Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(O) Zero e o infinito, de Arthur Koestler

O Zero e o infinito, da autoria de Arthur Koestler, publicado em 1941, tornou-se um clássico pela maestria com que retrata o código ético do dirigente comunista. Esse tema adquiriu certa relevância devido ao que passou à história com o nome de “Processos de Moscou”. Trata-se do fato de que dirigentes do Estado Soviético, tornados mundialmente conhecidos como teóricos do marxismo, confessaram de público terem traído a Revolução Comunista, coonestando dessa forma o próprio fuzilamento, que era a punição conhecida. No livro em apreço, Koestler formula uma hipótese que, embora do ponto de vista literário se tratasse de um texto excepcional, não podia ser aceita facilmente. No contexto ocidental, parecia uma enormidade. O curioso é que viria a ter uma comprovação surpreendente, como será referido.

O autor, Arthur Koestler (1905/1983), austríaco de nascimento, foi caracterizado por Michel Laval, seu biógrafo, como L´homme sans concession (2005), isto é, como uma pessoa que buscou ser coerente ao longo da vida. Com efeito, aplicou-se com ardor nas múltiplas causas em  que viria a engajar-se. Assim, sendo de origem judaica, aos 21 anos de idade, em 1926, foi trabalhar numa das fazendas coletivas que estavam sendo organizadas na Palestina, experiência que considerou não  ter sido bem sucedida e à qual renuncia. Inicia com sucesso a carreira de jornalista e  assiste como correspondente ao começo da ascensão de Hitler ao poder, na Alemanha, dando-se conta do perigo que representava. Por entender que seria alternativa legítima, ingressa no Partido Comunista. Em 1932, é mandado a Moscou pela Internacional dos Escritores Revolucionários. Passa a trabalhar para o Komintern (Internacional Comunista)  e nessa condição é mandado a Paris participar da campanha anti-fascista. Nessa altura já revela desajustamento na nova condição. Mas diante do rumos que tomavam os acontecimentos, expressos sobretudo nos desdobramentos da guerra civil espanhola, vai para a Espanha com o propósito de contribuir para granjear-lhe apoio através da imprensa,   acaba por ser preso e condenado à morte. Seria salvo graças a uma troca de prisioneiros. A partir de 1937, radica-se em Londres. No ano seguinte, devido ao desenrolar do último grande processo de Moscou, onde tem lugar a condenação (e a confissão) daquele que então se considerava um dos maiores teóricos do marxismo, Nikolai Bukharin --assim classificado no documento que viria a ser considerado como o “Testamento de Lenine”--, rompe em definitivo com o comunismo e começa a redigir O Zero e o infinito.

Entre as peripécias em que ainda se envolveu, indique-se ter sido preso  na França, no começo da guerra, e internado num campo como “estrangeiro indesejável”, acabando por ser libertado. Afinal de contas, já então era um jornalista conhecido na Europa. Embora o livro A sombra do dinossauro, de 1954, tivesse sido escrito com a intenção de significar “o adeus à política”, participou em 1956 das manifestações realizadas em Londres contra a condenação à morte, pelos russos, do dirigente comunista Imre Nagy (1895/1956), primeiro Ministro do governo húngaro, por haver pretendido, em seguida à denúncia (pelos próprios soviéticos) dos crimes de Stalin, convocar eleições livres.

Autor de extensa bibliografia, a obra de Arthur Koestler compreende livros de ficção, crítica social e auto-biografia. Interessou-se pelos  fenómenos parapsicológicos. Nos últimos anos de vida padeceu de enfermidades graves (doença de Parkinson e leucemia). Ajudou a criar The Voluntary Euthanasia Society, da qual viria a ser vice-presidente (1981). Num último acto de coerência, suicidou-se no início de 1983. A esse propósito escreve Michel Laval, na mencionada biografia: “A morte de Arthur Koestler provoca uma emoção considerável no mundo inteiro. O século perdia uma de suas mais lúcidas Cassandras”.

Ainda ligado ao movimento comunista internacional, Koestler impressionou-se com o fato de que todos os dirigentes submetidos aos processos de Stalin acabavam de público reconhecendo suas culpas. Como foram  fuzilados, ficou-se sem saber por que haviam agido de modo tão estranho, sobretudo pela circunstância de que as acusações eram primárias e grosseiras, como a de que pertenciam a serviços de espionagem estrangeiros ou que haviam organizado complôs para matar Stalin.

A hipótese de Koestler é a de que, sendo comunistas convictos, isto é, acreditando na marcha inexorável da história para a sociedade perfeita (o comunismo), não lhes cabia provocar uma cisão no Partido Comunista que pudesse de alguma maneira retardar aquele desfecho. O país era atrasado e para impor a disciplina requerida pela transformação da sociedade eram necessárias figuras brutais como Stalin e não intelectuais humanistas.

Essa hipótese viria a ser plenamente confirmada, graças a que um dirigente comunista tcheco, Arthur London, sobreviveu à “confissão”. Poupado do fuzilamento e libertado com a chamada “Primavera de Praga”- liberalização do regime ocorrida em 1968, brutalmente esmagada pelos tanques soviéticos –, Arthur London passou ao Ocidente onde teve oportunidade de relatar sua história. O incidente marca o rompimento com o Partido Comunista do conhecido ator francês Ives Montand, que aceitou fazer o papel de London no filme Acuso. Para estarrecimento geral, London reconheceu que mentira por acreditar que, embora se tratasse de um grande equívoco, a longo prazo o comunismo tinha razão.

As sutilezas de tal natureza psicológica são descritas por Koestler, de forma magistral. O personagem principal, Rubachov, é uma síntese de vários dirigentes comunistas. Preso por discordar da brutalidade dos métodos do Número 1 (Stalin), o policial a que enfrenta é um velho companheiro seu que espera provar racionalmente o seu equívoco. Deixa-se abalar pela argumentação. Por força de sua lógica, Rubachov de certa forma adere ao método repressivo. Entende entretanto que precisaria ser “racionalizado”. Formula então as linhas gerais de uma teoria explicativa do atraso da massa, em relação à vanguarda, o que imporia o uso da força para obrigá-la a aceitar um modelo de sociedade destinado a libertá-la de toda opressão. O acerto da liderança soviética comprovar-se-ia no fim do processo. Espera que o Número 1 irá lhe permitir desenvolvê-la tranqüilamente, já que é um reconhecimento do erro em que incidia ao dele discordar. Mas o policial “racional” (Ivanov) é substituído por aquele que de fato representa a máquina repressiva e recorre à tortura (Gletkin – o homem de Neanderthal). Rubachov acaba por assinar a “confissão” nos termos que lhe são impostos, na certeza de que outra posição seria colocar-se à margem da evolução da humanidade.

Os personagens do livro estão reduzidos  a trapos humanos, pela brutalidade do sistema O maior propósito da liderança soviética seria comprovar a validade da tese de que “os fins justificam os meios”, que se contrapõe frontalmente aos fundamentos da moralidade ocidental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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