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                                              Dicionário das Obras
                                                        Básicas da Cultura Ocidental
 
 Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z 
                                                (O) Que é a propriedade, deProudhon O que é a propriedade,
                                                publicado em 1840, consiste numa
                                                tentativa do autor, Pierre-Joseph
                                                Proudhon, de dar continuidade à meditação
                                                de Rousseau, associando-a ao
                                                movimento socialista que assumiu
                                                uma expressão concreta
                                                na França de seu tempo.
                                                Rousseau havia postulado que,
                                                eliminando-se as instituições
                                                opressoras criadas pela sociedade
                                                e permitindo-se a emergência
                                                da vontade geral, o povo saberia
                                                encontrar o seu destino numa
                                                espécie de assembléia
                                                permanente. Os rumos seguidos
                                                pela Revolução
                                                Francesa mostraram o caráter
                                                ilusório daquela postulação.
                                                Entretanto, as gerações
                                                seguintes passaram a entender
                                                que semelhante desfecho não
                                                significava a impossibilidade
                                                de uma sociedade justa. A linhagem
                                                Saint Simon, Fourrier e Augusto
                                                Comte tratou de comprovar que,
                                                pela constituição
                                                de uma ciência da sociedade,
                                                pode-se chegar a um consistente
                                                projeto de reforma social. Agora
                                                o governo é uma questão
                                                de competência. O que é a
                                                propriedade reflete esse
                                                conjunto de influências.
                                                O homem é bom e o progresso é possível,
                                                como queria Rousseau. Ainda assim,
                                                tal resultado não advirá espontaneamente
                                                mas de descobertas científicas
                                                que indiquem, de modo preciso,
                                                o caminho a seguir. A contribuição
                                                de Proudhon consiste em pretender
                                                sofisticar essa argumentação,
                                                acrescentando-lhe a dialética
                                                hegeliana. A sua proposta é apresentada
                                                como uma síntese de uma
                                                tese e de uma antítese
                                                anteriores. Por tudo isto considera-se
                                                que influi sobremaneira no pensamento
                                                de Carlos Marx, cujo socialismo
                                                científico ter-se-ia inspirado
                                                em Proudhon. O rompimento entre
                                                os dois, que se deu mais tarde,
                                                decorreria do empenho de Marx
                                                de defender, a todo custo, a
                                                originalidade de sua doutrina.
 O que é a propriedade contém
                                                  de início, é a
                                                  apresentação
                                                  do método que seguirá o
                                                  autor. Consiste em tentar provar
                                                  que a Revolução
                                                  Francesa buscou cumprir o legado
                                                  de Cristo no tocante à realização
                                                  da justiça mas fracassou
                                                  porque os grandes textos que
                                                  a definem – O contrato
                                                  social, de Rousseau, e O
                                                  que é o Terceiro Estado,
                                                  de Sieves(1) – não
                                                  atentaram para a questão
                                                  central.  A Revolução
                                                  proclamou que todos os homens
                                                  são iguais por natureza
                                                  e perante a lei. A igualdade
                                                  natural não corresponderia
                                                  a atributos físicos
                                                  ou psíquicos mas à igualdade
                                                  civil e política. Portanto,
                                                  bastaria ter feito referência
                                                  ao segundo aspecto. E acrescenta: “Mas
                                                  o que é a igualdade
                                                  perante a lei? A Constituição
                                                  de 1790, a de 93, a Grande
                                                  Carta (1814) e tampouco a Carta “aceita” (1815)
                                                  foram capazes de defini-la.
                                                  Admitem a desigualdade de fortuna
                                                  e de status, de todo incompatíveis
                                                  com a mais tênue igualdade
                                                  de direitos. A esse respeito
                                                  pode-se dizer que todas as
                                                  nossas Constituições
                                                  foram expressões infiéis
                                                  da vontade popular”.
 
 Depois de apresentar fatos que,
                                                a seu ver, comprovariam terem
                                                sido sucessivamente marginalizados
                                                os despossuídos, afirma
                                                que os três princípios
                                                fundamentais da sociedade moderna,
                                                consagrados pela Revolução
                                                Francesa são 1) o despotismo;
                                                2) a desigualdade de renda e
                                                3) a propriedade. Sua investigação
                                                destina-se a examinar se essas
                                                idéias estão em
                                                harmonia com a primitiva noção
                                                de justo. Sua análise
                                                subseqüente concentra-se
                                                na refutação das
                                                justificativas da existência
                                                da propriedade. De início
                                                a doutrina de que corresponderia
                                                a um direito natural (Capítulo
                                                2) e, no seguinte (Capítulo
                                                3) de que proviria do trabalho.
 
