriormente denominada deculturalista) e da reelaboração da teoria do conhecimento, com a corrente denominada de fenomenologia. Heidegger pretende inovar conduzindo a meditação no sentido do homem (do existente singular) mas o faz numa linguagem absolutamente hermética, inventando palavras que sequer conseguiu-se verter para algum dos conceitos tradicionais e até mesmo dividindo termos clássicos.
A noção de ser ressuscitada por Heidegger remonta a Aristóteles. Este empreendeu grande esforço sistemático no sentido de impulsionar o exame das questões tendo por meta alcançar o máximo de generalidade. Assim, por exemplo, no tocante às causas dos eventos, Aristóteles está interessado em saber o que se pode dizer das causas em geral. O mundo está povoado de seres. Aristóteles não se detém nessa constatação. Quer saber o que se poderia dizer do ser em geral. Nesse particular, durante a Idade Média a noção de ser foi aproximada do Ser Supremo pela filosofia da época (a Escolástica). Com o empenho da Época Moderna de criticar a filosofia medieval – pela razão de que seus remanescentes católicos recusaram a ciência moderna – e também de evitar discussões que pudessem desembocar na identificação com essa ou aquela derivação religiosa – tendo em vista o fim do monopólio da Igreja Católica e os desdobramentos da Reforma Protestante –, verificou-se grande desinteresse pelo tema. Desaparece virtualmente a parte da filosofia que se ocupava do assunto (ontologia).
No livro Ser e Tempo, Heidegger não se propõe superar a fase de “esquecimento do ser” remontando à tradição aristotélica ou escolástica mas promover a reconstrução desse conceito a partir de uma nova investigação. Deste modo, abandona a ontologia (o ser em geral) para ocupar-se do que denomina de ôntico (os entes). Parte da categoria de Dasein (que nunca se conseguiu traduzir direito significando ora existência, ora realidade humana ora “o estar”) que, de alguma forma, seria uma estrutura genérica mas que não pode ser postulada, devendo ser reconstruída através de minuciosa análise do ser-aí e do ser-no-mundo. Essa análise estaria contida no (primeiro) livro em apreço e deveria ser continuada no segundo, então anunciado, mas que nunca chegou a ser elaborado.
Além das novas formas de apresentar o problema, Heidegger ocupou-se sobretudo de dividir conceitos consagrados. Assim, ao invés de dizer claramente o que seria existência tece intermináveis considerações sobre ex-istência. O mesmo no tocante a presença que se torna pre-sença. Tudo isto fomentou o aparecimento de variadas interpretações. Achando-se em moda, no início do pós-guerra, o chamado “existencialismo”, sobretudo na França – corrente que postulava a gratuidade da existência, achando-se francamente associado à tragédia a que correspondeu a Segunda Guerra, tanto que desapareceu – seus porta-vozes, sobretudo Sartre, tentaram identificar a filosofia de Heidegger com a espécie de humanismo por eles preconizada, o que Heidegger recusou franca e ruidosamente.
Ortega y Gasset indicou que “a clareza é a gentileza do filósofo”. Em contrapartida, alguns filósofos alemães parecem supor que a possibilidade de alcançar notoriedade acha-se diretamente relacionada à capacidade de expressar o próprio pensamento da forma a mais hermética possível. No caso particular de Heidegger, em que pese o seu hermetismo, o empenho de conduzir a investigação no sentido do existente singular estimulou diversos autores que, a partir de suas indicações, souberam enriquecer o entendimento da pessoa humana. Graças sobretudo a isto, assegurou a sua presença na filosofia contemporânea, o que por si só não explica seja considerado autor representativo da cultura universal, que o estudo das chamadas humanidades busca preservar. (Ver também SARTRE, Jean-Paul).