A compreensão da natureza real do conhecimento científico tornou-se uma questão complexa na cultura luso-brasileira, devido à presença do denominado cientificismo. Por isto, parece essencial ter presente que a ciência moderna não se propõe substituir a religião ou a filosofia nem pode facultar as bases para a formulação de um código moral substitutivo daquele que tem presidido a evolução da cultura ocidental; bem como o entendimento de que, ao falar-se de ciência política, quer-se designar uma disciplina capaz de aplicar os recursos científicos ao estudo do fenômeno político, ao invés da suposição de que se trataria da possibilidade de um “governo científico”.
Na aquisição dessa adequada compreensão, alguns aspectos adquirem maior relevância. Entre estes, o fato de que a ciência não se constitui de algo pronto e concluso, ao mesmo tempo em que o seu programa de trabalho e desenvolvimento futuro é fixado em comunidades restritas. Os vários segmentos da ciência, notadamente no que se refere às chamadas ciências exatas, encontram-se rigorosamente formalizados. A investigação a ser empreendida é formulada através de hipóteses, cuja elaboração requer conhecimentos específicos profundos.
Para alcançar uma visão abrangente dos procedimentos científicos, pode-se estudar com proveito o livro de Leônidas Hegenberg Explicações científicas, sucessivamente reeditado.
Leônidas Hegenberg (nascido em 1925) pertenceu ao Corpo Docente do Instituto Tecnológico de Aeronáutica onde criou uma publicação destinada à difusão da contemporânea filosofia das ciências. Além disto, incumbiu-se da tradução dos autores mais destacados, colocando ao alcance dos interessados textos até então desconhecidos no país. Resenhou também grande volume de títulos. Sua obra teórica é das mais representativas, dedicada integralmente à filosofia da ciência e à lógica moderna.
Explicações científicas conceitua a ciência com base em algumas teses que resumiremos. A primeira delas consiste na afirmativa de que corresponde a uma crítica ao denominado bom senso. As pessoas vivem em comunidades onde as coisas que os cercam têm nomes e acham-se instruídas pelo que chama de “sentenças declaratórias”, isto é, a interpretação das circunstâncias em que vivemos. São transmitidas de geração em geração pelas tradições orais, pelas salas de aula, pelos livros e formam uma intrincada rede à qual nos habituamos, tendo ou não clara consciência disto.
Um traço notável de boa porção das informações adquiridas por meio da experiência ordinária é o de que – ainda quando a informação, dentro de certos limites, se torna razoavelmente precisa – elas raramente se fazem acompanhar de explanações que esclareçam porque os fatos são como se diz que sejam. Acresce que o bom senso, se chega a apresentar explanações, fornece-as, na maioria das vezes, sem indicação dos testes críticos que salientam a relevância da explanação para aquilo que se tem em vista explicar. É justamente o desejo de obter explicações a um tempo sistemáticas e controláveis, pela evidência factual, que gera a ciência. Constitui um de seus alvos, a organização e classificação dos fenômenos, com base em princípios explanatórios, em tessituras cada vez mais densas e abrangendo número crescente de acontecimentos.
Ao mesmo tempo, a pesquisa científica não se realiza num vácuo intelectual. Muito ao contrário. Quando se observa ou se experimenta, quando se investiga há uma idéia básica a nortear os passos da pesquisa. É justamente o que se denomina de hipótese. Além disto, de tempos em tempos surge a necessidade de confrontar uma hipótese com outras anteriormente aceitas. Esse trabalho é governado por um tipo especial de atitude, a atitude científica.
A hipótese deve atender a requisitos mínimos. Deve ser adequada, isto é, estar de acordo com as evidências recolhidas; ser passível de submeter-se a testes e, ainda, consistente, vale dizer, compatível com outras hipóteses que não se deseja de pronto abandonar.
Finalmente, a ciência não procura resultados definitivos. As afirmações irrefutáveis não fazem parte da ciência, mas dos mitos. Este é o princípio capital da refutabilidade. A ciência enfrenta o risco de ver abandonadas as soluções que propõe. O progresso da ciência deve-se, em grande parte, ao fato de que propõe soluções específicas para questões específicas, submetendo-as, sem cessar, ao crivo da crítica. A crítica gera o progresso. A “verdade imbatível” gera estagnação.