John Milton é considerado como um dos maiores escritores ingleses, sendo geralmente colocado ao lado de Shakespeare. Nasceu em 1608, oito anos antes da morte deste último, ocorrida em 1616. Revelou-se muito precoce. Em 1634, aos 26 anos, já era poeta conhecido e tinha uma de suas peças encenada. Logo depois, em 1638, empreende uma prolongada viagem à Europa. Regressa à sua pátria em decorrência da guerra civil que se inicia na década de quarenta, engaja-se do lado contrário à monarquia e acaba por integrar o governo de Cromwell, do qual viria a ser uma espécie de porta-voz. Milton era um fervoroso puritano. Não obstante a política, continuou dedicando-se à literatura e, em 1645, aparece a primeira coletânea de seus poemas. Nesse mesmo período perdia progressivamente a visão.Em fevereiro de 1652 estava totalmente cego.
Com a morte de Cromwell e a ausência de uma solução constitucional satisfatória para substituir a monarquia, tem lugar a sua restauração (1660). Já no ano anterior, os partidários de Cromwell passam a ser perseguidos. A obra de Milton é incinerada publicamente e seu autor preso. Tratando-se de intelectual de renome, considerado como o maior escritor da época e, além do mais, cego, a prisão acabou durando somente dois meses.
Milton morreu em 1674, aos 66 anos. Nos últimos vinte anos de vida, completamente cego, infeliz no casamento, desentendo-se com as filhas, desde 1660 vivendo num ambiente político de enorme hostilidade, nesse contexto de todo desfavorável, produziu o texto festejado como o maior poema épico da língua inglesa: O Paraíso Perdido. Publicou-o em 1667. E, antes de falecer, ainda escreveu outra obra prima, Agonia de Sansão.
O Paraíso Perdido compõe-se de 22 longos cantos, obedecendo a rigorosa simetria. A perdição de Adão no paraíso é precedida dos cantos dedicados à revolta dos anjos liderados por Satanás, e aos combates monumentais que têm lugar entre legiões celestes, comandadas pelo filho de Deus, e as satânicas, afinal derrotadas. Deus prevê então que Satanás há de perverter o gênero humano. Criado livre e podendo resistir-lhe, não o fará. Antecipando-se, Deus declara sua disposição de conceder-lhe a graça, atendendo a que não caiu por malícia própria, como sucedeu a Satã, mas seduzido por este. Porém sofrerá o castigo da mortalidade, do mesmo modo que a descendência.
Enviado por Deus, Rafael desce ao paraíso para prevenir Adão e relata-lhe, pormenorizadamente, a história da criação do mundo. De como foi-lhe dada a companhia de Eva. Enfim, deixa-os sós.
Ainda que antes de comer o fruto proibido o encantamento de Adão por Eva seja sobretudo espiritual, Milton faz com que apreça aos seus olhos como uma criatura monumental, exaltação que não exclui “o corpo que Deus fez tão belo”. O desfecho ocorrerá no Canto IX.
A versão que Milton elaborou da queda de Adão e sua expulsão do paraíso até hoje provoca muita celeuma. Certamente não há de causar espanto que o texto pareça obviamente herético a quem leia o seu poema em busca de uma fiel interpretação da Bíblia. Harold Bloom observa que não se preocupou em apresentar Satanás como figura execrável (antes de ser a Má Nova, escreve, “devemos considera-lo como uma espécie de Tio Satã”), Enquanto a “Boa Nova, Jesus Cristo, é transformado em um Rommel, ou um Patton, no comando de um ataque blindado, a bordo da Merkabah, ou Carruagem da Divindade Paterna (em cuja honra os israelenses batizaram o seu principal tanque de guerra), veículo que cospe fogo e cuja função é expulsar Satã e suas hostes do Paraíso”. E, ainda mais: “Não seria exagero afirmar que o gênio de Milton é essencialmente erótico;Milton não consegue descrever Eva sem desejá-la, e nenhum outro poeta mostra-se tão fascinado pela idéia de brincar com os cabelos emaranhados de uma linda mulher. Nossa mãe Eva é uma beldade, e o pobre Satanás sofre a agonia voluptuosa de um voyer.”
O sucesso de O Paraíso Perdido não se deve entretanto á fidelidade ou infidelidade com que aborda o texto bíblico mas á força e à densidade do poema. Tratando-se de uma história conhecida, o leitor prende-se ao relato não pela novidade mas pelo encanto. Às dificuldades inerentes a toda tradução, acresce no caso o fato de consistir num longo poema épico. Considera-se que haja conseguido fazê-lo com sucesso, ao vertê-lo ao português, Antonio José de Lima Leitão. Impresso pela primeira vez em 1840, em Lisboa, é o texto adotado nas sucessivas edições da Itatiaia.
Com a execução de Cromwell foi abolida a monarquia sendo o poder entregue ao Parlamento. O novo regime denominou-se de Commonwealth, que muitos designam como República. Mas, de fato, só muito mais tarde – a rigor desde a Revolução Americana – a República seria entendida como sistema oposto à monarquia. Cromwell governou sem o Parlamento, constituindo seu governo, na prática, uma ditadura. Não conseguiu que o filho o substituísse, o que talvez viesse a permitir o surgimento de nova Casa Reinante.