include '../include/menu.php'?>
|
|
Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
(O) Senso comum e a crise,
de Thomas Paine
Nasceu na Inglaterra em 1737,
numa família protestante
(quaker). Depois de tentar a
manufatura (seguindo ao pai que
era empresário, fabricante
de produtos pessoais) e o comércio,
sem sucesso, dedicou-se a atividades
intelectuais. Procurou, inicialmente,
ordenar-se pastor da Igreja Anglicana,
o que não conseguiu. Por
fim, fixou-se no magistério.
Nessa altura, aos 37 anos de
idade, conheceu em Londres a
Benjamin Franklin(2) que
o ajudou a emigrar para os Estados
Unidos, dando-lhe cartas de recomendação.
Justamente em 1774 estava reunido
em Filadélfia o Primeiro
Congresso Continental, que foi
o começo da articulação
das colônias para enfrentar
a política de Jorge III,
que se considerava atentatória às
prerrogativas que haviam conquistado.
Era grande a divisão no
seio dos delegados ao Congresso,
entre os que já então
preconizavam a Independência
e os que preferiam negociar com
a Inglaterra status que impedisse
eventuais retrocessos. Contudo,
nenhum dos agrupamentos conseguiria
impor-se naquela ocasião.
Faltava-lhes, sobretudo, respaldo
na opinião pública.
Nesse particular é que
sobressai o papel de Paine.
Chegando à América,
antes da criação
dos Estados Unidos, Paine radicou-se
em Filadélfia, cidade
que se tornaria o centro da atividade
parlamentar que desembocou na
Constituição de
1787.
O Primeiro Congresso Continental
não se dispôs a
romper com a Inglaterra. Ao contrário
disto, aprovou mensagem de lealdade
ao Parlamento e ao rei da Inglaterra.
Contudo, reivindicou claramente
o direito de tomar parte na elaboração
das leis que dissessem respeito às
colônias americanas e dispuseram-se
a convocar o segundo congresso
na eventualidade de que o governo
inglês não atendesse às
suas aspirações.
Preventivamente, foram constituídas
milícias e organizados
depósitos de armas.
Os choques militares entre ingleses
e americanos começaram
em 1775. Imediatamente convocou-se
o Segundo Congresso e foi declarada
guerra à Inglaterra.
Thomas Paine engajou-se como
soldado na guerra e, progressivamente,
revelou-se como publicista. Em
janeiro de 1776 editou um pequeno
folheto intitulado "O senso
comum". A publicação
obteve êxito sem precedentes,
alcançando 25 edições.
George Washington (1732-1799),
que seria o primeiro Presidente
dos Estados Unidos, prestou este
testemunho: "O senso
comum operou uma poderosa
mudança de mente em muitos
homens". O sucesso estimulou-o
a continuar na atividade de panfletário,
divulgando pequenos artigos que
fazia circular, servindo parte
destes para compor a edição
definitiva do folheto inicial.
Finda a guerra, permaneceu nos
Estados Unidos, sendo recompensado
pelos organizadores da nova nação
com uma propriedade, o que lhe
permitiu radicar-se. Contudo,
regressou à Europa em
1787 e ali se encontrava quando
eclodiu a Revolução
Francesa, a que aderiu de pronto,
passando mesmo a integrar a Assembléia
Nacional. Nesta fase publicou
um outro panfleto, com o título
de Os direitos do homem que
consiste numa contestação
ao livro de Burke Reflexões
sobre a revolução
em França (1790).
Durante o regime do Terror -
que vigorou entre junho de 1793
e julho de 1794 -, quando as
pessoas eram decapitadas em Paris,
umas em seguida às outras,
Paine foi preso, afirmando-se
que se salvou da guilhotina por
um equívoco do carcereiro.
Permaneceu na prisão de
dezembro de 1793 a outubro de
1794. Libertado, foi reconduzido
ao Parlamento. Regressou aos
Estados Unidos em 1802, vindo
a falecer em 1809, aos 72 anos
de idade. Nessa última
fase da vida já não
gozava de maior prestígio,
o que é compreensível,
desde que não tinha qualquer
contribuição positiva
para o problema com que se defrontavam
os americanos: estruturar instituições
que permitissem o florescimento
da nova forma de governo federativo
a que davam início.
