Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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MARX, Karl
Karl Marx (1818-1883) estudou na Faculdade de Direito da Universidade de Bonn e, em seguida, na Universidade de Berlim, onde se doutorou em 1841. Além de ter estudado com discípulos destacados de Hegel, na Faculdade de Direito, em Berlim freqüentou o grupo dos jovens hegelianos de esquerda. Além desse ambiente hegeliano em que formou seu espírito, há duas influências assinaláveis: a do seu amigo Mosse Hess, socialista radical de Colônia, com o qual colaborou na edição de um jornal, e logo a seguir, no seu exílio francês, as idéias de Saint-Simon (1760-1825). Este concebeu um regime planificado e tecnocrático, a ser implantado pela classe industrial, que chamou de socialismo. Embora apresentado como científica, sua doutrina compreendia uma nova Religião. De Mosse Hess, Marx herdaria o cacoete de que as transformações sociais somente ocorreriam de forma violenta, convicção que está presente na Liga Comunista, que funda com Engels, em 1847, e no Manifesto Comunista, que os dois publicam em 1848. Em 1849, chega a Londres, onde viveria pelo resto da vida.

O pensamento de Marx torna-se incompreensível se não se toma como referência a crença na sociedade racional, difundida pela esquerda hegeliana, de que parte, a que se adiciona, subseqüentemente, a certeza, haurida em Saint Simon, da possibilidade de uma ciência social de caráter totalizante, apta a proporcionar uma diretriz equiparável à da ciência natural.

Para estabelecer em que pontos se situa a sua divergência com a esquerda hegeliana, escreve, em 1845 a 1846, a Ideologia alemã, que deixou incompleta mas que corresponde a texto fundamental.

Nessa obra começa a elaboração do conceito de modo de produção, com que pretendia englobar o sistema das necessidades hegeliano. No interior daquele haveria uma contradição entre as relações de produção e as forças produtivas. Para continuar desenvolvendo-se, estas levam à ruptura daquelas relações, inaugurando um novo modo de produção. Essa teoria só aparece formulada com mais clareza no texto que denominou de Crítica da Economia Política (1859). A partir desse postulado é que a entenderá como “científica” – donde a denominação de “socialismo científico” – e a crença em que teria dado origem a uma doutrina, denominada “materialismo histórico”, capaz de fazer da história uma ciência exata.

Marx nunca conseguiu dar uma formulação acabada de sua teoria do modo de produção. Em que consistem mesmo as relações de produção e como se distinguem das outras relações que têm lugar na sociedade? O homem faz parte das forças produtivas e também se desenvolve, de forma inexorável, como estas últimas? Rodolfo Mondolfo examinou circunstancialmente as insuficiências dessa teoria. E, como se considerava marxista (“inserido num clima ocidental de cultura”, como fazia questão de esclarecer), procurou reelaborá-la, substituindo a denominação de modo de produção pela de “momento econômico”.

Marx acreditava também que as relações de produção constituiriam a infra-estrutura da sociedade, sobre a qual se erigiria uma superestrutura, constituída pela cultura. Esta seria expressão da classe dominante. Esse aspecto se revelou, de igual modo, primariamente elaborado. Como grande estudioso da literatura e das artes de um modo geral, o marxista húngaro Georg Lukacs (1885-1971) procurou dissociar a história de toda idéia de necessidade, restituindo ao homem, para usar sua expressão, a condição de medida de todas as coisas sociais. Lukacs deseja, naquela oportunidade, ao desenvolver certas premissas do marxismo filosófico, abandonadas pelo pseudo cientificismo político, ultrapassar o que denomina de “tipologia formal das formas de aparição da história e da sociedade”, seja na forma ingênua de uma “sociologia” procurando “leis” (do tipo de Comte ou de Spencer) seja na do esforço crítico de Max Weber. Mais precisamente: pretende superar o relativismo dissociando-o, como diz, do absoluto que restaria em cada uma de suas manifestações. Não se trata aqui de apreciar os êxitos da tentativa de Lukacs – empreendida no livro História e Consciência de Classe (1923) – mas, de lembrar que teve o mérito de chamar a atenção para o fato de que a história não é exata, de que em seu seio comporta quando muito falar de “tendências”, de que somente pode haver ciências exatas ali onde o objeto é constituído de elementos constantes, o que não se dá no âmago da criação humana que tem lugar na história.

Marx pretendeu, ainda, inspirado na Fenomenologia do Espírito, de Hegel, elaborar um painel da consciência humana tomando por base o processo produtivo (o sistema das necessidades). A essa obra denominou de O Capital mas só conseguiu concluir o primeiro volume. A demarche é demasiado abstrata a ponto de excluir o meio rural com a sua diversidade e os próprios serviços urbanos, para ficar exclusivamente com a polaridade burguesia x proletariado, a fim de manter o esquema hegeliano e permitir o aparecimento de uma síntese superadora dessa contradição.

Em vida Marx só publicou A sagrada família (1845), em colaboração com Engels, uma polêmica com Bruno Bauer, no espírito da Ideologia Alemã; Miséria da Filosofia (1847), crítica a Proudhon, que escrevera A filosofia da miséria; a mencionada Crítica da Economia Política (1859) e o volume I de O Capital (1867), além naturalmente do Manifesto Comunista. Engels reuniria alguns de seus textos para editar dois outros volumes de O Capital. A Ideologia Alemã somente foi divulgada em 1932, pelo Instituto Marx-Engels, de Moscou.

Friedrich Engels (1820-1895), sendo homem de fortuna, ajudou materialmente a Marx e sua família. Ocupou-se também de divulgar as idéias do seu amigo, no que, nem sempre, foi muito feliz, porquanto praticamente reduziu o marxismo a uma espécie de “materialismo econômico”. É certo que, no fim da vida, reagiu contra essa interpretação, que havia ajudado a popularizar e procurou aproximar-se de Antonio Labriola (1843-1904), que tratou de encaminhar o marxismo nos círculos acadêmicos europeus, como uma corrente de filosofia. A esse filósofo italiano estão relacionados Antonio Gramsci (1891-1937) e Rodolfo Mondolfo (1877-1976). (Ver também Ideologia alemã e Manifesto Comunista).

 

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