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David Hume inclui-se entre os grandes filósofos da Época Moderna, sendo certamente o maior deles depois de Kant. Seu  feito consistiu em haver descoberto – e dessa descoberta ter sabido tirar todas as conseqüências – que o discurso (os enunciados teóricos, a reflexão, as elaborações do pensamento, enfim) distinguem-se totalmente do real, do mundo circundante, das coisas. Em relação a estas o que podemos fazer é construir modelos, cuja possibilidade de relacionamento com o real supunha ser do tipo probabilístico. Por isto mesmo encontra-se muito à frente da ciência de seu tempo, que acreditava numa causalidade determinística.

David Hume nasceu na Escócia, em Edimburgo, em 1711. Desde muito jovem, depois de abandonar a universidade, com 15 anos de idade, teve uma vida muito atribulada. Viveu na França e estudou com os jesuítas no famoso Colégio de La Fléche. Antes de completar 30 anos já havia concebido um conjunto de proposições filosóficas que de fato coroavam o pensamento moderno em uma de suas dimensões fundamentais. Ordenou-as num texto denominado Tratado da Natureza Humana, que aparecem em 1739. A obra não teve qualquer repercussão e foi solenemente ignorada, salvo pelo círculo restrito dos seus amigos, entre os quais encontrava-se Adam Smith.

Tratado da Natureza Humana compunha-se de três partes, sendo a primeira dedicada ao entendimento humano; a segunda às paixões e, a terceira, à moral. Diante do insucesso da obra, Hume decidiu-se por abordar aqueles temas de modo autônomo.

Assim, em 1848, reviu e editou a parte concernente ao entendimento humano, denominando-o de “ensaios filosóficos”. Em 1751 deu-lhe outra feição e título, pela qual se consagrou e tornou-se conhecido: Inquérito sobre o entendimento humano. Supõe-se que seja esse o texto que chegou ao conhecimento de Kant, até então influenciado por Leibniz e sua suposição de que o real poderia ser deduzido de alguns princípios gerais, sem dar-se conta da distinção fundamental existente entre o tipo de dedução que se realiza na matemática e na lógica, de um modo geral, e a forma especial de que se revestem as relações entre fatos. A advertência de Hume acabaria correspondendo a uma contribuição essencial na constituição da chamada perspectiva transcendental, que é o novo ponto de vista último da filosofia, surgido com a Época Moderna, e cuja formulação seria devida a Kant. Este reconheceria o papel de Hume, ao prestar-lhe o maior elogio que, do seu ponto de vista, poderia tributar a qualquer filósofo, indicando expressamente que o “despertara do sono dogmático” isto é, da crença na filosofia leibniziana.

Também a terceira parte do Tratado seria publicada autonomamente, com o título de Inquérito sobre os princípios da moral, no mesmo ano de 1751. Este livro coroa o debate acerca dos fundamentos da moral social, verificado na Inglaterra ao longo da primeira metade do século XVIII, em que intervieram notáveis pensadores, como Bernard Mandeville, Anthony Ashley Cooper e Joseph Butler, entre outros.

Dos 30 aos 65 anos, quando falece, em 1776, a vida de Hume não se tornou menos agitada. Entre outras coisas foi secretário de uma expedição militar contra a França, totalmente malograda. Durante muitos anos incursionaria nos meios militares e diplomáticos, sem entretanto conseguir uma carreira estável. No curto período em que ocupa um emprego seguro, na Biblioteca dos Advogados de Edimburgo, na década de cinqüenta, aceita a incumbência de escrever uma História da Inglaterra. Contudo, não morreria sem que seus contemporâneos chegassem a reconhecer o valor de sua obra. Além do tributo que Kant lhe prestou, antes referido, Adam Smith, ao editar o manuscrito autobiográfico que havia deixado, teria oportunidade de indicar que se tratava do maior pensador de seu tempo. Foram editados postumamente os Diálogos sobre a religião natural, texto que ficara inédito. Também os seus escritos políticos vieram a ser reunidos em livro.

A obra completa de David Hume, incluindo a correspondência, mereceu sucessivas edições. Seu pensamento tem sido objeto de numerosos e valiosos estudos. (Ver também Inquérito sobre o entendimento humano eInvestigação sobre os princípios da moral).