Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z

 

 

(A) Revolução Industrial, de T. S. Ashton

O livro fundamental sobre a Revolução Industrial é da autoria do professor da Universidade de Londres T.S.Ashton. A primeira edição inglesa (The Industrial Revolution) é de 1948, logo traduzida ao espanhol pela Fondo de Cultura do México, em 1950, ambas sucessivamente reeditadas. Ashton considera o problema com a máxima amplitude, notadamente os antecedentes mais marcantes. Levando-os em conta, acha o nome pouco apropriado, embora consagrado, porquanto iniciou-se no campo e abrange várias décadas, de 1760 a 1830. Seu trabalho tem ainda o mérito de deter-se na avaliação das explicações simplistas, que a correlacionam a uma ou outra circunstância isolada.

A seu ver, o aspecto mais saliente da história social desse período é o rápido crescimento da população. Estimada em 5,5 milhões, em 1700, e em 6,5 milhões, em 1750, chega a 9 milhões em 1801 (quando se realiza o primeiro censo) e a 14 milhões, em 1831. Na seugnda metade do século XVIII, a população aumentou 40% e nas três décadas seguintes mais de 50%.

Na opinião de Ashton, o fenômeno explica-se do modo seguinte: "Este aumento de população não resultou de qualquer alteração na taxa de natalidade. É certo que, durante as quatro primeiras décadas do século XVIII, o número de nascimentos por milhar de habitantes parece ter crescido um pouco.  ...  Mas, de 1740 a 1830, a taxa de natalidade apresenta-se com alterações muito ligeiras: em década alguma ultrapassa 37,7 ou desce abaixo de 36,6. Durante a revolução industrial a fecundidade foi elevada, mas constante. Também se não pode atribuir o aumento da população a um afluxo de gente de outros países. Durante todo esse tempo, saiu muita gente da Irlanda com destino à Inglaterra e Escócia e, em períodos de crise o afluxo transformava-se em fluxo contínuo. Mas nada que pudesse comparar-se com a torrente de emigração irlandesa que havia de afluir nos últimos cinco anos da década 1841-1850. Por outro lado, durante o século XVIII, cerca de 1 milhão de pessoas deixou a Inglaterra para procurar vida no ultramar, principalmente, nas colônias". Conclui: "Foi a baixa da mortalidade que provocou o aumento de habitantes".

A redução da mortalidade, por sua vez, explica-se pela abundância, regularidade e diversificação da oferta de alimento, além da melhoria geral das condições de higiene e dos avanços da medicina.

Se fosse necessário indicar algum ponto de partida, na Inglaterra, para a Revolução Industrial, poder-se-ia tomar as grandes transformações ocorridas no campo, notadamente, nos meados do século XVIII. Até o ciclo histórico imediatamente anterior, era do campo que a maioria da população tirava a sua subsistência. A paisagem típica do meio rural consistia no campo aberto, subseqüente a pequenas aldeias, com a intrincada rede de hierarquias, tendo ao senhor cavaleiro no topo. Enfiteutas,(1) arrendatários, lavradores livres e pobres habitantes de choças formavam o conjunto de produtores de grãos e criadores de gado, ocupados sobretudo com a própria manutenção. Nesse quadro, a inovação era difícil de introduzir-se. Achando-se muito fragmentada a posse da terra, qualquer obra de maior vulto, como as requeridas pela modernização, exigia negociações intermináveis, com grande número de produtores.

No campo inglês havia também as propriedades cercadas, voltadas para o mercado. Sua atividade predominante era o criatório destinado à produção de lã. No século XVIII, essas propriedades cercadas experimentaram grande desenvolvimento. Ashton considera que, em parte, tal movimento originou-se do fato de que comerciantes enriquecidos desejassem enobrecer-se pela propriedade da terra. Mas, em seu desdobramento, atraiu a diverso tipo de gente, inclusive membros da aristocracia tradicional.

O sistema de Norfolk, tomado por modelo e disseminado em outras regiões do país, fora introduzido por um grande proprietário de terras de família tradicional, Lord Lovell (1697-1755). Esse sistema consistia num conjunto de procedimentos técnicos, econômicos e legais a serem aplicados no interior da fazenda cercada. Compreendia a melhoria do solo pela calagem (aplicação de calcário), a fim de reduzir a acidez; a rotação de cultivos e a observação sistemática da seqüência e das culturas aptas a facultar os melhores resultados; o cultivo de novas espécies de forragem para arraçoamento do gado; especialização na produção de cereais e a introdução de outros tipos de criatórios, além dos destinados à obtenção de lã; e, por fim, a entrega de grandes parcelas para cultivo por arrendatários.

