Trata-se de obra em que o autor sistematiza as suas opiniões – e em geral do chamado utilitarismo – sobre aquela forma de governo. Antes de fazê-lo, procura responder a esta pergunta: “até que ponto as formas de governo são uma questão de escolha?” Sustenta a tese geral de que as convicções morais prevalecem sobre os interesses materiais. Exemplifica com a abolição da escravatura no Império britânico e em outros lugares. E acrescenta: “Os servos na Rússia devem sua emancipação, senão a um sentimento de dever, pelo menos ao crescimento de uma opinião mais esclarecida com respeito ao verdadeiro interesse do Estado”. Assim, embora haja circunstâncias que possam obstar a escolha da melhor forma de governo (lembra que foram necessários vários séculos para que os bárbaros invasores do império romano passassem a obedecer aos seus próprios chefes fora do serviço militar), o decisivo é que a opinião se incline naquela direção. Escreve textualmente: “Quando, portanto, a maioria das pessoas instruídas puder ser levada a reconhecer como salutar uma medida social ou uma instituição política, e uma outra como prejudicial; uma como desejável, outra como condenável; muito terá sido feito para proporcionar a uma, e negar à outra, a preponderância da força social que a faz viver. E a máxima de que o governo de um país é aquilo que as forças sociais o obrigam a ser é verdadeira apenas enquanto favorecem, ao invés de desencorajar, a tentativa de exercer, entre outras formas de governo praticáveis na condição existente da sociedade, uma escolha racional”.
Mill afirma taxativamente que a forma ideal de governo é o sistema representativo. Para comprová-lo trata das funções inerentes aos corpos representativos e dos riscos que podem afetar o seu funcionamento.
No governo representativo, o povo inteiro, ou parte dele, exerce o poder de controle supremo através de deputados por ele eleitos periodicamente. Embora tenha restrições ao sistema inglês, no tocante à representatividade, indica que, se bem a Constituição não o afirme, no que se refere ao exercício daquele poder supremo na prática os deputados o exercem. Dada a investidura de que dispõem cada um dos três poderes, se os usassem de fato impediriam o funcionamento uns dos outros. Tal não se dá, escreve, graças às máximas não escritas.
Para julgar os riscos inerentes a qualquer regime, o governo deve dispor de suficiente autoridade para o desempenho de suas funções e exercitá-la.
Mill inclina-se pelo sistema eleitoral proporcional e discute amplamente o tema da extensão do sufrágio.
O autor é a favor do sufrágio universal, entendendo que devam ser excluídos do sistema eleitoral os analfabetos e aquelas pessoas mal instruídas. Acha que os níveis de instrução da população dependem basicamente da ação governamental empreendida naquela direção, através de sistema escolar acessível a todos. Mas, se tal não ocorre, trata-se, como diz, de “uma injustiça à qual devemos nos resignar”.
Além dos analfabetos e afins, também deveriam ser excluídas as pessoas que não pagam impostos do mesmo modo que aquelas que recebem ajuda financeira oficial, bem como os que hajam falido em seus negócios.
Condena a superioridade que o sistema vigente atribui à classe proprietária, embora não negue que tal situação seja um testemunho de sua capacidade. Admite entretanto que as pessoas com níveis elevados de instrução pudessem ser distinguidas pelo que chama de “voto plural”, isto é, seu voto valeria mais que o das pessoas comuns. Reconhece que se trata de princípio de difícil execução.
A obra discute ainda diversos outros aspectos da organização do corpo eleitoral, a exemplo da eleição em dois estágios; a forma de votação (manifesta-se em favor do voto secreto); a organização das listas de eleitores, etc. Revela verdadeira indignação com o fato de que as mulheres sejam privadas do direito de voto. Supõe que se trate de simples preconceito e argumenta da forma adiante: “Existe algo mais do que ordinariamente irracional no fato de que quando uma mulher pode dar todas as garantias exigidas de um eleitor do sexo masculino, como fortuna própria, a posição de proprietária e chefe de família, o pagamento de taxas ou quaisquer que sejam as condições impostas, o próprio princípio e sistema de uma representação baseada na propriedade é deixado de lado... Quando se acrescenta que o país onde isto é feito é governado por uma mulher, e que o mais glorioso soberano que este país jamais teve foi uma mulher, a imagem da irracionalidade e da injustiça mal disfarçada se completa...”
O livro de Stuart Mill é de 1861 e a aceitação pelo Parlamento das reformas que então preconizava são muito posteriores. O voto secreto seria adotado em 1872, um ano antes de sua morte, ocorrida em 1873. Mas a equalização dos distritos e eliminação das restrições em matéria de renda somente viriam em 1884. E quanto à plena democratização do sistema, incluindo o voto feminino, seria fenômeno posterior à Primeira Guerra Mundial.
De um modo geral, o livro Considerações sobre o governo representativo é mencionado, sobretudo, quando se trata de reconstituir a discussão acerca da natureza da representação política. Mill seguiu a trilha aberta por Edmund Burke (1729-1797), procurando distinguir a nova circunstância do governo representativo daquela que se dava nas Cortes onde vigorava o princípio do mandato imperativo. A solução de Burke seria a de que, na nova situação, o deputado representa toda a Nação, sem embargo da atenção especial que lhe incumbe dedicar aos reclamos de seus eleitores. A tese de Stuart Mill é a de que o representante não está sujeito ao mandato imperativo porque é (ou deveria ser) mais instruído e mais sábio que seus eleitores. A consideração do tema sob este ângulo não teve maior fortuna. Ponto de partida mais fecundo seria estabelecido por Benjamin Constant (1767-1830) ao postular que a representação era de interesses. (Ver também MILL, John Stuart).