Edmund Husserl (1859/1938) nasceu na Moravia e estudou matemática em Viena. Sofreu marcante influência de Franz Brentano (1883/1917), grande estudioso de Aristóteles e da Escolástica, empenhado na recuperação da perspectiva transcendente. Husserl iria tentá-lo buscando um caminho próprio. Depois de ensinar em diversas Universidades, fixou-se na de Friburgo, Alemanha, em 1916, cátedra a partir da qual conseguiu irradiar sua proposta filosófica que passaria à história com o nome defenomenologia.
Costuma-se dividir a evolução de Husserl em fases, decorrentes sobretudo da mudança de propósito. Inicialmente, buscava apenas encontrar fundamentos filosóficos para a matemática, o que acabaria levando-o a criticar a psicologia empírica e a buscar uma espécie de “psicologia pura”. Mais tarde, tratou de conceber um sistema filosófico que teria por objeto a investigação do que chamou de “terceiro reino”, o das essências (o primeiro seria constituído pelos fenômenos naturais e o segundo pelos psíquicos), projeto que muito justamente foi aproximado do platonismo.
Todo o empenho de Husserl irá dirigir-se no sentido de eliminar a interdição que Kant estabelecera em relação à intuição intelectual. Como se sabe, para o filósofo de Koenigsberg, a única intuição possível era a sensível, assegurada pelo espaço e pelo tempo, que entendia como formas “a priori’ da sensibilidade, isto é, livres construções do espírito, que não proviriam da experiência. Aquela interdição destinava-se a invalidar o estabelecimento de cadeias sucessivas, a partir de fato observado, que levasse questões que, a seu ver, não poderiam ser decididas racionalmente, a exemplo da existência de Deus ou a sobrevivência da alma.
Husserl tentou primeiro uma lógica pura, a seguir uma fenomenologia descritiva e, finalmente, a fenomenologia pura. A consciência é intencional, está “voltada para”. O fenômeno de que se ocupa corresponde a uma vivência subjetiva. Para alcançar a pureza requerida, o mundo em seu conjunto deve ser colocado entre parêntesis (o que foi chamado pelos opositores de “artifício tipográfico”). Para tipificar essa investigação, ressuscitou várias categorias gregas presentes á Escolástica, mas abandonadas pela Filosofia Moderna (epoquê, noema, etc.) Seu propósito consistia também em elaborar ontologias regionais, que seriam o elemento ordenador das diversas esferas do real, a partir da identificação das essências (categorias essenciais). O certo, entretanto, é que não conseguiu a pretensão de criar uma nova e sólida base para a perspectiva transcendente.
Husserl foi um trabalhador incansável. Depois de sua morte, temerosos da sobrevivência do seu acervo sob o nazismo, alguns discípulos conseguiram retirá-lo da Alemanha e levá-lo para Louvaina, Bélgica, onde se criou o Arquivo Husserl, responsável pela edição de sua monumental obra. O que publicou em vida, contudo, permite perfeitamente compreender o sentido de sua demarche, notadamente Investigações lógicas (1900-1901; 2ª edição, 1913) e Idéias relativas a uma fenomenologia pura (1913), habitualmente citada como Idéas-I, visto ter sido continuada pelos discípulos com base nos textos preservados no Arquivo mencionado.(Ver também KANT, Immanuel; Ser e Tempo, de Martin Heidegger)
Perspectiva filosófica corresponde ao ponto de vista último a partir do qual o pensador situa-se diante da realidade. Para a perspectiva transcendente, esta última não se sustenta por si mesma, requerendo suporte externo, que, para a Escolástica, seria diretamente Deus. A Filosofia Moderna recusou essa perspectiva, buscando ater-se aos limites da experiência humana.