Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Odisséia, de Homero

Do mesmo modo que a Ilíada, a Odisséia subdivide-se em 24 Cantos. Ainda que esta última tenha por objeto o regresso, à sua terra natal (Ítaca), de Ulisses (Odisseu, em grego), um dos principais heróis da guerra de Tróia (objeto do primeiro livro), as duas obras são complementares. A Ilíada trata de um incidente relacionado àquele conflito e o deixa inconcluso. O desfecho seria proporcionado por uma iniciativa de Ulisses. Consistiu em construir um grande cavalo de madeira, no seu interior esconder guerreiros gregos e simular a retirada dos navios, fazendo crer que estariam regressando à Grécia. Os troianos introduziram o cavalo no interior da muralha, permitindo aos gregos destruir a cidade, e conquistar a vitória. Toda essa trama não figura na Ilíada mas na Odisséia. É referida uma primeira vez no Canto VII, por um cancioneiro (Demódoco) e, depois, pelo próprio Ulisses (Canto XI). Nesse canto, quando Ulisses visita Hades (local onde se encontram as alma dos mortos) fica-se sabendo da morte de muitos dos participantes da guerra de Tróia, entre estes Aquiles. Também o relato da sorte de Agamenon, comandante das tropas que, de regresso à Grécia, foi morto pelo amante da mulher, figura na Odisséia. A história de Agamenon e descendência, presente na tragédia grega, foi amplamente popularizada no Ocidente.

Os primeiros Cantos passam-se em Ítaca. São transcorridos quase vinte anos e Ulisses acha-se desaparecido. Os pretendentes a casar-se com Penélope, sua mulher, supostamente viúva, ocupam a propriedade e levam uma vida farta, delapidando o seu patrimônio. Penélope promete uma decisão quando terminar de tecer uma peça. Mas consegue protelá-la indefinidamente desde que desmancha à noite os progressos diurnos. O filho (Telemâco), por iniciativa da deusa Atenas, visita os vizinhos em busca de notícias de Ulisses. Atenas decide intervir junto a Zeus no sentido de fazer cessar a ação das outras divindades que têm impedido o regresso de Ulisses.

O relato da odisséia de Ulisses começa no Canto V. São peripécias fantásticas. Há uma deusa que, desejando-o para amante, consegue enfeitiçá-lo, retendo-o numa ilha. Aporta em outro local onde há um gigante de um olho só. Ulisses consegue embebedá-lo, cegando-o com uma tocha encandescente. Carlos Alberto Nunes, grande conhecedor da cultura grega, tradutor dos dois poemas, acha que, pelo núcleo central de sua história, a Odisséia carece de especificidade. Como que seria a invenção de eventos extraordinários, presentes à fantasia dos marinheiros nos diversos ciclos históricos. Contudo, do mesmo modo que a Ilíada, constitui uma fonte inspiradora da cultura clássica grega do século V, que se transformou numa espécie de marca registrada daquela civilização.

A partir do Canto XVI aparecem os incidentes relacionados ao regresso de Ulisses a Ítaca. Disfarçado, somente deixa-se reconhecer pelo filho. Faz chegar a Penélope a sugestão de tomar por critério para a escolha do pretendente a capacidade de vergar um arco, que lhe pertencera, tornando-o apto a desfechar flechas. Como esperava, nenhum dos pretendentes consegue fazê-lo. Chegando a sua vez, Ulisses flexiona o arco e usa-o como arma para matar aos pretendentes. Penélope reluta em reconhecê-lo mas afinal se convence.

No Canto seguinte à morte dos pretendentes (Canto XXIV), a preocupação de Ulisses é obter a compreensão do pai, Laertes, já que sua reação trazia a ameaça de guerra civil, que somente por Laertes poderia ser conduzida, em que pese a sua idade. Esse relato torna patente que, na época descrita, a família patriarcal correspondia ao tipo existente de organização familiar. O conhecido sociólogo norte-americano, Robert Nisbet, defende a tese(1) de que a existência do chamado “milagre grego” – isto é, o extraordinário florescimento cultural do século V e parte do IV – somente existiu porque o poder da família patriarcal veio a ser enfraquecido pelas reformas introduzidas no final do século VI. Essa opinião parece muito pertinente, a julgar pela estagnação em que mergulharam muitas sociedades vizinhas da Grécia – caso do Afeganistão, por exemplo – sendo que a família patriarcal ali sobreviveu até os nossos dias.

Depois de havê-lo sondado e não sendo reconhecido, Ulisses afinal dá-se a conhecer e diz-lhe, com certa apreensão: “matei os pretendentes em nossa casa; vingando os crimes por eles cometidos, vinguei minha honra”. Depois de banhado e ungido em óleo, Laertes, antes alquebrado, está “semelhante aos deuses imortais” e logo fala do tempo em que, à frente de seu exército, realizou grandes feitos. Assume plenamente a condição de patriarca da família e ocupa o seu posto na ameaça de guerra civil, que se esboça no final do Canto, mas não chega a consumar-se.  (Ver também Ilíada, de HOMERO e NISBET, Robert).


(1) Cf. Os filósofos sociais, tradução brasileira pela Editora UnB (Coleção Pensamento Político; vol. 59).

 

 

 

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