(Os) sofrimentos do jovem
Werther, de Goethe
Os sofrimentos do jovem
Werther apareceu em 1774.
Seu autor, Johann Wolfgang
Goethe, tinha apenas 25 anos.
O livro surpreendeu e encantou
ao mesmo tempo, pela força
dramática com que é descrito
o personagem, digno de integrar
a galeria construída
por Shakespeare ou ao lado
das figuras imorredouras criadas
pela tragédia grega.
Werther passou desde então
a tipificar o herói
romântico, embora se
discuta se Goethe integraria
de fato o romantismo, considerando
o conjunto de sua obra.
Outra novidade consiste no fato
de que a obra é apresentada
em forma epistolar. O editor
interfere para eliminar referências
impróprias ou inoportunas
e também para referir
eventos que ajudam a compreender
o desenrolar da história.
O jovem Werther encontra-se num
lugarejo no interior da Alemanha
aparentemente com o propósito
de desenvolver e aprimorar sua
vocação para a
pintura. Aparece como uma pessoa
cheia de vida, encantado com
a natureza, capaz de perceber
a beleza de um córrego
ou a graça de um simples
recanto.
Numa de suas cartas iniciais,
relata o seguinte: “A primeira
vez que, casualmente, por uma
bela tarde, me vi embaixo das
tílias, a praça
estava deserta. Todo mundo fora
para o campo, salvo um menino
de quatro anos, mais ou menos.
Sentado no chão, sustentava
sobre as pernas, de maneira a
servir-lhe de cadeira, um bebê de
seis meses. Embora permanecendo
imóvel, o garoto passeava
os olhos em torno, com extrema
vivacidade. Jubiloso diante da
cena, sentei-me sobre uma charrua
que ali se achava e desenhei
com o maior prazer aquela pose
fraternal, juntando-lhe a sebe
próxima, uma cancela de
granja, algumas rodas de trole,
partidas, tudo com muita realidade.
Notei, ao cabo de uma hora, que
tinha feito um desenho muito
interessante, sem acrescentar-lhe
coisa alguma por mim imaginada.
Isto fortaleceu-me a convicção
de cingir-me, daqui por diante,
unicamente à natureza.
Só ela é infinitamente
rica e só ela é capaz
de formar os grandes artistas.”
Ainda que suas cartas revelem
erudição e interesse
teórico, o principal consiste
em exaltar as coisas simples
da vida. Encanta-se e convive
facilmente com as crianças
.
Conhece então Carlota,
uma jovem que perdeu a mãe
muito cedo e, sendo a mais velha,
fica com o encargo de educar
seus oito irmãos e a isto
acha-se inteiramente dedicada.
Tem um noivo (Alberto), que está ausente.
Werther encanta-se perdidamente
pela criatura. Passa a freqüenta-la.
Integra-se rapidamente à vida
das crianças e ajusta-se
perfeitamente à nova rotina.
A seus olhos, Carlota só tem
virtudes. Exclama numa das cartas: “é-me
impossível dizer a você o
quanto ela é perfeita,
nem porque é tão
perfeita. Só isto basta:
ela tomou conta de todo o meu
ser”. Possui toda a bondade
do mundo, associada a uma grande
firmeza. Alma serena e cheia
de energia..
Carlota é sem dúvida
uma pessoa centrada.. Não
parece haver estimulado a paixão
de Werther e este talvez a tenha
induzido a supor que arranjara
um novo amigo a quem as crianças
tanto adoram. Alberto, o noivo,
regressa e a situação
exterior não se altera.
Mas a vida interior do jovem
Werther é um verdadeiro
vulcão efervescente de
paixão. “Quando
passo junto dela duas ou três
horas, alimentando-me de sua
presença, de expressão
celestial, das suas palavras,
pouco a pouco todos os meus sentidos
adquirem uma tensão excessiva,
meu olhos deixam de enxergar,
mal consigo ouvir, sinto como
a mão de um assassino
constrangindo-me a garganta.
