Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Novum Organum, de Francis Bacon

O Novum Organum (1620) é considerado como a ata inaugural da filosofia inglesa moderna. Enquanto no continente, pouco mais tarde, com René Descartes (1596/1650), a busca de uma filosofia que fosse capaz de substituir o aristotelismo iria partir do raciocínio dedutivo, Francis Bacon (1561/1626)  reabilitará o prestígio da indução e, correlativamente, da experiência. No plano da elaboração filosófica, a Idade Média iria notabilizar-se pela busca incessante da precisão conceitual, prescindindo completamente da invocação de indicadores provenientes da experiência, por considerar que a indução não era boa conselheira, na medida em que nunca poderia esgotar a série completa desse ou daquele exemplo suscitado.

 Francis Bacon estudou na Universidade de Cambridge (Trinity College) e começou a participar da vida pública da Inglaterra no reinado de Elisabete I (de 1558 a 1603). Elegeu-se para o Parlamento em 1584, aos 23 anos de idade, sendo eleito pela segunda vez em 1593. No período de Jaime I (reinou de 1603 a 1625) ocupou altos postos na Administração, tendo chegado a Lorde Chanceler e recebido o título de Barão de Verulam. Acabaria entretanto por perder esse prestígio, tendo inclusive problemas com a Justiça que o proibiu de disputar eleições para o Parlamento (1621)
Na época de Bacon, pelo que tinha de mais expressivo, a elite abandonara o catolicismo e achava-se integrada ao calvinismo da Igreja Anglicana. A disputa religiosa passara a dar-se entre anglicanos e dissidentes, também chamados de puritanos na medida em que se rebelavam contra a preservação, pela Igreja Anglicana, dos sinais exteriores provenientes de Roma, como as vestes dos sacerdotes, e até a denominação de Bispo e Arcebispo. Entretanto, do ponto de vista filosófico ainda não se dera o ajuste de contas com a tradição aristotélica. O próprio Bacon deixara registrado que o seu tutor em Cambridge “achava-se prisioneiro de poucos autores, chefiados por Aristóteles, seu ditador”.

Ainda que a obra indicada é que lhe tenha assegurado lugar na posteridade, publicou numerosos ensaios e diversos outros livros. Entre estes, o Advancement of Learning está ilustrado com as colunas de Hércules e um navio prestes a transpô-las, alegoria que na dedicatória explica tratar-se da presença de uma estrela que o guiará na transposição daqueles limites, em se tratando do conhecimento. Certamente Bacon acreditava que o seu tratado corresponderia àquela estrela. Tomas Hobbes (1588/1679), mais tarde pensador famoso, trabalhou como seu secretário.

Com a publicação do Novum Organum scientiarum, Bacon selava a sorte do aristotelismo e dotava os ingleses de uma alternativa. Ainda que os desdobramentos ulteriores tivessem evidenciado que a sua proposta não chegava a atribuir um novo objeto à filosofia, indicou claramente que a verdade não dependia nem se fundava em nenhum raciocínio silogístico, que é meramente formal. Encontra-se na exclusiva dependência do experimento e da experiência, guiados pelo raciocínio indutivo. Assim, com essa doutrina procurou encaminhar os espíritos no sentido de se livrarem da lógica aristotélica e da teologia natural platônica. Seus ensinamentos foram batizados de nova filosofia e de filosofia experimental.

O rigor com que Bacon postulava a experimentação não poderia ter deixado de calar fundo naqueles que estavam ansiosos por possuir um novo tipo de saber, deixando para trás o escolasticismo, agora detestado. Ainda que nos atendo apenas ao essencial, a argumentação adiante transcrita evidencia que não poderia deixar de impressionar vivamente o auditório predisposto a uma nova mensagem.

Segundo seu entendimento, a questão limita-se ao estabelecimento de regras rigorosas para a efetivação de inferências, partindo da observação do particular. Supunha que o vício sobre o qual repousa a indução incompleta consistia em reduzir-se a uma indução por simples enumeração, isto é, limitando-se à comprovação da existência de uma qualidade numa série algo extensa de fenômenos ou objetos, na ignorância dos fatos negativos. Para torná-la efetiva, preconizava a organização das chamadas tábuas de presença, de ausência e de graus, no exercício da indução incompleta. Seu fundamento reside na íntima conexão entre a forma (essência ou lei) e a natureza (propriedade do corpo ou fenômeno). Eis a regra geral por ele estabelecida: “Todas as vezes em que está presente uma, o mesmo ocorre com a outra” (livro II; 4)  e “quando falta uma, falta outra” (livro II; 12).

Na tábua de presença devem ser anotados os casos em que se encontra o fenômeno pesquisado com a segurança de que inserem a correspondente forma.Os casos estudados devem ser os mais diversos, para que sobressaia a nota essencial a ser identificada. A diversidade de circunstância tornará possível a eliminação das notas que somente se acham em alguns casos. Contudo, a tábua de presenças, por si só, não assegura a legitimidade da conclusão. Para tanto incumbe uma outra tábua, a das ausências. Nesta, serão assinalados os casos que se assemelham aos anteriores, mas nos quais esteja ausente o fenômeno que investigamos. Finalmente, na terceira tábua, indicar-se-á a diferença de graus.

No dilatado período desde então transcorrido, vê-se que os seguidores imediatos – John Locke (1623/1704) e David Hume (1711/1766) – deram à filosofia inglesa uma feição própria que a habilitaria a dialogar com o continente. Neste diálogo,  por vezes deixa-se permear por outras influências. Mas acaba sempre por regressar à valorização da experiência.

 

 

 

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