A característica principal e a razão pela qual se denomina Revolução Industrial é a introdução da máquina na atividade manufatureira em substituição ao trabalho manual. O elemento mais expressivo de tal processo corresponde à máquina a vapor de James Watt (1736-1819), invento patenteado em 1769, cujos aperfeiçoamentos mais significativos foram concluídos na década de oitenta. Em 1810, já havia cinco mil desses equipamentos instalados em indústrias na Inglaterra. A mecanização do trabalho nas manufaturas(1) torna-se irreversível.

O processo inicia-se nas áreas pouco urbanizadas, sendo uma espécie de prolongamento da modernização da agricultura. Assim, atingiu em primeiro lugar a tecelagem de lã que era uma atividade eminentemente rural, exercida por lavradores e suas famílias. Havia regiões em que, preservando a mesma característica rural, a confecção de fios e tecidos de lã era praticada por tecelões profissionais. Em relação aos tecidos de algodão e outros, a matéria prima era importada, dando origem à implantação de manufaturas em certas localidades, algumas das quais, mais tarde, transformadas em centros industriais.(2) Em ambos os casos, os comerciantes eram seus principais articuladores, incumbindo-lhes distribuir as encomendas e recolher os produtos acabados a serem encaminhados aos consumidores finais.

A modernização em apreço consiste na sucessiva mecanização das várias operações relacionadas à produção de fios e tecidos de lã. Na década de trinta, aparece uma lançadeira voltante, montada sobre rodas, capaz de aumentar enormemente a produtividade. Segundo Ashton, a introdução desse evento deve ter esbarrado com grandes dificuldades porquanto, só depois de 1760, se torna de uso geral. No mesmo período são aperfeiçoados os procedimentos para a fabricação de tecidos de algodão, o que faculta o aparecimento das primeiras fábricas a esse fim destinadas.

O terceiro segmento onde se introduziram aperfeiçoamentos sucessivos e sistemáticos corresponde a extração de carvão. Esta era também uma atividade exercida no meio rural, em relação à qual criam-se notáveis possibilidades de incremento graças à utilização do coque, obtido a partir da calcinação do carvão mineral, na siderurgia, em 1735. A generalização desse processo iria acarretar a substituição do carvão vegetal pelo mineral. Aqui, a questão principal dizia respeito tanto ao aprimoramento da extração como ao transporte, porquanto as quantidades a movimentar eram representativas. Nas proximidades das minas, foram construídos grandes canais, ligados aos rios navegáveis e acessíveis ao mar. O carvão passou a ser colocado em barcaças, com capacidade para 300 ou 400 toneladas, que alcançavam portos distantes, vindo a constituir-se na principal modalidade de transporte. A produção de carvão, na Inglaterra, estimada em dois e meio milhões de toneladas em 1700, ultrapassava quatro milhões nos meados do século, para atingir cerca de dez milhões, em 1800.

A generalização dos procedimentos começados na agricultura e a mineração com alguns pioneiros, e que ganharam força quando se dirigiram à mecanização do trabalho manufatureiro, tornar-se-ia possível graças à sucessiva formalização da engenharia.

Em muitos países, o aprendizado da construção, ramo inicial e quase exclusivo da engenharia, é realizado nas escolas militares. Assim, na França, tanto a Escola de Pontes e Estradas como a Escola de Minas, criadas respectivamente em 1744 e 1783, pertencem ao Exército. Por suas linhas gerais, tal modelo seria seguido em Portugal. Na Inglaterra, contudo, a engenharia civil tem origem diversa. A esse respeito escreve Ashton:

"Entre as novas atividades que nasceram dentro do movimento efetuado no século XVIII, talvez a de maior importância tenha sido a engenharia. Afirma-se que o engenheiro civil, tal como o conhecemos hoje em dia, é o descendente em linha reta do sapador militar, que começou suas funções nas guerras do século XVII; contudo, sem embargo do desenvolvimento de outros países europeus, deve-se afirmar que, na Inglaterra, não foram as necessidades estratégicas, mas as comerciais que acarretaram as melhorias nas vias de comunicação: os homens que construíram os novos caminhos - pontes, canais e estradas de ferro - foram civis empregados não pelo Estado senão por companhias e homens de empresa desejosos de desenvolver o comércio da região de onde retiravam seus ganhos pessoais".

Ashton refuta a tese simplista de que a inovação tecnológica deveu-se "a obscuros construtores de moinhos, carpinteiros ou relojoeiros sem conhecimentos teóricos". Segundo o comprova, tais relatos ocultam o fato da existência de um pensamento sistemático atrás da maior parte das invenções industriais.

Ashton aponta ainda para a continuidade dos progressos técnicos na agricultura, depois de 1760, entre estes os novos métodos de drenagem, que permitiram incorporar novas terras ao processo produtivo; a  obtenção de espécies de animais mais produtivos, tanto de carne, leite como de lã, etc.  Observa que o próprio rei, Jorge III (nascido em 1738 e que reinou de 1760 a 1820, considerado como o responsável pela crise de que resultou a independências das colônias americanas), empenhou-se na melhoria da atividade agrícola; a Sociedade das Artes ofereceu prêmios para novos inventos e as sociedades de agricultores faziam grande propaganda dos benefícios alcançados.

