SHAKESPEARE, William
Alguns dados da vida de Shakespeare
são imprecisos, a começar
da data de seu nascimento,
que teria ocorrido a 23 de
abril de 1564, em Stratford-sur-Avon,
Inglaterra. Sabe-se ao certo
que seu pai era comerciante
e que se casou em 1582, com
apenas 18 anos, nascendo a
primeira filha após
seis meses e, em 1585, dois
outros filhos gêmeos.
Dois anos depois terá se
mudado para Londres, onde se
tornou ator e autor de peças
teatrais. Nos anos de 1590
e 1592 dá-se a apresentação
de seu primeiro drama histórico, Henrique
VI. Em 1592 teria completado
28 anos. Há registro
das primeiras apresentações
de suas diversas peças.
Em 1610, volta a viver em Stratford
onde viria a falecer em 1616,
aos 52 anos de idade. A cidade
ergueu-lhe um busto logo a
seguir. A primeira edição
de seu teatro completo seria
de 1623.
O período de sua afirmação
como teatrólogo transcorre
no reinado de Elizabete I, filha
de Henrique VIII. Este teve um
longo reinado, de 1509 a 1547
e sua sucessão viria a
ser muito tumultuada por questões
religiosas. Aquele rei havia
rompido com Roma e criado uma
Igreja independente (a Igreja
Anglicana), baseada na doutrina
calvinista, situando-a, portanto,
no âmbito da Reforma Protestante.
Sua primeira esposa era contudo
católica. E tendo morrido
o único filho homem de
Henrique VIII (Eduardo VI, que
reinou apenas seis anos, de 1547
a 1553), assumiu o trono em 1553,
com o nome de Maria I, cuidando
de reintroduzir o catolicismo.
Faleceu em 1558 e Elizabete a
sucedeu e teve, como o pai, um
longo reinado de 45 anos, quando
organiza de forma definitiva
a Igreja Anglicana. Inicia a
projeção da Inglaterra
no cenário europeu, consistindo
marco expressivo a derrota que
impôs à Armada Espanhola
em 1588. A Espanha conseguira,
ao longo do século, posição
hegemônica na Europa e
ainda não experimentara
o declínio prenunciado
pela derrota antes referida.
A primeira fase da criação
teatral de Shakespeare consiste
justamente nos dramas históricos.
Supõe-se que a preferência
haja decorrido do interesse pela
história da Inglaterra,
despertado graças à vitória
na disputa com a Espanha. A peça
inicial suscitou uma polêmica,
o que sugere seu autor já contasse
com reputação estabelecida.
Ordenando-as em conformidade
com a seqüência histórica(1): Vida
e morte do rei João (João
Sem Terra, reinou de 1199 a 1216,
dignatário que foi obrigado
pelos barões a assinar
a Magna Carta (1215),
documento que costuma ser associado
ao processo que desembocaria
no governo representativo e na
monarquia constitucional); Ricardo
II (reinou de 1377 a 1399); Henrique
IV (sucedeu a Ricardo II
e reinou até 1413), drama
cuja encenação
acha-se subdividia em duas partes; Henrique
V (reinado de 1413 a 1422),
que reinicia a Guerra dos Cem
Anos com a França e impingiu-lhe
uma séria derrota; Henrique
VI, que sucedeu a Henrique
V, reinado no qual a Inglaterra
perde em definitivo a sua disputa
secular com a França,
em 1453, fato que se considera
determinante no processo de formação
das nações européias,
com o surgimento do Estado Moderno
e a correspondente centralização
do poder. O drama Henrique
VI acha-se subdividido em
três partes. O monarca
era doente mental e o poder esteve
em mãos de diferentes
regentes. Afinal foi deposto
em 1461, reassumindo por um breve
período em 1470 mas por
fim afastado em definitivo. Seguem-se
ainda dois dramas históricos: Ricardo
III (reinou de 1483 a 1485)
e Henrique VIII.
Para elaboração
dos dramas históricos,
Shakespeare apoiou-se na obra
dos velhos cronistas ingleses.
Especialistas consideram que,
embora devesse, como autor teatral,
criar personagens e incidentes,
procurou ater-se ao conhecimento
histórico estabelecido.
Contudo é nessa primeira
fase, que se admite abranja toda
a década de noventa, que
cria duas figuras imorredouras,
do rico elenco de personalidades
definidoras de diferentes caráteres.
São eles: Ricardo III
e Falstaff
Ricardo III é o paradigma
do déspota hediondo, que
não recua diante de qualquer
baixeza que sirva aos seus propósitos. É uma
personagem física e moralmente
execrável.
Em contrapartida, Falstaff é o
tipo legendário do fanfarrão
e mentiroso, extremamente simpático.
Seria a partir desses dois tipos
que criou os personagens inesquecíveis
que viriam a compor as tragédias.
Na apreciação da
obra de Shakespeare há unanimidades
e divergências. Todos os
estudiosos aceitam que renovou
o teatro, dando passos gigantescos
em relação à tradição
grega. Também se considera
como a maior figura do Renascimento
e cuja obra jamais teria sido
ultrapassada. Entretanto, o conhecido
crítico norte-americano,
Harold Bloom, reconhecidamente
um grande especialista em Shakespeare,
procurou estabelecer uma distinção
entre caráter e personalidade,
com o propósito de indicar
que a figura humana teria sido
fixada por Shakespeare. À defesa
dessa tese dedicou o livro The
invention of the human (London,
Fourth Estate, 1999). O caráter
ocidental, escreve, seria proveniente
de Homero e Platão; Aristóteles
e Sófocles; a Bíblia
e Santo Agostinho; Dante e Kant,
para referir o essencial de uma
lista que poderia abrigar outros
nomes. E, completa: "A personalidade,
em nosso sentido, é uma
invenção de Shakespeare
e nisto não consiste apenas
a maior originalidade de Shakespeare
mas a autêntica causa de
sua perpétua capacidade
de persuasão. Ainda que
louvemos ou deploremos as nossas
próprias personalidades,
nós somos os herdeiros
de Falstaff e Hamlet, e de todos
os outros personagens que povoam
o teatro de Shakespeare e que
seria legítimo chamar
de cores do espírito." (ed.
cit., pág. 4). A personalidade
não consistiria apenas
num determinado caráter.
Mas adicionalmente a capacidade
de tornar-se emblemática
e mobilizadora, provocando simpatia
ou repulsa, diante da qual não
podemos tornar-nos indiferentes.
Ainda que se possa atribuir à tragédia
grega – e mesmo a autores
modernos como Dostoievski – o
mesmo poder de persuasão, é fora
de dúvida o significado
da obra de Shakespeare, amplamente
popularizada em nosso tempo pelo
cinema.
Bloom acha que a obra de Shakespeare
poderia ser dividida numa fase
inicial, que corresponderia ao
que denomina de aprendizado,
e no período maduro. Na
inicial há comédias,
três dramas históricos
(Henrique VI, Rei João e Ricardo
III) e as primeiras tragédias.
A obra de maturidade compreenderia
também os três grandes
grupos em que se costuma situar
as suas peças.
Shakespeare escreveu ainda o
que seria denominado de "obras
líricas", isto é,
poemas e sonetos que não
fazem parte das peças.
A obra completa de Shakespeare
acha-se traduzida ao português.
Contamos ainda com tradutores
conceituados e estudiosos de
reconhecida competência.
(Ver também Comédias,
de SHAKESPEARE;
e Tragédias,
de SHAKESPEARE).
(1) A
cronologia da obra de Shakespeare é uma
questão muito disputada.
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