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Giambatista Vico (1668-1744) viveu em Nápoles, na Itália, tendo exercido o magistério. Entre outras coisas, ensinou direito na Universidade e foi designado cronista oficial do principado, prática que se tornara freqüente nas cortes européias mais ilustradas. Graças a isso, tinha familiaridade com os problemas de ordem historiográfica e se dera conta de que o método cartesiano, tão prestigiado na época, se podia ser útil na ordenação do novo tipo de saber que se vinha estruturando em relação à natureza, pouco tinha a dizer quando se tratava da história. Entre seus escritos históricos deixou-nosA sabedoria primitiva dos italianos. O texto básico em que procura dar conta da singularidade do conhecimento histórico intitulou-o Princípios de uma ciência nova acerca da natureza comum das nações (1725; 2ª edição reelaborada, 1730). Na medida que o tema por ele estudado chega a ocupar uma posição central na meditação filosófica, suas descobertas foram extremamente valorizadas. Contudo, não chega a desprender-se da suposição de que haveria um destino de certa forma pré-estabelecido, que poderia ser entrevisto no exame concreto da história. Assim, escreve nos Princípios de uma Ciência Nova que seu objetivo primordial consiste em estabelecer “uma história ideal eterna, descrita segundo a idéia da Providência, segundo a qual decorrem nos tempos todas as histórias particulares das nações em suas aparições, progressos, estados, decadências e fins”.

Vico acreditava que o homem só pode conhecer verdadeiramente aquilo de que foi o criador. O conhecimento verdadeiro da natureza somente seria acessível a Deus. Assim, a história estaria especialmente apta a ser objeto do conhecimento humano. Além dessa tese geral, Vico estabeleceu a temática de que deve ocupar-se a história: a gênese e o desenvolvimento das sociedades humanas e das suas instituições.

Vico aventou também a hipótese de que a história revela a existência de períodos históricos com relativa unidade, podendo ser identificados os traços gerais de cada ciclo para confronto entre si. Sendo uma pessoa interessada na história propriamente dita e não apenas na sua conceituação teórica, formulou exemplos concretos das conseqüências práticas de semelhante entendimento. Segundo supõe, haveria nitidamente períodos heróicos, com traços comuns, parecendo-lhe que corresponderiam a essa categoria o período homérico da história grega e a Idade Média européia. Ambos disporiam de uma aristocracia guerreira que constitui os governos. A identidade estende-se ainda à economia agrícola, ao tipo de literatura e também à moral fundada no princípio da coragem e da lealdade pessoais. De modo que esse tipo de confronto poderia levar a uma compreensão aprofundada de determinado período com base em aspectos melhor explicitados naquele com o qual se identifica pelos traços gerais.

Essa idéia de Vico correspondeu a uma notável contribuição no sentido de destacar aqueles elementos que são efetivamente definidores no evolver da sociedade humana. A historiografia pôde progredir justamente a partir de hipóteses gerais relativas à unidade dos ciclos históricos, sem o que a pesquisa dos elementos constitutivos isolados não teria avançado nem acumulado material suficiente para introduzir ajustamentos e retificações na hipótese geral.

Deslumbrado talvez com o vigor da sua descoberta, Vico cometeu em seguida um grave equívoco ao supor que os ciclos históricos estariam ordenados de forma a alternar-se indefinidamente. Deste modo, aos períodos heróicos seguir-se-iam épocas clássicas, que findariam por degenerar na direção de um novo barbarismo. Na síntese de Colingwood, assim se compreenderia semelhante esquema: “Por vezes, Vico apresenta o seu ciclo do seguinte modo: primeiramente, o princípio orientador da história é a força bruta; depois, a força corajosa ou heróica; a seguir, a justiça corajosa; depois, a originalidade brilhante; seguidamente, a reflexão construtiva; e finalmente uma espécie de opulência esbanjadora e ruinosa, que destrói o que foi anteriormente constituído. No entanto, Vico tem plena consciência de que um tal esquema é demasiado rígido para não admitir inúmeras exceções”. (A idéia de história. Tradução portuguesa. Lisboa: Presença, 1972, p. 92). De todas as formas, a historiografia renunciou à busca dessa espécie de regularidade, embora retivesse a noção de períodos ou ciclos históricos, capaz de permitir a adequada compreensão de eventos isolados.

Inspirados nos “ídolos” enumerados no Novum Organum (1620) de Francis Bacon (1561-1626), isto é, nos preconceitos capazes de distorcer a investigação, Vico deixou estas advertências ao historiador: 1º) evitar a tendência a exaltar ciclos passados para contrapô-los ao presente ou deslumbrar-se com as épocas a que tenha dado preferência em seus estudos; 2º) no estudo da história pátria não esconder os fatos desabonadores que possibilitem uma avaliação adequada, embora nem sempre favorável; 3º) não deixar que estimativa exagerada quanto à própria erudição – ou em relação ao papel dos eruditos em geral – leve-o a privilegiar o desempenho das pessoas cultas no período histórico estudado, desde que as evidências sugerem não haver maior correlação entre grau de saber e atuação destacada na história; 4º) não se preocupar com a paternidade e a originalidade de idéias e instituições porquanto, além de que podem surgir em diferentes pontos e sem conhecimento mútuo, é importante o desenvolvimento criativo que uma nação haja conseguido alcançar em relação ao impulso inicial recebido de uma outra; e 5º) não há nenhuma comprovação de que a opinião contemporânea ou mais próxima dela, que se haja transmitido por tradição, seja inquestionavelmente correta, devendo ser considerada como passível de revisão e reconstituição.

De igual modo, Vico procurou sistematizar a própria experiência chamando a atenção do estudioso para alguns aspectos da vida social por vezes descurados. Dessa maneira, indicou que o desenvolvimento da acepção de certas palavras pode fornecer pistas esclarecedoras. Ou então que relatos mitológicos ou de remotas tradições religiosas facultariam preciosas indicações quanto aos povos que as tenham criado.

Na avaliação do significado permanente de algumas das contribuições historiográficas de Vico, cumpre ter presente que apenas em nosso tempo conseguimos lograr uma compreensão abrangente dos principais ciclos da história do Ocidente. Somente muito recentemente adquiriu-se uma visão adequada do processo de constituição do feudalismo europeu e da novidade que representou, do mesmo modo que na fixação dos contornos nítidos do Renascimento e da forma pela qual distingue-se da Reforma, de sorte que o mérito de Vico deve ser buscado na idéia mesma de ciclo histórico e não no conteúdo que procurou atribuir àqueles dos quais se aproximou.

A obra de Vico não teve repercussão imediata em seu meio, merecendo uma espécie de redescoberta no momento destacado da historiografia a que correspondem os primórdios do romantismo alemão.