Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Tragédias, de Shakespeare

Shakespeare escreveu onze tragédias. Harold Bloom considera que as três iniciais fariam parte do que chama de "aprendizado", a saber: Tito Andrônico, Romeu e Julieta e Júlio César, que teriam sido escritas na década de noventa do século XVI, quando elabora todos os dramas históricos (à exceção de Henrique VIII). A primeira daquelas tragédias não chegou a gozar de maior reputação, havendo inclusive autores que ponham em dúvida seja Shakespeare seu autor. Responsável pela organização da obra completa editada pela Aguilar, e autor dos diversos textos introdutórios que a instruem, Oscar Mendes assinala que "há na peça tamanha acumulação de horrores, de crimes sanguinolentos, que um crítico revoltado, diante de tanto mau gosto, comparou-a a um matadouro, em que magarefes esfaqueiam, mutilam esquartejam, decepam, numa fúria de insanos". Apesar do incessante sucesso de público e do sentido comovente da história, Romeu e Julieta ainda não exprime o forte de Shakespeare, que consiste muito mais em fixar o tipo humano que a trama em que se acha envolvido. Júlio César também foi confrontado desfavoravelmente em relação à obra da maturidade. O texto seria muito curto. A figura mais importante não seria o mártir mas o assassino E assim por diante. Naturalmente, as críticas somente se explicam pela magnitude das tragédias subsequentes.

As grandes tragédias seriam estas: Hamlet, Otelo, Rei Lear, Macbeth e Antonio e Cleópatra, na medida em que fixam tipos imortais e definitivos, que seriam uma espécie de paradigmas da espécie humana como sugere Harold Bloom. As três restantes (Troilo e Cresilda, Coriolano e Timon de Atenas) geralmente não são incluídas entre as maiores. A última é considerada como uma espécie de ensaio preparatório de Rei Lear, além de que corresponderia a obra que contou com a colaboração de outra pessoa. As duas outras, ainda que estruturadas em torno de figuras centrais, não seriam emblemáticas. Mais uma vez as restrições explicam-se pelo confronto.

A propósito da mencionada seleção, Oscar Mendes escreve o seguinte: "Hamlet inicia as grandes tragédias da maturidade. É aquela fase de pessimismo, de crítica, de análise psicológica dura e profunda, que caracteriza o final da obra shakespeareana. Ilustra intensamente a observação de Bradley, referente aos conflitos internos que torturam os heróis shakespeareanos. É a tragédia da dúvida, da luta entre os sentimentos e os atos, da tortura do homem que quer a justificativa da consciência para seus atos, ou para suas omissões. É a que mais análises e artigos críticos tem suscitado. Otelo é a tragédia do ciúme amoroso, encarna na figura do amoroso mouro que duvida de seus próprios méritos ao amor e à felicidade conjugal e se deixa enredar pela malícia e pela falsidade de um indivíduo dotado de habilidades espirituais verdadeiramente diabólicas, esse Iago, que é, sem dúvida uma das maiores criações da arte dramática de todos os tempos. Rei Lear é o drama da velhice que perdeu a sua capacidade de discernir, que se deixa mistificar com facilidade pelas falsas demonstrações de afeto, a velhice temperamental, incontrolada, que se enfurece ao menor obstáculo e objeção e acaba afundando-se no destempero e na loucura. Macbeth é a tragédia da concupiscência do poder e da ambição, do homem que não recua diante do crime e da traição para satisfazer a avidez insaciável da vaidade e do mando. Antonio e Cleópatra, o drama da ambição política e da sensualidade."(Obra completa, Rio de Janeiro, Aguilar, 1969, Vol. I, pág.59).

O herói da tragédia de Shakespeare distingue-se das figuras, igualmente imorredouras, criadas pela tragédia grega, porquanto são senhores do seu destino, enquanto os gregos dele não conseguem escapar. (Ver também SHAKESPEARE, William e Comédias, de SHAKESPEARE).

 

 

 

 

 

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