O adequado entendimento da natureza e da inevitabilidade do conflito social na moderna sociedade industrial corresponde a um dos grandes avanços registrados pela doutrina liberal. Essa aquisição seria devida a Ralf Dahrendorf.
Dahrendorf nasceu em Hamburgo, Alemanha, em 1929. Seu pai (Gustav Dahrendorf) era um líder social-democrata, perseguido primeiro pelos nazistas e depois pelos comunistas na então denominada República Democrática Alemã. Devido à evacuação de Berlim imposta pela guerra, o jovem Dahrendorf interrompeu seus estudos. Participando de ações anti-nazistas, acabou preso pela Gestapo, em 1944, sendo libertado com o término da conflagração. Concluiu seus estudos na Universidade de Hamburgo (licenciou-se em filosofia em 1952), obtendo, em 1956, o grau de doutor em sociologia pela London School of Economics.
Ingressou no magistério tendo ministrado cursos nos Estados Unidos e na Alemanha (na Universidade de Hamburgo, sendo ainda um dos fundadores da Universidade de Constança). Convidado para participar como conselheiro do grupo governamental incumbido da reforma da educação, inicia então carreira política, elegendo-se deputado estadual, em Baden Wurtemberg, e depois para o Parlamento Federal. Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros no primeiro governo Willy Brandt, tornando-se em 1970 membro do Comissariado Europeu, em Bruxelas, funções que exerceu até 1974. Era então uma destacada personalidade do Partido Liberal Alemão, sendo inclusive presidente da Fundação Friedrich Naumann (órgão de estudos e pesquisa).
Sendo convidado para o cargo de reitor da London School of Economics (atividade que desenvolve entre 1974 e 1984), acabaria radicando-se na Inglaterra, onde se naturalizou e foi distinguido com a escolha para integrar a Câmara dos Lordes.
É autor de extensa bibliografia. Diversos de seus livros foram traduzidos no Brasil, entre estes Sociedade e Liberdade, A Nova Liberdade, O Liberalismo na Europa e A Revolução na Europa, este último a propósito da derrocada do mundo comunista. Considera-se entretanto que sua mais importante contribuição encontra-se na obra As classes sociais e seus conflitos na sociedade industrial.
Nos países de língua inglesa, teve grande influência a sociologia de Talcott Parsons, denominada de funcionalismo. Essa corrente muito contribuiu para estimular a observação e enriquecer o conhecimento da sociedade, através das funções exercidas pelos diversos sistemas. Muitas de suas conquistas tornaram-se lugares-comuns, a exemplo da descoberta de que à escola incumbe a função de promover a socialização das pessoas, isto é, a inserção dos indivíduos na sociedade. Contudo, ao preconizar que a sociedade tende ao equilíbrio, compensando-se as funções dos diversos sistemas, estimulou comportamentos conservadores, notadamente a atribuição de caráter patológico ao conflito e à divergência. Este tipo de postulado entrava naturalmente em contradição com a vida democrática americana, estimuladora da diversidade, do pluralismo e portanto da divergência. Assim, sobretudo neste pós-guerra, a sociologia de língua inglesa começa a interessar-se por temas que, de certa forma, haviam sido abandonados pelofuncionalismo, agregados todos sob a rubrica da mudança social.
Buscando inserir-se no âmago da discussão suscitada pelo funcionalismo, Dahrendorf pôde estabelecer que o conflito é parte insuperável da vida em sociedade, como desvendou o seu papel, isto é, sua função, para usar um termo empregado pela sociologia da época. Na visão de Dahrendorf, a função do conflito é permitir a criatividade e a mudança. A sociedade não compreende apenas a continuidade. Deve dispor de mecanismos que propiciem igualmente a renovação. Assim, na sua própria formulação, “o conflito significa a grande esperança de uma superação digna e racional da vida em sociedade”.
Do ponto de vista da presente caracterização, sobressai esta conclusão de Dahrendorf: “Graças às categorias da teoria do conflito podem-se determinar também as diferenças clássicas existentes entre as formas estatais democráticas e totalitárias. Num sentido determinado, a democracia e o totalitarismo são mais que duas maneiras de tratar os conflitos sociais: o totalitarismo baseia-se na repressão (freqüentemente proclamada como solução) de conflitos; a democracia, na sua regulamentação. Noutro sentido, as formas democráticas prosperam em sociedades com estruturas pluralistas, com um grau de mobilidade elevado e múltiplas possibilidades de organização; os estados totalitários exigem, ao contrário, sociedades monolíticas, nas quais um mesmo e único grupo dirige toda a ordem institucional, sociedades carentes de certo processo de mobilidade social e de liberdade de coalizão” (Sociedade e Liberdade, trad. bras., Ed. UnB, 1981, p. 153).