Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A) Religião nos limites da simples razão, de Kant

O livro A religião nos limites da simples razão foi publicado quando Kant já divulgara o fundamental de seu pensamento nos estudos sobre a razão teórica (Crítica da razão pura, 1781) e sobre a razão prática (Fundamentação da metafísica dos costumes, 1785 e Crítica da razão prática, 1788). O próprio Kant, em 1787, numa carta particular, afirmara que as potências da alma eram três e não duas, a saber: a faculdade de conhecer, a que dedicara a primeira das críticas; A faculdade de querer (considerada nos seus estudos sobre moral), e o sentimento do prazer ou do desagrado, também denominado de faculdade estética, que estudará no livro Crítica do juízo (1790). Na verdade, na passagem do conhecimento teórico para a vida moral, a razão ficara verdadeiramente dividida em Kant, cisão que tentará superar no último livro.

Entretanto, do ponto de vista da tradição filosófica anterior à sua crítica, ficara de fora a teologia, o estudo da divindade ou da religião. Assim, sem considerar propriamente uma nova faculdade, dispõe-se a estudá-la na mencionada obra de 1793.

Em síntese, Kant irá engajar-se no movimento da religião natural, que considera como a única e verdadeira religião, inteiramente compatível com a razão. Assim, retira-se toda especificidade da religião, reduzindo-a à moral. Por essa via irá justificar a existência da igreja e da compatibilidade da religião cristã com a religião natural.

O livro está dividido em quatro partes. Na primeira e na segunda trata da questão do mal, denominando-as, respectivamente, de “Da inerência do mau princípio ao lado do bom ou do mal radical na natureza humana” e “Luta do bom princípio com o mau pela dominação do homem”. Na terceira parte estuda o papel da igreja (“Triunfo do bom princípio sobre o mau; estabelecimento de um Reino de Deus sobre a terra”) e, finalmente, na quarta, a compatibilidade da religião cristã com a religião natural (“Do verdadeiro e do falso culto sob a soberania do bom princípio ou da religião e do sacerdócio”).

Embora a discussão em torno do mal possa ser encontrada na filosofia grega, somente ganha dimensão própria com o cristianismo, sobretudo a partir de Santo Agostinho. Trata-se aqui do mal, entendido como uma questão moral (ou do pecado, no contexto religioso). Deus criou o mal ou consiste este numa invenção humana? Para Santo Agostinho, apoiando-se em indicações colhidas no platonismo, todo o criado o foi para o bem. Dizendo-o na linguagem metafísica a que recorre, o mal não é uma substância, isto é, não subsiste por si mesmo. É uma espécie de privação (ausência) do bem. Assim, a substância divina não possui o mal e nem o criaria como auto-sustentável. O mal (moral) tem sempre que estar referido a uma determinada situação. Segundo sua doutrina, o homem é livre para a prática do bem, mas, para tanto, precisa apoiar-se na graça divina.

Kant considera insolúvel o problema de saber se  o homem é originariamente bom ou mau. Essa questão irá examiná-la tomando como referência o que estabelecera no estudo da moral, vale dizer, que a ação humana pressupõe a formulação de máxima, espécie do enunciado subjetivo de caráter moral. Rejeita a hipótese de que possa haver máxima de sentido abertamente imoral, que pretenda tornar-se lei universal. Segundo a doutrina kantiana, para aferir a validade do seu comportamento, basta ao homem examinar se admitiria transformá-lo em lei universal, isto é, numa prática válida para todos.

No livro A religião nos limites da simples razão, Kant irá admitir que o homem tem uma tendência a turbar a nitidez da máxima por três graus ou aspectos: 1ª) pela fraqueza do coração humano quando se trata de se conformar às máximas, que denomina genericamente de fragilidade da natureza humana; 2ª) a tendência a mesclar motivos morais com imorais (impureza da natureza humana) e 3ª) a tendência a adotar máximas perversas (perversidade da natureza humana). Deste modo, mantém a arquitetônica que havia estabelecido e evitar derivar da experiência a presença do mal no mundo, fazendo-o a partir de análise estritamente conceitual.

Kant examina minuciosamente a luta dos dois princípios, a fim de alcançar a dominação do homem, para concluir que precisa de alguma espécie de socorro, de modo que o desfecho seja favorável ao bem. Numa observação conclusiva da segunda parte trata de eliminar a alternativa que a crença no milagre poderia representar. A vitória do bem moral há de requerer esforço próprio do homem.

Finalmente, na terceira parte, desenvolve a tese de que, pelo simples fato de encontrar-se em sociedade, o homem é tentado à prática do mal, razão pela qual precisa do socorro de uma instituição que o ampare e estimule a persistir na condição de ser moral. Essa instituição é a igreja. E, assim, virtualmente, a igreja é despojada de toda transcendência, reduzindo-se a uma instância moral.

Desinteressada de aparecer ao mundo como vinculada ao movimento batizado de Ilustração, depois da morte de Frederico, o Grande, falecido em 1786, a monarquia prussiana proibiu a circulação do livro comentado e instou Kant a abandonar seu empenho de “desfigurar e menosprezar muitas doutrinas fundamentais e capitais da Escritura”. (Ver também KANT).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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