Paine reuniu o panfleto inicial
e os artigos escritos durante
a guerra num volume intitulado O
senso comum e a crise, que
passou à história
como documento expressivo do
calor da disputa que dividiu
os ingleses de um lado e de outro
do oceano. O sucesso de sua argumentação,
no calor da paixão, explica-se
sobretudo pela capacidade de
apresentar o embate de forma
maniqueísta, fácil
de transformar-se em slogans
e empolgar multidões.
Primeiro, não lhe parece
digna de destaque a distinção
entre monarquia absoluta e monarquia
constitucional, que dividiu radicalmente
os ingleses e encontra-se mesmo
na raiz do povoamento das colônias
americanas, ocorrido justamente
a partir do momento em que um
rei que menosprezava o Parlamento
chega ao poder em 1660. Escreve
coisas desse tipo: "O preconceito
dos ingleses em favor de terem
seu governo de rei, Lordes e
Comuns nasce mais do orgulho
nacional que da razão.
Indubitavelmente os indivíduos
estão mais seguros na
Inglaterra que em alguns outros
países, mas a vontade
do rei, tanto na Inglaterra como
na França, é a
lei da terra, com a diferença
de que, ao invés de partir
diretamente da boca do rei, ela é passada
ao povo sob a forma mais temível
de uma lei do Parlamento. O destino
de Carlos I(1) só tornou
os soberanos mais sutis e não
mais justos". Minimiza o
significado da Constituição,
o que explica não tivesse
representado maior papel na fase
subseqüente, quando o teor
da Lei Magna mobilizou todas
as atenções. Em
compensação, soube
argumentar em favor da tese de
que as "causas más
atraem aos homens maus" como
no convencimento de que a Independência
era a chave para manter unidos
aos ingleses daquela parte do
Atlântico. E, sobretudo,
de que seria possível
mobilizar os recursos requeridos
para constituir um exército
e derrotar a Inglaterra. Escreve: "Nossa
grande força não
reside nos números, mas
sim na unidade; assim mesmo,
nossos números atuais
são suficientes para repelir
a força do mundo inteiro".
A segunda parte da obra contém
os artigos que escreveu entre
dezembro de 1776 e outubro de
1780 e trata sobretudo do desenrolar
da guerra. Comenta e refuta as
proclamações inglesas
e trata de incutir ânimo
nos combatentes. Há dois
artigos subseqüentes ao
término do conflito (1781),
tratando das negociações
de paz e defendendo a decretação
de impostos pelo Parlamento.
Não há no texto
argumentação doutrinária
propriamente dita. No panfleto
contra Burke, elaborado no entusiasmo
da Revolução Francesa,
inclina-se por aceitar as simplificações
de Rousseau quanto à bondade
da pessoa humana e a maldade
da sociedade, o que vinha ao
encontro de sua visão
maniqueísta.
Os americanos quiseram perpetuar
a memória de Paine com
a sucessiva reedição
de O senso comum e a crise,
pelo seu desprendimento e inegável
papel que representou no sentido
de estimular os combatentes da
Independência dos Estados
Unidos.
Contudo, por seu espírito,
achar-se-ia mais identificado
com a Revolução
Francesa que com a Revolução
Americana. (Ver também BURKE e ROUSSEAU).
(2) Benjamin
Franklin (1706-1790) foi
um notável homem de
Estado, inventor e cientista
de renome. Considera-se como
sendo um dos artífices
da Independência americana
e de suas instituições.
A par disto, negociou o reconhecimento
da Independência na
Europa, tendo sido, inclusive,
um dos signatários
do Tratado de Paz com a Inglaterra,
firmado em 1783.
(1) Reinou
a partir de 1625. Morto em
1649 como desfecho da guerra
civil sustentada pelos partidários
do Parlamento. Seguiu-se
um interregno em que Cromwell
esteve no poder até a
restauração
da Casa de Stuart, em 1660.
Voltar
|
|
|