Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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MOLIÈRE

Molière (1622/1673) é o nome artístico de Jean-Baptiste Poquelin. Considera-se ter sido o autor que conseguiu consagrar a comédia como gênero teatral. Embora as comédias de Shakespeare ainda hoje sejam bem sucedidas, de certo modo acabam sendo ofuscadas pela genialidade de suas tragédias. Além disso, as comédias de Molière tinham abertamente o propósito de criticar opiniões e costumes da alta sociedade de sua época. Com o passar do tempo, contudo, tiveram o mérito de perder aquela pretendida característica circunstancial para fixar personagens e situações que simplesmente retratam a condição humana.

Molière nasceu e viveu na França de Luís XIV, cujo reinado estende-se por 72 anos (de 1643 a 1715), se bem que, de fato, não haja governado diretamente todo esse tempo porquanto ao tornar-se herdeiro do trono tinha apenas 5 anos de idade. Pretendendo fazer com que seu país liderasse a Europa, cuidou  que tal não ocorresse apenas no plano político-militar, diligenciando no sentido de  que o esplendor de seu período também se refletisse na cultura de um modo geral e nas artes em particular. Por isto protegeu artistas e escritores, entre estes Molière, e deu apoio financeiro a intelectuais de outros países. Não fora a sua proteção, Molière não teria logrado ser reconhecido.

Tendo começado como ator e encenador de tragédias, Molière enfrentaria sucessivos fracassos até encontrar o seu leito próprio. Sendo suas comédias basicamente crítica dos costumes, encontraram acirrada oposição da parte daquelas camadas sociais que se consideravam atingidas. Por sua vez, Molière também não recuou diante do enfrentamento de determinado tabus, a exemplo das questões relacionadas à religião. Assim, por exemplo, sua peça L École des Femmes (1662) parece ter visado diretamente os colégios católicos. Essa liberdade ressuscitaria a polêmica sobre a moralidade do teatro. Em 1666, reedita-se o Tratado da Comédia, do Príncipe de Conti, onde o gênero é condenado, opinião que muitos valorizavam por ter sido seu autor, precedentemente, mecenas dos atores. Tudo isto acaba por reacender a oposição da Igreja a esse tipo de manifestação artística. Port Royal, que era um núcleo clerical cujo radicalismo levou-o ao isolamento e liquidação (em 1710, ainda sob Luís XIV) interveio no debate, ao que se supõe expressando o ponto de vista oficial ao dizer: “Novelistas e dramaturgos são traficantes de venenos que destroem não o corpo dos homens mas a sua alma”. Uma das peças mais famosas de Molière – O Tartufo – esteve alguns anos interditada pela censura, justamente por ter tomado, como modelo de hipocrisia, a um personagem que se comprazia em invocar o nome de Deus e condenar o pecado diante de quase tudo.

A força dos personagens e a capacidade de arrasta-los a situações cômicas terminaram por vencer todas as resistências e torna-lo popular em seu próprio tempo.

Pessoalmente, Molière teve uma vida atribulada. Casou-se com Armande Béjart, filha de uma atriz famosa (Madeleine Béjart), que atuou em sua troupe durante anos e era sua amante. Muito mais jovem que ele, então com 40 anos, dizia-se que poderia ser sua filha. Esse passo de Molière chegou a suscitar uma petição ao Rei, denunciando-o “por ter-se casado com a filha e ter-se deitado também com a mãe”. O casamento seria um desastre pela infidelidade da jovem esposa. Numa de suas peças mais famosas (O Misantropo), descreve a situação. Tuberculoso, angustiado, tendo-se decidido a separar-se de Armande, tem uma crise durante a encenação de uma das peças, crise essa que o levaria à morte (1673). Ainda que haja solicitado um padre para receber os últimos sacramentos, o que foi recusado, a alta hierarquia da Igreja não o perdoou. Graças à intervenção do Rei  em seu favor,  obteve do Arcebispo  autorização que fosse enterrado, num dos cemitérios subordinados à Igreja,  mas ainda assim “fora das horas diurnas, sem serviço local”.

Controvertido em seu tempo, Molière passou à história como tendo sabido descrever situações e tipos de comportamento que muito contribuíram para dispormos de uma visão mais completa da pessoa humana, que só tem a ganhar ao reconhecer as próprias limitações e os inevitáveis defeitos. (Ver também Don Juan; O Misantropo e Tartufo).

 

 

 

 

 

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