Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A) Moral, de Paul Janet

A proposta de Janet no tocante à fundamentação da moralidade seria melhor sucedida que a de seus antecessores na Escola Eclética Francesa, notadamente Biran e Cousin. Suas teses principais são resumidas adiante, com base no texto traduzido ao português e que se publicou como parte do Tratado Elementar de Filosofia. Rio de Janeiro, 1866, tomo II.

Paul Janet critica acerbamente o utilitarismo em suas várias versões, sobretudo na sua expressão contemporânea (Stuart Mill) e denomina-o moral de interesse. Escreve: “Sendo distinto do prazer e da utilidade o bem moral ou honesto, não pode a lei da atividade humana ser procurada nem na paixão, que tem por objeto o prazer, nem no interesse, bem entendido, que tem por objeto o útil, nem finalmente no sentimento. Essa lei existe em outro princípio de ação que se chama o dever”(ed. cit., p. 77).

A lei moral, pela circunstância de que o homem acha-se também ligado à animalidade, assume a forma de um constrangimento, de uma ordem, de uma necessidade. É um mandamento, uma proibição. “Faze o bem e não faças o mal” – tal é a sua fórmula. Fala como um legislador, como um senhor.

O constrangimento de que se trata não é entretanto físico mas puramente moral. Impõe-se à nossa razão, sem violentar a liberdade. “Este gênero de necessidade, prossegue, que só se impõe à razão sem constranger a vontade, é a obrigação moral. Dizer que o bem é obrigatório é, pois, dizer que nos consideramos como obrigados a cumpri-lo sem que sejamos a isso forçados. Pelo contrário, desde que o cumpríssemos por força, cessaria de ser o bem. Deve, portanto, ser exercido livremente, e o dever pode ser definido como uma necessidade consentida. É o que está expresso nesta definição de Kant: o dever é a necessidade de obedecer à lei pelo respeito à lei”.

Janet iria entretanto conciliar essa fundamentação racional da moralidade, de inspiração kantiana, com a tradição escolástica que a considerava meio adequado à conquista da felicidade, doutrina que passaria à história com a denominação de eudemonismo.

Afirma: “Já vimos que o sentimento é um princípio insuficiente para fundar a lei moral. Quererá isto dizer que deva ser completamente evitado e tratado como inimigo? É o defeito da moral de Kant o de atirar uma espécie de desfavor aos bons sentimentos e às inclinações naturais que nos conduzem ao bem espontaneamente e sem esforço. Ele só reconhece o caráter da moralidade onde existe obediência ao dever, isto é, esforço e luta, o que implica definitivamente resistência e rebelião, porquanto a luta supõe o obstáculo” (ed. cit., p. 105-6).

Janet via no rigor kantiano um resultado do protestantismo, da doutrina da predestinação. Repugna-lhe aceitar que existam eleitos e réprobos porque infere dessa distinção que os eleitos são justamente os que nascem viciosos porquanto vêem na lei moral o seu caráter repressor e inibidor. Os que são bons por natureza não chegam a alcançar o mérito, que estaria circunscrito ao cumprimento à lei por puro respeito. Não é essa a virtude dos gregos, exclama, “virtude acessível e branda, virtude amável e nobre, virtude misturada de ritmo e de poesia”. Não é a virtude cristã, “virtude de ternura e de coração, virtude de dedicação e de fraternidade”.

Paul Janet conclui do modo seguinte: “Não se trata de substituir, pois, a moral do dever pela moral do sentimento; apenas nos levantamos contra a exageração de Kant, que exclui inteiramente o sentimento do domínio da moralidade, e freqüentemente parece confundir na moral o meio com o fim. O fim é chegar a sermos bons. Se Deus começou por nos fazer tais, dispensando-nos de uma parte dos esforços para chegar ao fim, seria uma moral imperfeitíssima aquela que encontrasse meio de se queixar, que equiparasse os bons e os maus sentimentos, e constituísse até um privilégio em favor destes. O sentimento, diga Kant o que disser, não é, pois, o inimigo da virtude; lhe é, pelo contrário, o ornamento e a flor. Aristóteles foi ao mesmo tempo mais humano e mais verdadeiro quando disse: ‘O homem virtuoso é aquele que se apraz em praticar atos de virtude’. Não basta ser virtuoso; é preciso também que o coração ache prazer em o ser. Se à natureza já aprouve fazer por nós os primeiros gastos, seria muito ingrato querer-lhe mal por isso”.

A doutrina eclética assim fundamentada denominou-se eudemonismo racional e à sua justificativa Paul Janet dedicaria todo um tratado (La Morale, 1874), resumido e incorporado ao compêndio que tanto sucesso iria alcançar no Brasil. Naquela hora diria que “nosso princípio fundamental é que o bem moral supõe o bem natural que lhe é anterior e serve de fundamento”. Vale dizer: a busca da felicidade, que Kant rejeitaria como objetivo da moral, se ilumina pela razão natural. Assim, a felicidade é uma escolha racional, identifica-se com a perfeição, revestindo-se do caráter de obrigatoriedade que não lhe atribuíra Aristóteles.

Na França, essa solução chegou a ser ridicularizada, Victor Brochard iria dizer que as duas idéias (dever e felicidade) são irreconciliáveis, porquanto se os homens tendem naturalmente para a felicidade, não faz o menor sentido pretender a tantos obrigá-los. A defesa da solução eclética seria efetivada pelos neotomistas, na pessoa do padre dominicano Sertillanges. (Ver também JANET, Paul).

 

 

 

 

 

 

 

 

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