Princípios de política,
de Benjamin Constant
Benjamin Constant foi o pensador
liberal que enfrentou, em caráter
pioneiro, as questões
teóricas suscitadas pela
Revolução Francesa.
A primeira delas dizia respeito à denominada soberania
geral (ou popular), em nome
da qual passou a ser exercido
o poder, que, além das
atribuições clássicas,
deveria promover a virtude, mesmo às
custas de sucessivos banhos de
sangue, como de fato ocorreu.
As emanadas do novo sistema expressariam
a vontade geral, conceito
popularizado por Jean-Jacques
Rousseau.
Esse corpo doutrinário,
em vista de que emergira na luta
contra a monarquia absoluta,
chegou a ser batizado de “liberalismo
radical”, denominação
totalmente inapropriada. No período
recente, preferiu-se chamá-lo
de democratismo porquanto
nada tem a ver com democracia,
como se viu da atuação
de seus herdeiros totalitários
neste século.
Constant não rejeita a
idéia de soberania popular.
Mas estabelece que não
compete a nenhum indivíduo
ou grupo social, em seu nome
submeter o restante da população.
Ademais, é falso que a
sociedade em seu todo possua
sobre seus membros soberania
sem limite. Depois de proceder à avaliação
crítica das teorias defendidas
no Contrato Social,
escreve o seguinte: “Os
cidadão possuem direitos
individuais independentes de
toda autoridade social ou política,
e toda autoridade que viole esses
direitos torna-se ilegítima.
Os direitos dos cidadãos
são a liberdade individual,
a liberdade religiosa, a liberdade
de opinião, na qual se
compreende a liberdade de imprensa,
o usufruto de sua propriedade
e garantias conta todo arbítrio”.
E mais: “Os representantes
de uma nação não
têm o direito de conquista,
ou sem o consentimento popular,
o uso de poderes sem limites.
Deus, se intervém nas
coisas humanas, somente sanciona
a justiça. O direito de
conquista não é senão
a força, jamais um direito”.
Para limitar a soberania é necessário
encontrar instituições
políticas capazes de permitir
que se expressem os diversos
interesses. No entendimento de
Constant, o arranjo institucional
que facultará tal possibilidade
consiste na monarquia constitucional,
subdividida em cinco poderes,
a saber: Poder Real; Executivo;
Representação da
permanência; Representação
da opinião e Judiciário.
O Poder Real correspondente ao
que, na Constituição
brasileira de 1824, foi chamado
de Poder Moderador. O que designa
como “representação
da permanência” equivale
ao órgão vitalício
e hereditário, que em
alguns países correspondia
ao Senado e, na Inglaterra, à Câmara
dos Lordes.
Comentando esse arranjo institucional,
Ubiratan Macedo escreve o seguinte: “Outra
tese de Benjamin Constant que
teve grande curso seria atribuição
de um papel especial ao Monarca,
... que veio a ser conhecido
como Poder Moderador. Na fase
em viveu o nosso autor, a questão
não se resumia à harmonia
entre o Judiciário e o
Executivo ou entre este e o Parlamento.
A rigor não existia Parlamento
mas duas Câmaras separadas
e freqüentemente em conflito.
Havia também atritos entre
o Rei e seus Ministros, num tempo
em que somente na Inglaterra
se consagra a figura do Primeiro
Ministro. De sorte que tem toda
pertinência a idéia
de criar-se uma outra Magistratura,
com atribuições
de exercitar a coordenação
dos vários poderes, pairando
acima deles como árbitro.
Essa doutrina deve ser avaliada à luz
da circunstância concreta
em que apareceu. Em sua época
a idéia era absolutamente
válida e, de certo modo,
imprescindível, porquanto
o sistema de governo constitucional,
inaugurador de uma nova realidade
de poder descentralizado, ainda
não havia formado os mecanismos
coordenadores que se criariam
de formas múltiplas, segundo
a experiência de cada país” (O
liberalismo doutrinário in
Evolução histórica
do liberalismo, Belo Horizonte,
Itatiaia, 1987, p. 38).
Constant examina cada uma das
mencionadas instâncias,
caracterizando-as e definindo-lhe
funções específicas.
O livro contém uma tese
inovadora acerca da representação
política, que sobreviveria
ao longo do tempo. Trata-se da
definição de que
seria de interesses. Admite,
como avançou Rousseau,
a existência de um interesse
geral (nacional, digamos), mas
recusa a hipótese de que
estaria obrigatoriamente contraposto
aos interesses individuais e
de grupos. Ao contrário
disto, o interesse geral resulta
da mediação entre
os interesses reais, incumbência
da representação
política. Ao estabelecê-lo,
determina de pronto qual o papel
que à Assembléia
cabe desempenhar.
Constant postula ainda a existência
do que denomina de “interesses
de todos”, distintos do
interesse geral. Este configuraria
esfera de atuação
do Estado, enquanto o primeiro
deve estar a salvo tanto da ingerência
estatal como da negociação.
Diríamos hoje que tem
em vista os direitos da pessoa,
isto é, os direitos civis
e políticos (a questão
dos direitos sociais ainda não
surgira). Constant exemplifica
com a liberdade religiosa, enfatizando
que o Estado deve limitar-se
a assegurá-la, sem pretender
imiscuir-se na escolha individual,
direito este que cabe manter
a salvo da barganha e da negociação,
sendo inalienável.
O livro contém uma análise
sistemática de todas as
questões relacionadas à nova
forma de governo, isto é,
ao sistema representativo. Enfatiza
a necessidade de delimitar as áreas
em que se dará a escolha
- o que depois chamou-se de distrito
eleitoral, inclinando-se pela
eleição em dois
graus, sistema que vigorou no
Brasil imperial, até a
década de oitenta, a exemplo
do que ocorria em diversos outros
países. Considera também
a extensão do sufrágio,
limitando-o como era de praxe
na época, bem como o processo
eleitoral.
Louvando-se da experiência
da Revolução Francesa,
entende por bem fixar a forma
de funcionamento da Câmara,
discutindo a iniciativa da leis.
O Executivo é igualmente
caracterizado, referindo-se inclusive à responsabilidade
dos ministros. Não escapa à sua
atenção as atribuições
do poder municipal e a organização
da Forças Armadas num
Estado constitucional. Cada um
dos principais direitos é considerado
de per si.
Bem consideradas as coisas, os Princípios
de Política fixaram
a estrutura que deve ser adotada
numa Constituição
que se proponha regular o funcionamento
do sistema representativo. (Ver
também CONSTANT,
Benjamin).
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