O mal estar na civilização, publicado por Sigmund Freud em 1930, é parte do conjunto de textos em que procura aplicar a psicanálise à sociedade, a começar do livro Além do princípio do prazer (1920). Freud impressionou-se vivamente com a matança provocada pela Primeira Guerra Mundial. Pareceu-lhe que deveria haver, na pessoa humana, algo que se contrapusesse ao Eros, que era na sua doutrina o princípio da sobrevivência. Designou-o como Tanatus, termo grego, a exemplo do precedente, que seria “o princípio da morte”.
Depois de passar em revista algumas questões que considera nucleares em sua doutrina, escreve, no capítulo V, o seguinte: “O trabalho psicanalítico nos mostrou que as frustrações da vida sexual são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas como neuróticas não podem tolerar. O neurótico cria em seus sintomas satisfações substitutivas para si, e estas ou lhe causam sofrimentos em si próprias, ou se lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos com o meio circundante e a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o primeiro nos apresenta um novo problema. A civilização, porém, exige outros sacrifícios, além da satisfação sexual”. (Ed. da Imago, 1977, p. 63).
Freud detém-se no exame do princípio cristão do amor do próximo. Escreve: “Meu amor para mim é algo de valioso, que eu não devo jogar fora sem reflexão”. Por isto não seria razoável admitir que deva aplicar-se universalmente sem restrição. Na verdade, os estranhos estão mais próximos de merecer hostilidade que manifestações de boa vontade. Não vê também como possa ser aplicada a máxima de que cabe amar aos inimigos. Sua conclusão é implacável: “... os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. – Homo homini lupus”. (p. 67)
O grande biógrafo de Freud, Ernest Jones (1879-1959) – que foi também o principal artífice da difusão da psicanálise do mundo anglo-saxão – desaprovava as incursões de Freud na vida social, temeroso de que enfraquecesse o reconhecimento da doutrina como terapia médica. Vida e obra de Freud (aparecida originalmente em três volumes, entre 1953 e 1957) mereceu também uma edição resumida, num único volume, de que há tradução brasileira. (Ver também FREUD, Sigmund).