Odisséia, de
Homero
Do mesmo modo que a Ilíada, a Odisséia subdivide-se
em 24 Cantos. Ainda que esta última tenha por objeto o regresso, à sua
terra natal (Ítaca), de Ulisses (Odisseu, em grego), um dos principais
heróis da guerra de Tróia (objeto do primeiro livro), as duas obras
são complementares. A Ilíada trata de um incidente relacionado àquele
conflito e o deixa inconcluso. O desfecho seria proporcionado por uma iniciativa
de Ulisses. Consistiu em construir um grande cavalo de madeira, no seu interior
esconder guerreiros gregos e simular a retirada dos navios, fazendo crer que
estariam regressando à Grécia. Os troianos introduziram o cavalo
no interior da muralha, permitindo aos gregos destruir a cidade, e conquistar
a vitória. Toda essa trama não figura na Ilíada mas
na Odisséia. É referida uma primeira vez no Canto VII,
por um cancioneiro (Demódoco) e, depois, pelo próprio Ulisses (Canto
XI). Nesse canto, quando Ulisses visita Hades (local onde se encontram as alma
dos mortos) fica-se sabendo da morte de muitos dos participantes da guerra de
Tróia, entre estes Aquiles. Também o relato da sorte de Agamenon,
comandante das tropas que, de regresso à Grécia, foi morto pelo
amante da mulher, figura na Odisséia. A história de Agamenon
e descendência, presente na tragédia grega, foi amplamente popularizada
no Ocidente.
Os primeiros Cantos passam-se em Ítaca. São transcorridos quase
vinte anos e Ulisses acha-se desaparecido. Os pretendentes a casar-se com Penélope,
sua mulher, supostamente viúva, ocupam a propriedade e levam uma vida
farta, delapidando o seu patrimônio. Penélope promete uma decisão
quando terminar de tecer uma peça. Mas consegue protelá-la indefinidamente
desde que desmancha à noite os progressos diurnos. O filho (Telemâco),
por iniciativa da deusa Atenas, visita os vizinhos em busca de notícias
de Ulisses. Atenas decide intervir junto a Zeus no sentido de fazer cessar a
ação das outras divindades que têm impedido o regresso de
Ulisses.
O relato da odisséia de Ulisses começa no Canto V. São peripécias
fantásticas. Há uma deusa que, desejando-o para amante, consegue
enfeitiçá-lo, retendo-o numa ilha. Aporta em outro local onde há um
gigante de um olho só. Ulisses consegue embebedá-lo, cegando-o
com uma tocha encandescente. Carlos Alberto Nunes, grande conhecedor da cultura
grega, tradutor dos dois poemas, acha que, pelo núcleo central de sua
história, a Odisséia carece de especificidade. Como que
seria a invenção de eventos extraordinários, presentes à fantasia
dos marinheiros nos diversos ciclos históricos. Contudo, do mesmo modo
que a Ilíada, constitui uma fonte inspiradora da cultura clássica
grega do século V, que se transformou numa espécie de marca registrada
daquela civilização.
A partir do Canto XVI aparecem os incidentes relacionados ao regresso de Ulisses
a Ítaca. Disfarçado, somente deixa-se reconhecer pelo filho. Faz
chegar a Penélope a sugestão de tomar por critério para
a escolha do pretendente a capacidade de vergar um arco, que lhe pertencera,
tornando-o apto a desfechar flechas. Como esperava, nenhum dos pretendentes consegue
fazê-lo. Chegando a sua vez, Ulisses flexiona o arco e usa-o como arma
para matar aos pretendentes. Penélope reluta em reconhecê-lo mas
afinal se convence.
No Canto seguinte à morte dos pretendentes (Canto XXIV), a preocupação
de Ulisses é obter a compreensão do pai, Laertes, já que
sua reação trazia a ameaça de guerra civil, que somente
por Laertes poderia ser conduzida, em que pese a sua idade. Esse relato torna
patente que, na época descrita, a família patriarcal correspondia
ao tipo existente de organização familiar. O conhecido sociólogo
norte-americano, Robert Nisbet, defende a tese(1) de
que a existência do chamado “milagre grego” – isto é,
o extraordinário florescimento cultural do século V e parte do
IV – somente existiu porque o poder da família patriarcal veio a
ser enfraquecido pelas reformas introduzidas no final do século VI. Essa
opinião parece muito pertinente, a julgar pela estagnação
em que mergulharam muitas sociedades vizinhas da Grécia – caso do
Afeganistão, por exemplo – sendo que a família patriarcal
ali sobreviveu até os nossos dias.
Depois de havê-lo sondado e não sendo reconhecido, Ulisses afinal
dá-se a conhecer e diz-lhe, com certa apreensão: “matei os
pretendentes em nossa casa; vingando os crimes por eles cometidos, vinguei minha
honra”. Depois de banhado e ungido em óleo, Laertes, antes alquebrado,
está “semelhante aos deuses imortais” e logo fala do tempo
em que, à frente de seu exército, realizou grandes feitos. Assume
plenamente a condição de patriarca da família e ocupa o
seu posto na ameaça de guerra civil, que se esboça no final do
Canto, mas não chega a consumar-se. (Ver também Ilíada,
de HOMERO e NISBET, Robert).
(1) Cf
.
Os filósofos sociais,
tradução brasileira
pela Editora UnB (Coleção
Pensamento Político;
vol. 59).
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