(A)
Religião nos
limites da simples razão, de
Kant
O livro A religião
nos limites da simples razão foi
publicado quando Kant já divulgara
o fundamental de seu pensamento
nos estudos sobre a razão
teórica (Crítica
da razão pura, 1781)
e sobre a razão prática
(Fundamentação
da metafísica dos costumes,
1785 e Crítica da
razão prática,
1788). O próprio Kant,
em 1787, numa carta particular,
afirmara que as potências
da alma eram três e não
duas, a saber: a faculdade
de conhecer, a que dedicara
a primeira das críticas; A
faculdade de querer (considerada
nos seus estudos sobre moral),
e o sentimento do prazer
ou do desagrado, também
denominado de faculdade estética,
que estudará no livro Crítica
do juízo (1790).
Na verdade, na passagem do conhecimento
teórico para a vida moral,
a razão ficara verdadeiramente
dividida em Kant, cisão
que tentará superar no último
livro.
Entretanto, do ponto de vista
da tradição filosófica
anterior à sua crítica,
ficara de fora a teologia,
o estudo da divindade ou da religião.
Assim, sem considerar propriamente
uma nova faculdade, dispõe-se
a estudá-la na mencionada
obra de 1793.
Em síntese, Kant irá engajar-se
no movimento da religião
natural, que considera como a única
e verdadeira religião,
inteiramente compatível
com a razão. Assim, retira-se
toda especificidade da religião,
reduzindo-a à moral. Por
essa via irá justificar
a existência da igreja
e da compatibilidade da religião
cristã com a religião
natural.
O livro está dividido
em quatro partes. Na primeira
e na segunda trata da questão
do mal, denominando-as, respectivamente,
de “Da inerência
do mau princípio ao lado
do bom ou do mal radical na natureza
humana” e “Luta do
bom princípio com o mau
pela dominação
do homem”. Na terceira
parte estuda o papel da igreja
(“Triunfo do bom princípio
sobre o mau; estabelecimento
de um Reino de Deus sobre a terra”)
e, finalmente, na quarta, a compatibilidade
da religião cristã com
a religião natural (“Do
verdadeiro e do falso culto sob
a soberania do bom princípio
ou da religião e do sacerdócio”).
Embora a discussão em
torno do mal possa ser encontrada
na filosofia grega, somente ganha
dimensão própria
com o cristianismo, sobretudo
a partir de Santo Agostinho.
Trata-se aqui do mal, entendido
como uma questão moral
(ou do pecado, no contexto religioso).
Deus criou o mal ou consiste
este numa invenção
humana? Para Santo Agostinho,
apoiando-se em indicações
colhidas no platonismo, todo
o criado o foi para o bem. Dizendo-o
na linguagem metafísica
a que recorre, o mal não é uma
substância, isto é,
não subsiste por si mesmo. É uma
espécie de privação
(ausência) do bem. Assim,
a substância divina não
possui o mal e nem o criaria
como auto-sustentável.
O mal (moral) tem sempre que
estar referido a uma determinada
situação. Segundo
sua doutrina, o homem é livre
para a prática do bem,
mas, para tanto, precisa apoiar-se
na graça divina.
Kant considera insolúvel
o problema de saber se o
homem é originariamente
bom ou mau. Essa questão
irá examiná-la
tomando como referência
o que estabelecera no estudo
da moral, vale dizer, que a ação
humana pressupõe a formulação
de máxima, espécie
do enunciado subjetivo de caráter
moral. Rejeita a hipótese
de que possa haver máxima
de sentido abertamente imoral,
que pretenda tornar-se lei universal.
Segundo a doutrina kantiana,
para aferir a validade do seu
comportamento, basta ao homem
examinar se admitiria transformá-lo
em lei universal, isto é,
numa prática válida
para todos.
No livro A religião
nos limites da simples razão,
Kant irá admitir que o
homem tem uma tendência
a turbar a nitidez da máxima
por três graus ou aspectos:
1ª) pela fraqueza do coração
humano quando se trata de se
conformar às máximas,
que denomina genericamente de fragilidade
da natureza humana; 2ª)
a tendência a mesclar motivos
morais com imorais (impureza
da natureza humana) e 3ª)
a tendência a adotar máximas
perversas (perversidade da
natureza humana). Deste
modo, mantém a arquitetônica
que havia estabelecido e evitar
derivar da experiência
a presença do mal no mundo,
fazendo-o a partir de análise
estritamente conceitual.
Kant examina minuciosamente a
luta dos dois princípios,
a fim de alcançar a dominação
do homem, para concluir que precisa
de alguma espécie de socorro,
de modo que o desfecho seja favorável
ao bem. Numa observação
conclusiva da segunda parte trata
de eliminar a alternativa que
a crença no milagre poderia
representar. A vitória
do bem moral há de requerer
esforço próprio
do homem.
Finalmente, na terceira parte,
desenvolve a tese de que, pelo
simples fato de encontrar-se
em sociedade, o homem é tentado à prática
do mal, razão pela qual
precisa do socorro de uma instituição
que o ampare e estimule a persistir
na condição de
ser moral. Essa instituição é a
igreja. E, assim, virtualmente,
a igreja é despojada
de toda transcendência,
reduzindo-se a uma instância
moral.
Desinteressada de aparecer ao
mundo como vinculada ao movimento
batizado de Ilustração,
depois da morte de Frederico,
o Grande, falecido em 1786, a
monarquia prussiana proibiu a
circulação do livro
comentado e instou Kant a abandonar
seu empenho de “desfigurar
e menosprezar muitas doutrinas
fundamentais e capitais da Escritura”.
(Ver também KANT).
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