Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Manifesto Comunista, de Marx

O Manifesto Comunista, publicado em 1848, foi escrito por Marx e Engels para o Congresso (secreto) da Liga Comunista (definida como “associação internacional de operários”), realizado em Londres em novembro de 1847. Considerando o sucesso que veio a alcançar e a importância que lhe tem sido atribuída na história mundial subseqüente, é um documento relativamente pequeno porquanto tem trinta páginas, o que de todos os modos seria excessivo para um “manifesto”. Acredita-se que somente a Bíblia teria alcançado maior difusão no Ocidente.

A afirmativa inicial, justificativa do texto, é a de que o espectro do comunismo rodeava a Europa, provocando a reação de todas as potências, desde o Papa ao Czar, passando pelos liberais e conservadores, sendo necessário que “os próprios comunistas expliquem suas idéias, seus fins, suas tendências, opondo à lenda do comunismo um manifesto do próprio partido”.

Está dividido em quatro partes, intitulando-se a primeira “Burgueses e proletários”. Aqui avança a tese de que a história de toda a sociedade “tem sido a história das lutas de classes”. Mais tarde, Engels adicionaria uma nota esclarecendo referir-se à história escrita, porquanto estudos posteriores teriam evidenciado a existência de uma sociedade comunista (que denominaria de “comunismo primitivo” para distingui-lo do comunismo pregado pelos marxistas mas também para sugerir que este, concebido como regime final, seria uma espécie de retorno ao idílico paraíso terrestre de Adão).

Os autores atribuem a maior importância ao surgimento da burguesia, que, proclamam, “historicamente desempenhou um papel revolucionário”, descrito pormenorizadamente para concluir que a moderna sociedade burguesa perdeu a capacidade de controlar o processo a que deu origem, achando-se afogada em sucessivas crises econômicas. Diz-se taxativamente que se “assemelha ao feiticeiro que perdeu o controle dos poderes infernais que pôs em movimento com suas palavras mágicas”. A hipótese é a de que a burguesia teria socializado o processo produtivo, que seria incompatível com a posse privada dos meios de produção.

A burguesia não forjou apenas as armas que preparam a sua morte. Produziu também os homens que manejarão aquelas armas: os proletários. No Manifesto o proletariado está reduzido à condição de “mercadoria, um artigo de comércio” e a apêndice da máquina. Os operários são equiparados diretamente aos escravos. “Não são escravos exclusivos da classe e do Estado burgueses, mas diariamente e a cada hora são escravos da máquina, do contramestre, sobretudo do próprio dono da fábrica”.

A expansão da indústria facilita a organização de sindicatos. Mas estes proporcionam sucessos imediatos e fugazes. A missão do proletariado é “destruir todas as garantias e seguranças da propriedade individual”. Ao libertar-se, libertarão a todos os oprimidos. Assim, “o que a burguesia produz principalmente são os próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis”. E assim se encerra a primeira parte.

Seguem-se a fixação da relação entre os comunistas e os proletários (II); o exame da literatura socialista (III) e, finalmente, a posição, a posição dos comunistas em face dos vários partidos de oposição.

Os comunistas pretendem ser a “fração mais resoluta e mais avançada dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona as demais”. Ao mesmo tempo, têm sobre o proletariado a vantagem de estar de posse de uma doutrina científica e de constituírem uma expressão das condições reais da luta de classes. O desdobramento dessa concepção é formulado em contraponto com o que seriam deturpações da visão comunista do mundo. Em síntese a abolição da propriedade privada, por si só, acabará com todas as mazelas existentes na sociedade burguesa. Os exemplos multiplicam-se mas basta o que se segue para evidenciar o caráter simplificatório da proposta. A resposta à acusação de que advogariam a comunidade das mulheres argumenta dizendo que a burguesia é que introduziu aquela condição da mulher. “Nossos burgueses, não contentes em dispor das mulheres e filhas dos proletários, sem falar das prostitutas, têm o maior prazer em seduzir as mulheres uns dos outros”. A resposta é a seguinte: “é evidente que a abolição do atual sistema de produção causará o desaparecimento da comunidade de mulheres a ele inerente, ou seja, a prostituição pública e privada”. As lições são todas desse tipo, vale dizer, desprovidas de qualquer evidência efetiva.

Neste tópico, o Manifesto formula um projeto de estatização da economia, entendida como a centralização de tudo em mãos do Estado (crédito, meios de comunicação, transportes, etc.). E mais “trabalho obrigatório para todos: estabelecimento de exércitos industriais, especialmente para a agricultura”. Vê-se que a dúvida, suscitada por alguns estudiosos, sobre se proviria do próprio Marx o caráter totalitário assumido pelo comunismo soviético é completamente desprovida de sentido. Desde o Manifesto, o seu projeto de organização da sociedade é francamente totalitário.

O caráter totalitário do programa comunista apoia-se nesta hipótese: “o poder político propriamente dito é o poder organizado de uma classe para oprimir a outra. O proletariado, contudo, ao destruir as classes, extingue a própria dominação de classes”.

A literatura socialista, examinada na parte III do documento, é criticada de modo implacável, valorizando apenas o elemento crítico contido na obra daqueles autores assolados como “socialistas utópicos”, isto é, que, aspirando a uma sociedade sem exploração do homem pelo homem, estavam entretanto desprovidos de uma doutrina científica, justamente o que seria o diferencial do comunismo apresentado no Manifesto.

A última parte contém indicações sobre o posicionamento dos comunistas nos diversos países, destacando que concentram suas atenções na Alemanha, por achar-se na véspera da sua revolução burguesa, que constituirá “o prelúdio imediato de uma revolução proletária”. São estas as palavras finais: “Os comunistas não se rebaixam em dissimular suas idéias e seus objetivos. Declaram abertamente que seus fins só poderão ser alcançados pela derrubada violenta das condições sociais existentes. Que as classes dominantes tremam diante da revolução comunista! Os proletários nada têm a perder senão seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos”.

Diversos estudiosos têm procurado averiguar as razões do sucesso do marxismo levando em conta as simplificações em que se baseia e o seu caráter maniqueísta: todo o bem está do lado do proletário e todo o mal do lado da burguesia. Nesse tipo de investigação, sugeriu-se que adviria do fato de consistir numa proposta de índole messiânica, que teria sido assumida sobretudo por essa dimensão insofismavelmente religiosa. Parece, entretanto, que a feição milenarista explicaria a sua franca aceitação em sociedade muito marcadas pela religiosidade, como seria o caso da Rússia. Em relação ao Ocidente, há de ter pesado também a circunstância de que os autores que desmontaram peça por peça a proposta marxista – a exemplo de Bernstein – continuaram considerando-se marxistas, como também o fato de que o Partido Trabalhista inglês, que tinha uma origem autônoma, não só haja poupado o marxismo de críticas como até o haja exaltado. Como o Partido Social Democrata da Alemanha veio a ser a peça-chave na Internacional Socialista, acabou levando à preservação da memória de Marx, em que pese sua prática política se haja constituído no mais franco desmentido de todas as previsões e recomendações do marxismo, a começar do compromisso com a ordem democrática. Tão flagrante tornou-se a contraposição, que o PSD Alemão terminou por eliminar toda vinculação com o legado de Marx, neste pós-guerra, o que dá nascedouro à social democracia, isto é as agremiações que, provenientes do socialismo, renunciam à sociedade sem classes e apostam no aperfeiçoamento da sociedade capitalista de mercado. (Ver também MARX, Karl).

 

 

 

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