Batendo desordenadamente, meu
coração procura
atenuar a angústia dos
meus sentidos, mas apenas aumenta
a minha perturbação” – eis
como descreve o seu estado. Compreendendo
perfeitamente que tal situação
não pode prolongar-se,
o amigo a quem ele escreve (Wilhelm,)
aconselha-o a ir embora. Ainda
que expresse agradecimento “por
haver você tomado por mim
uma decisão”, Werther
retarda o quanto pode o afastamento
de sua amada. Afinal, arranjam-lhe
trabalho em outra cidade, o que
afinal leva-o a decidir-se.
Werther mantém-se no emprego
cerca de dez meses. Tendo deixado
de existir, decide-se a viajar
mas confessa que seu desejo incontrolável é voltar
para Carlota, o que acaba por
consumar-se. Encontra-a casada.
Tenta restaurar a rotina anterior
das visitas diárias e
longas conversas. Mas em menos
de três meses está possuído
de verdadeiro desvario. Tem os
nervos à flor da pele.
A qualquer pretexto, explode.
Assim, quando Carlota toca no
cravo uma das árias que
tanto o mobilizara no começo
do seu relacionamento, escreve: “senti
logo em minha alma uma impressão
consoladora, de mistura com a
saudade do passado, do tempo
em que ouvi essa ária,
dos dias sombrios que se seguiram,
do meu despeito, das minhas esperanças
malogradas. Pus-me a passear
pela sala; meu coração
sufocava ao peso dessas recordações. “Pelo
amor de Deus, exclamei com violência,
dirigindo-me a ela: “Pelo
amor de Deus, basta”. Ela
interrompeu-se e olhou-me fixamente; “Werther,
você está bem doente,
pois que até os seus alimentos
prediletos já lhe repugnam.
Vá para casa, peço-lhe,
e procure acalmar-se. Arranquei-me
de junto dela e ... ó Deus,
vede o meu sofrimento e procurai
pôr-lhe um termo.”
Num desespero crescente, numa
de suas visitas insólitas,
cobre “de beijos furiosos
seus lábios trêmulos
e balbuciantes”. Perturbada,
Carlota diz “ser a última
vez”; “você não
me verá mais.” Numa
carta que endereça a Carlota – ao
que parece sem a intenção
de manda-la -, pede-lhe perdão
mas diz também que, naquele
instante, ao mesmo tempo em que
deveria ser o último de
sua vida. “senti, com
absoluta certeza, este pensamento
abrasador no mais profundo do
seu ser: ela ama-me”. Explicita
a intenção de suicidar-se,
consegue com o próprio
marido de Carlota – através
de seu criado – arma de
fogo, a pretexto de que iria
viajar, com a qual dá cabo à vida.
O livro produziu impacto inusitado,
ocasionando reações
as mais contraditórias.
Segundo registro da época,
entre os jovens tornou-se uma
espécie de projeto de
vida: devotar-se de corpo e alma à mulher
amada, sem preocupar-se se é ou
não correspondido. Nessa
circunstância, o suicídio
torna-se uma espécie de
ato heróico e afirma-se
até que virou moda. A
Igreja reagiu violentamente e
colocou a obra no Index,
proibindo a sua difusão.
A elite dirigente também
a repudiou desde que, ao invés
de exaltar a disposição
de enfrentar a vida de forma
corajosa, pregava a renúncia
e a fuga. Serviu contudo para
dar ao seu autor enorme projeção
em seu tempo. Serenados os ânimos,viria
a ser incorporado ao Cânone
por fixar magistralmente um tipo
de personalidade. (Ver também GOETHE, Johann
Wolfgang e Fausto).
O
incidente é precedido
da leitura de uma obra então
muito referida, de autor
escocês do século
IV (Ossian), integrada por
cantos recém recolhidos
e editados, e que o próprio
Werther compara a Homero.
Nas edições
populares do livro de Goethe
falta uma nota explicativa.
Voltar