 O argumento contra a tese de
                                                que a propriedade seria um direito
                                                natural repousa na análise
                                                dos textos constitucionais que
                                                a consideram inviolável,
                                                juntamente com a segurança
                                                e a liberdade. Entende que aquele
                                                atributo (a inviolabilidade)
                                                somente se aplicaria aos dois últimos.
                                                Associa-o também à manutenção
                                                do status quo e à injustiça
                                                de conservar na pobreza à imensa
                                                maioria, a pretexto daquela inviolabilidade.
                                                Também a idéia
                                                de que seria proveniente da ocupação
                                                parece-lhe insubsistente porquanto
                                                seria uma usurpação
                                                da parte do primeiro ocupante.
 
 Quanto à teoria de que
                                                o valor da propriedade provém
                                                do trabalho (das benfeitorias)
                                                que ali tenha sido realizado,
                                                a crítica de Proudhon
                                                tangencia o essencial. Essa doutrina
                                                surgiu nos países protestantes
                                                e tinha sobretudo o propósito
                                                de enaltecer a riqueza, condenada
                                                pelos católicos. Subsidiariamente,
                                                tratava-se de negar ao monarca
                                                o direito de revogar os títulos
                                                daqueles nobres em luta contra
                                                o absolutismo. Proudhon fixa-se
                                                na tese de que contradiz a legislação
                                                francesa, segundo entende sustentada
                                                pela doutrina da ocupação.
                                                Adicionalmente, afirma que a
                                                terra, como os mares, não
                                                pode ser apropriada por ninguém.
 
 Nesse texto, Proudhon resume
                                                a argumentação
                                                de Saint Simon e de Fourrier
                                                em favor do socialismo. Se o
                                                trabalho justifica a propriedade,
                                                os trabalhadores é que
                                                detêm o seu direito. E,
                                                assim, conclui, a doutrina em
                                                causa destrói a propriedade.
 
 O quarto e último capítulo
                                                está dedicado a provar
                                                a impossibilidade da propriedade.
                                                Esquematicamente, as teses são
                                                as seguintes a propriedade é impossível,
                                                porque 1) exige que se retire
                                                algo do nada; 2) onde quer que
                                                exista, a produção
                                                custa mais que o seu valor; 3)
                                                dado um determinado capital,
                                                a produção é proporcional
                                                ao trabalho e não à  propriedade;
                                                4) trata-se de um homicídio;
                                                5) com a sua existência,
                                                a sociedade devora a si mesma;
                                                6) é a mãe da tirania;
                                                7) usando-a como capital, volta-se
                                                contra a produção;
                                                8) seu poder de acumulação é infinito,
                                                enquanto se exerce sobre quantidades
                                                finitas; e, finalmente, 8) consiste
                                                na maior negação
                                                da igualdade.
 
 A conclusão da obra está  apresentada
                                                desde o começo: a
                                                propriedade  é um roubo.
                                                Proudhon não poderia supor
                                                que o capitalismo seria capaz
                                                de promover a distribuição
                                                de renda e disseminar a propriedade.
                                                No fundo, acreditava na hipótese
                                                de Marx segundo a qual formar-se-iam
                                                dois pólos, ambos absolutos,
                                                o da natureza e o da riqueza.
                                                Quando Lenine percebeu a emergência,
                                                na Europa, de uma camada de operários
                                                bem remunerados, chamou-os de  “aristocracia
                                                operária”, imaginando
                                                que a distribuição
                                                de renda não daria outros
                                                passos. O equívoco de
                                                Proudhon condenou sua obra ao
                                                completo esquecimento. De todos
                                                os modos, enfatizou sobretudo
                                                o aspecto moral do socialismo,
                                                ajudando essa corrente a se transformar
                                                num segmento importante da realidade
                                                de nosso tempo, no Ocidente,
                                                ao contrário do cientificismo
                                                de Marx que se identificou sobretudo
                                                com tradições orientais,
                                                a exemplo do despotismo.
 
                                                
                                                  
                                                    (1)  Joseph
                                                    Sieyes (1748-1836), vigário
                                                    geral de Chartres, ganhou
                                                    popularidade com o livro
                                                    indicado, aparecido em 1789,
                                                    que o tornaria, durante a
                                                    Revolução,
                                                    figura expressiva, presidente
                                                    do denominado “Quinhentos”,
                                                    que exerceu o poder em 1795,
                                                    depois membro do Diretório
                                                    (1799). Prepara com Bonaparte
                                                    o golpe que leva este último
                                                    ao poder, tornando-se Cônsul,
                                                    personalidades com as quais
                                                    Bonaparte governou de início.
                                                    Veio a ser afastado do poder
                                                    mas, ainda assim, cumulado
                                                    de honras. O que é o
                                                    Terceiro Estado  incendiou
                                                    as mentes porque defendia
                                                    a hipótese de que,
                                                    o Terceiro Estado (os burgueses,
                                                    basicamente, desde que os
                                                    dois outros correspondiam à nobreza
                                                    e ao clero) não sendo
                                                    nada no regime vigente, poderia
                                                    ser tudo, se a tanto se dispusesse.                    Voltar |  
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