Tragédias, de
Shakespeare
Shakespeare escreveu onze tragédias.
Harold Bloom considera que as
três iniciais fariam parte
do que chama de "aprendizado",
a saber: Tito Andrônico,
Romeu e Julieta e Júlio César,
que teriam sido escritas na década
de noventa do século XVI,
quando elabora todos os dramas
históricos (à exceção
de Henrique VIII). A
primeira daquelas tragédias
não chegou a gozar de
maior reputação,
havendo inclusive autores que
ponham em dúvida seja
Shakespeare seu autor. Responsável
pela organização
da obra completa editada pela
Aguilar, e autor dos diversos
textos introdutórios que
a instruem, Oscar Mendes assinala
que "há na peça
tamanha acumulação
de horrores, de crimes sanguinolentos,
que um crítico revoltado,
diante de tanto mau gosto, comparou-a
a um matadouro, em que magarefes
esfaqueiam, mutilam esquartejam,
decepam, numa fúria de
insanos". Apesar do incessante
sucesso de público e do
sentido comovente da história, Romeu
e Julieta ainda não
exprime o forte de Shakespeare,
que consiste muito mais em fixar
o tipo humano que a trama em
que se acha envolvido. Júlio César também
foi confrontado desfavoravelmente
em relação à obra
da maturidade. O texto seria
muito curto. A figura mais importante
não seria o mártir
mas o assassino E assim por diante.
Naturalmente, as críticas
somente se explicam pela magnitude
das tragédias subsequentes.
As grandes tragédias seriam
estas: Hamlet, Otelo, Rei
Lear, Macbeth e Antonio
e Cleópatra,
na medida em que fixam tipos
imortais e definitivos, que seriam
uma espécie de paradigmas
da espécie humana como
sugere Harold Bloom. As três
restantes (Troilo e Cresilda,
Coriolano e Timon de
Atenas) geralmente não
são incluídas entre
as maiores. A última é considerada
como uma espécie de ensaio
preparatório de Rei
Lear, além de que
corresponderia a obra que contou
com a colaboração
de outra pessoa. As duas outras,
ainda que estruturadas em torno
de figuras centrais, não
seriam emblemáticas. Mais
uma vez as restrições
explicam-se pelo confronto.
A propósito da mencionada
seleção, Oscar
Mendes escreve o seguinte: "Hamlet
inicia as grandes tragédias
da maturidade. É aquela
fase de pessimismo, de crítica,
de análise psicológica
dura e profunda, que caracteriza
o final da obra shakespeareana.
Ilustra intensamente a observação
de Bradley, referente aos conflitos
internos que torturam os heróis
shakespeareanos. É a tragédia
da dúvida, da luta entre
os sentimentos e os atos, da
tortura do homem que quer a justificativa
da consciência para seus
atos, ou para suas omissões. É a
que mais análises e artigos
críticos tem suscitado.
Otelo é a tragédia
do ciúme amoroso, encarna
na figura do amoroso mouro que
duvida de seus próprios
méritos ao amor e à felicidade
conjugal e se deixa enredar pela
malícia e pela falsidade
de um indivíduo dotado
de habilidades espirituais verdadeiramente
diabólicas, esse Iago,
que é, sem dúvida
uma das maiores criações
da arte dramática de todos
os tempos. Rei Lear é o
drama da velhice que perdeu a
sua capacidade de discernir,
que se deixa mistificar com facilidade
pelas falsas demonstrações
de afeto, a velhice temperamental,
incontrolada, que se enfurece
ao menor obstáculo e objeção
e acaba afundando-se no destempero
e na loucura. Macbeth é a
tragédia da concupiscência
do poder e da ambição,
do homem que não recua
diante do crime e da traição
para satisfazer a avidez insaciável
da vaidade e do mando. Antonio
e Cleópatra, o drama
da ambição política
e da sensualidade."(Obra
completa, Rio de Janeiro,
Aguilar, 1969, Vol. I, pág.59).
O herói da tragédia
de Shakespeare distingue-se das
figuras, igualmente imorredouras,
criadas pela tragédia grega,
porquanto são senhores do
seu destino, enquanto os gregos
dele não conseguem escapar.
(Ver também SHAKESPEARE,
William e Comédias,
de SHAKESPEARE).