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De modo extremamente perspicaz, Max Weber destacou o fenômeno do profetismo no seio do judaísmo antigo, para fazê-lo sobressair e avaliar seu significado no curso ulterior da história do Ocidente.

Com efeito, o profetismo ocorre tardiamente no antigo Estado Judeu, alguns séculos depois da consolidação e do apogeu do Estado monárquico unificado.

Em seguida à morte de Salomão (937 a.C.) e à divisão do Estado Judeu nos reinos de Judá (Norte e Centro) e Israel, na parcela restante, onde estava compreendida Jerusalém, notadamente o reino de Judá começa a sofrer a influência de outros cultos, verificando-se o arrefecimento da religião judaica. É expressivo desse estado de coisas o fato de que Amós, no reinado de Jerobão II em Judá (aproximadamente de 783 a 743 a.C.) se haja deslocado de Israel para pregar em Judá contra o santuário real. No mesmo ciclo, aparece o primeiro dos grandes profetas, Isaias.

A pregação dos profetas consiste no anúncio de calamidades terríveis, provocadas por Javé e em revide à dissolução dos costumes e abandono da religião tradicional.

Do ponto de vista histórico, antecede o grande período de declínio do povo judeu, submetido a sucessivas dominações estrangeiras, ao cativeiro no país dominador e, finalmente, a diáspora. Em todo o declínio e quanto maiores as dificuldades, mais firmes e decidida se faz a pregação profética.

É bastante conhecida a correlação que Weber estabeleceu entre o puritanismo e o surgimento do capitalismo. A empresa capitalista não teria sido possível se não tivesse havido a mudança radical que a Reforma Protestante promoveu na atitude diante do trabalho e sobretudo que trouxe a ação racional projetada e ordenada. Mas essa valorização do elemento racional, nas pesquisas empreendidas por Weber, tem um antecedente religioso notável no profetismo antigo. Eis como apresenta a questão do texto que dedicou ao assunto e que seria publicado com a denominação de Judaísmo Antigo:

“A conduta ritualmente correta, isto é, a conduta que se conformava aos padrões da casta, acarretava para as castas párias da Índia o prêmio da ascensão por meio do renascimento em um mundo estruturado em castas e tido como eterno é imutável.

Para os Judeus, a promessa religiosa era exatamente o oposto. A ordem social vigente no mundo era vista como algo que se tornara o oposto do que fora prometido para o futuro, mas no futuro, ela seria transformada de modo que a comunidade judaica poderia novamente tornar-se dominante. O mundo não era concebido nem como eterno nem como imutável, mas sim como algo que foi criado. Suas estruturas vigentes eram um produto das atividades do homem, e sobretudo das dos judeus, e da reação de Deus com relação a elas. Por conseguinte, o mundo era um produto histórico destinado a dar novamente lugar à ordem verdadeira ordenada por Deus. Toda a atitude com relação à vida da comunidade judaica antiga era determinada por esta concepção de uma revolução política e social futura, guiada por Deus.

Existia, além disso, uma ética religiosa altamente racional da conduta social; ela estava livre da magia e de todas as formas de busca irracional da salvação; do ponto de vista de sua orientação interior, havia uma distância enorme entre ela e os caminhos de salvação oferecidos pelas religiões asiáticas. Em grande parte, esta ética está ainda subjacente em países da Europa e do Oriente Médio. O interesse histórico mundial pelos judeus está baseado nesse fato.

Assim, ao considerar as condições judaicas, vemo-nos em um ponto de inflexão de todo o desenvolvimento cultural do Ocidente e do Oriente Médio”.  (Ancien Judaism. The Free Press, 1952).

Comentando o texto weberiano escreve o seu biógrafo Reinhard Bendix:

“Os problemas centrais da profecia eram colocadas pelos eventos políticos da época. O pânico, o ódio, a sede de vingança, o medo da guerra, da morte, da devastação, o tema das alianças internacionais, isto tudo vinha à tona na questão das razões da ira divina e dos meios de conseguir o seu favor. Os profetas respondiam que o infortúnio era resultado da vontade de Deus. Tal resposta não era, de modo algum, evidente por si só. Teria sido psicologicamente fácil e também mais conforme à opinião popular supor que as deidades estrangeiras fossem naquele momento mais fortes que Javé ou que este não se importasse em ajudar a seu povo. Mas os profetas rejeitavam tais interpretações. Se ocorriam calamidades, Deus as desejara, uma vez que ele fazia todas as coisas ... Haverá males em uma cidade que Deus não os tenha produzido?  Mas Javé era também o Deus que estabelecera um pacto especial com Israel: “Dentre todas as linhagens da terra só a vós reconheci; portanto eu os punirei por todas as vossas iniquidades”. As iniquidades aqui referidas eram predominantemente violações das instituições da confederação que gozavam da proteção de Javé: a opressão dos pobres, a adoração de ídolos, a negligência com o ritual, a perversão ou a repressão à profecia. As exigências de caridade e de pureza religiosa não eram exclusivas de Israel. Mas, em Israel, eles eram impostas ao povo como um todo, e não aos governantes, porque, à luz do pacto, todo o povo era solidariamente responsável pelos atos de cada um”. (Max Weber, um perfil intelectual (1960), trad. espanhola, Buenos Aires, Amorrortu, 1970).

Assim, no entendimento de Weber o profetismo marca um primeiro momento de afirmação da liberdade humana e de sua capacidade de ação racional, justamente o que situa como característica distintiva do Ocidente.

Sociologia da Religião de Weber foi publicada, em forma de livro, em 1920. Na tradução, desmembrou-se em volumes separados. Além dos que foi dedicado à ética protestante e o espírito do capitalismo, o exame do confucionismo e do taoísmo – em inglês com o título de The Religion of China (Glencoe, The Free Press, 1951); sobre o hinduísmo e budismo – publicados pela mesma editora, em 1958, com o título de The Religion of India: Sociology of Hinduism and Budism – e ainda do judaísmo antigo (Ancien Judaism, Gleoncoe, The Free Press, 1952). (Ver também WEBER, Max).