(A) Moral, de Paul
Janet
A proposta de Janet no tocante à fundamentação
da moralidade seria melhor sucedida
que a de seus antecessores na
Escola Eclética Francesa,
notadamente Biran e Cousin. Suas
teses principais são resumidas
adiante, com base no texto traduzido
ao português e que se publicou
como parte do Tratado Elementar
de Filosofia. Rio de Janeiro,
1866, tomo II.
Paul Janet critica acerbamente
o utilitarismo em suas várias
versões, sobretudo na
sua expressão contemporânea
(Stuart Mill) e denomina-o moral
de interesse. Escreve: “Sendo
distinto do prazer e da utilidade
o bem moral ou honesto, não
pode a lei da atividade humana
ser procurada nem na paixão,
que tem por objeto o prazer,
nem no interesse, bem entendido,
que tem por objeto o útil,
nem finalmente no sentimento.
Essa lei existe em outro princípio
de ação que se
chama o dever”(ed. cit.,
p. 77).
A lei moral, pela circunstância
de que o homem acha-se também
ligado à animalidade,
assume a forma de um constrangimento,
de uma ordem, de uma necessidade. É um
mandamento, uma proibição. “Faze
o bem e não faças
o mal” – tal é a
sua fórmula. Fala como
um legislador, como um senhor.
O constrangimento de que se trata
não é entretanto
físico mas puramente moral.
Impõe-se à nossa
razão, sem violentar a
liberdade. “Este gênero
de necessidade, prossegue, que
só se impõe à razão
sem constranger a vontade, é a
obrigação moral.
Dizer que o bem é obrigatório é,
pois, dizer que nos consideramos
como obrigados a cumpri-lo sem
que sejamos a isso forçados.
Pelo contrário, desde
que o cumpríssemos por
força, cessaria de ser
o bem. Deve, portanto, ser exercido
livremente, e o dever pode ser
definido como uma necessidade
consentida. É o que está expresso
nesta definição
de Kant: o dever é a
necessidade de obedecer à lei
pelo respeito à lei”.
Janet iria entretanto conciliar
essa fundamentação
racional da moralidade, de inspiração
kantiana, com a tradição
escolástica que a considerava
meio adequado à conquista
da felicidade, doutrina que passaria à história
com a denominação
de eudemonismo.
Afirma: “Já vimos
que o sentimento é um
princípio insuficiente
para fundar a lei moral. Quererá isto
dizer que deva ser completamente
evitado e tratado como inimigo? É o
defeito da moral de Kant o de
atirar uma espécie de
desfavor aos bons sentimentos
e às inclinações
naturais que nos conduzem ao
bem espontaneamente e sem esforço.
Ele só reconhece o caráter
da moralidade onde existe obediência
ao dever, isto é, esforço
e luta, o que implica definitivamente
resistência e rebelião,
porquanto a luta supõe
o obstáculo” (ed.
cit., p. 105-6).
Janet via no rigor kantiano um
resultado do protestantismo,
da doutrina da predestinação.
Repugna-lhe aceitar que existam
eleitos e réprobos porque
infere dessa distinção
que os eleitos são justamente
os que nascem viciosos porquanto
vêem na lei moral o seu
caráter repressor e inibidor.
Os que são bons por natureza
não chegam a alcançar
o mérito, que estaria
circunscrito ao cumprimento à lei
por puro respeito. Não é essa
a virtude dos gregos, exclama, “virtude
acessível e branda, virtude
amável e nobre, virtude
misturada de ritmo e de poesia”.
Não é a virtude
cristã, “virtude
de ternura e de coração,
virtude de dedicação
e de fraternidade”.
Paul Janet conclui do modo seguinte: “Não
se trata de substituir, pois,
a moral do dever pela moral do
sentimento; apenas nos levantamos
contra a exageração
de Kant, que exclui inteiramente
o sentimento do domínio
da moralidade, e freqüentemente
parece confundir na moral o meio
com o fim. O fim é chegar
a sermos bons. Se Deus começou
por nos fazer tais, dispensando-nos
de uma parte dos esforços
para chegar ao fim, seria uma
moral imperfeitíssima
aquela que encontrasse meio de
se queixar, que equiparasse os
bons e os maus sentimentos, e
constituísse até um
privilégio em favor destes.
O sentimento, diga Kant o que
disser, não é,
pois, o inimigo da virtude; lhe é,
pelo contrário, o ornamento
e a flor. Aristóteles
foi ao mesmo tempo mais humano
e mais verdadeiro quando disse: ‘O
homem virtuoso é aquele
que se apraz em praticar atos
de virtude’. Não
basta ser virtuoso; é preciso
também que o coração
ache prazer em o ser. Se à natureza
já aprouve fazer por nós
os primeiros gastos, seria muito
ingrato querer-lhe mal por isso”.
A doutrina eclética assim
fundamentada denominou-se eudemonismo
racional e à sua justificativa
Paul Janet dedicaria todo um
tratado (La Morale,
1874), resumido e incorporado
ao compêndio que tanto
sucesso iria alcançar
no Brasil. Naquela hora diria
que “nosso princípio
fundamental é que o bem
moral supõe o bem natural
que lhe é anterior e serve
de fundamento”. Vale dizer:
a busca da felicidade, que Kant
rejeitaria como objetivo da moral,
se ilumina pela razão
natural. Assim, a felicidade é uma
escolha racional, identifica-se
com a perfeição,
revestindo-se do caráter
de obrigatoriedade que não
lhe atribuíra Aristóteles.
Na França, essa solução
chegou a ser ridicularizada,
Victor Brochard iria dizer que
as duas idéias (dever
e felicidade) são irreconciliáveis,
porquanto se os homens tendem
naturalmente para a felicidade,
não faz o menor sentido
pretender a tantos obrigá-los.
A defesa da solução
eclética seria efetivada
pelos neotomistas, na pessoa
do padre dominicano Sertillanges.
(Ver também JANET,
Paul).
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