Contudo, os progressos técnicos de que resultariam uma autêntica revolução na face da terra são aqueles que têm lugar na indústria. Esquematicamente, são apresentados a seguir, em ordem cronológica.

1761 - Construção do primeiro tear mecânico.

1769 - James Watt patenteia a máquina a vapor.

1770 - Cugnot, na França, constrói uma carruagem a vapor, que se revelou não ter possibilidades econômicas.

1779 - Termina a construção da primeira ponte de ferro.

1781-1782 - Watt conclui os aperfeiçoamentos na máquina a vapor que iriam permitir a sua utilização em escala industrial.

1787 - Começa a navegar o primeiro barco de ferro, com capacidade de vinte toneladas.

1791 - Cartwright firma um contrato para construir em Manchester a primeira grande fábrica com 400 teares movidos a vapor.

1795 - Conservação de alimentos por aquecimento em recipiente fechado (França. Appert).

1796 - Invenção, na Inglaterra, da prensa hidráulica.

1807 - Robert Fulton experimenta, com êxito, o barco a vapor no Rio Hudson, nos Estados Unidos.

1825 - George Stephenson consegue fazer correr a primeira locomotiva, razão pela qual é considerado o inventor da ferrovia.

1830 - Invenção da máquina de costura.

A introdução de máquinas na indústria têxtil inglesa encontrou uma vigorosa oposição dos trabalhadores manufatureiros. Para ser vencida, essa resistência exigiu uma feroz repressão. Em 1830, na indústria inglesa, para 55 mil teares a vapor, existiam 240 mil manuais. Em 1850, a situação está invertida: os teares mecânicos são 250 mil e os manuais menos de 40 mil.

Em 1851, a produção de carvão, na Inglaterra, alcança 57 milhões de toneladas, quase seis vezes superior à dos começos do século. A siderurgia inglesa passa das 250 mil toneladas, em 1810, para 2,3 milhões de toneladas em 1850.

A par do desenvolvimento industrial, tem início o grande ciclo de progresso nos sistemas de transporte, expresso na construção de ferrovias e no crescimento inusitado das frotas mercantes.

Quanto à tese de que a Revolução Industrial ter-se-ia limitado "a fazer os ricos mais ricos e os pobres mais pobres", afirma o seguinte: "Determinado historiador escreveu sobre "os desastres da revolução industrial". Se com isso se refere à circunstância de a época de 1760-1830 ter sido perturbada pelas guerras e lamentáveis carências que nela se verificaram, nada se poderá objetar à frase. Mas se quer dizer que as alterações técnicas e econômicas foram a própria causa dessas calamidades, então já a sua opinião é, evidentemente, falsa. O problema central da época era o de alimentar, vestir e empregar gerações de crianças em número muito superior aos tempos anteriores. A Irlanda teve de fazer face ao mesmo problema. Não o tendo resolvido, perdeu no decênio de 1840 cerca da quinta parte da população pela emigração, pela fome ou pela doença. Se a Inglaterra tivesse permanecido uma nação de lavradores e artífices, não teria escapado à mesma sorte ou, pelo menos, com o peso da crescente população, a sua força espiritual teria desaparecido. Libertou-se dessa ameaça não pela ação dos governantes, mas pela ação daqueles que, sem dúvida com objetivos limitados e muito seus, tiveram habilidade e recursos para inventar novos instrumentos de produção e novos métodos para dirigir a indústria. Hoje, nas planícies da Índia e da China, encontramos indivíduos cobertos de chagas e esfomeados, vivendo uma vida, pelo menos à primeira vista, pouco melhor do que a do gado que com eles trabalham diariamente e com o qual partilham durante a noite os lugares para dormirem. Esses padrões asiáticos e horrores não mecanizados são a sorte das regiões que aumentam o número dos seus habitantes, sem passarem por uma revolução industrial".


(1)  Senhor de um domínio real sobre determinada área da terra, transmissível a seus herdeiros, sujeito a pagamento de foro anual, em numerário ou em produtos.

(1)  A manufatura é o desdobramento do trabalho artesanal. Neste, cada indivíduo confecciona sozinho o produto inteiro enquanto a manufatura subdivide-o em peças, cuja confecção é atribuída a diversas pessoas. Seu aparecimento ocorre primeiramente na França de Luís XIV, alcançando grande desenvolvimento na Inglaterra, sobretudo no que se refere à indústria têxtil.

(2)  Em 1801, Manchester tinha 77 mil habitantes e Liverpool 82 mil. Em 1861, suas populações haviam evoluído, respectivamente, para 358 mil e 444 mil, evidenciando-se que, partindo da base constituída no século anterior, foi a Revolução Industrial que as mudou radicalmente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Voltar