Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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LENINE, Vladimir Ilitich

Vladimir Ilitich Ulianov (1870-1924) era de família nobre e passou a usar o nome de Lenine durante a luta contra o czarismo. Ingressou jovem nas fileiras da social-democracia, designação então adotada pelos socialistas-marxistas, e provocou no seio destes uma cisão que deu origem ao Partido Bolchevista. Inexistindo na Rússia Czarista condições para a organização de agremiação parlamentar, interpretou o marxismo como advogando exclusivamente a tomada violenta do poder. Além disto, introduziu no legado de Marx uma alteração substancial ao admitir a possibilidade do socialismo num único país, enquanto Marx entendia que somente ocorreria simultaneamente em toda a Europa. Devido a tais posicionamentos rompeu radicalmente com a social-democracia européia, organizando uma facção autônoma, que se considerava majoritária. Significando maioria a palavra bolchevique, acabaram conhecidos sob essa denominação.

Lenine viveu grande parte de sua vida exilado na Europa. Regressou à capital russa (Petrogrado) em seguida à revolução de fevereiro de 1917 que derrubou o czarismo e organizou sistema de governo afeiçoado ao Ocidente, com Parlamento, partidos políticos etc., e que convocou a Assembléia Constituinte para fins daquele ano. Lenine e seu grupo desenvolveram uma oposição encarniçada contra o novo governo, pretendendo vê-lo substituído por um novo sistema à base dos Conselhos (sovietes), que vinham organizando por toda parte. Antes que se instalasse a Assembléia Constituinte, um congresso dos Conselhos (sovietes) derrubou o governo parlamentar e o substituiu pelo governo chefiado por Lenine. Subseqüentemente dá-se a paulatina concentração de todo o poder em mãos dos bolchevistas.

Tendo Lenine tentado governar com elementos pertencentes às outras facções sociais-democratas – denominadas de “mencheviques”, minoria –, procurou-se estabelecer distinções entre os seus métodos e aqueles adotados por Stalin. Contudo, não só ordenou a aplicação do terror contra os partidos representados no Parlamento, dissolvido violentamente, como voltou-se em seguida contra os anarquistas e, em geral, contra todos os intelectuais independentes. Em sua obra, defende essa política de terror com veemência.

Lenine tinha uma visão simplista da economia industrial. No livro O Estado e a Revolução (1917) escreve o seguinte:

“A cultura capitalista criou a grande produção, as fábricas, os caminhos de ferro, os correios, os telefones etc. e, nesta base, a imensa maioria das funções do velho ‘poder de Estado’ simplificaram-se de tal maneira que podem ser reduzidas a operações de registro, de contabilidade e de controle tão simples que estas funções estão completamente ao alcance de qualquer pessoa alfabetizada, que estas funções podem perfeitamente ser realizadas pelo habitual ‘salário de operário’, que se pode (e se deve) tirar a essas funções qualquer sombra de privilégio, de ‘hierarquia’”. (Obras Escolhidas, Moscou, Ed. Progresso, 1985, vol. 3, p. 224). Tenha-se presente que, na sua visão, o Estado Comunista dirigirá diretamente a economia.

Escapava-lhe inteiramente a complexidade dos laços entre as empresas estabelecidas espontaneamente pelo mercado, tanto no que respeita à demanda e oferta de bens e serviços, como à fixação dos respectivos preços. Imaginava, por isto mesmo, que o governo soviético podia simplesmente eliminar o dinheiro. E na medida em que a gestão econômica se revelou complexa, atribuiu a circunstância ao atraso da Rússia em relação aos países capitalistas europeus. De modo que, depois de haver introduzido uma espécie de “comunismo de guerra”, onde o governo tinha poderes para confiscar mercadorias, estabelecer regime de trabalho forçado etc., lançou a denominada “Nova Política Econômica”, colocando certas atividades, notadamente a produção de bens de consumo, a salvo de tal arbítrio. Contudo, isto nem de longe enfraqueceu o sistema ditatorial de governo, com todos os poderes enfeixados nas mãos da máquina do Partido Comunista, abolido e não substituído o sistema jurídico-legal, instituído o sistema dos julgamentos sumários e assim por diante.

O leninismo introduziu na prática marxista a chamada “teoria do golpe principal”. Segundo esta, o golpe principal é desfechado não contra o inimigo principal mas contra aquelas forças que disputam a liderança no mesmo campo em que se encontram os comunistas. Assim, na Alemanha hitlerista, os comunistas combateram preferentemente os sociais-democratas, com o que contribuíram para a ascensão de Hitler.

Na época em que Lenine escrevia O Estado e a Revolução, depois de derrubado o czarismo e sob o governo parlamentar, sua virulência voltava-se preferentemente contra os “sociais-revolucionários”, que tinham muito prestígio entre os camponeses, e contra os “mencheviques”, com quem dividia a liderança dos socialistas. Chama-os simplesmente de “traidores”, “lacaios”, “renegados” etc.

Na visão de Lenine, o Parlamento é uma farsa, a liberdade de imprensa um engodo e mesmo os sindicatos operários estariam a serviço do sistema dominante. No livro indicado, escreve: “Olhai para qualquer país parlamentar, da América à Suíça, da França à Inglaterra, à Noruega etc.: o verdadeiro trabalho ‘de Estado’  faz-se nos bastidores, é executado pelos departamentos, pelas chancelarias, pelos estados-maiores. Nos parlamentos apenas se palra, com a finalidade específica de enganar a gente simples”. Trata-se visivelmente de um grande sofisma. O sistema parlamentar de governo demandou sacrifícios incríveis e lutas tremendas para estabelecer-se. O corpo de funcionários foi tornado permanente, subordinado a regras de todos conhecidas. O Parlamento traça as políticas, com base na maioria, e indica o governo ao qual incumbe levá-las à prática. Periodicamente, o partido ou a coligação no poder submete-se à avaliação do eleitorado que lhe retira ou confirma a delegação.

Denegrido o sistema parlamentar, Lenine preconiza a sua substituição pelo que denomina eufemisticamente de “ditadura do proletariado”. Na verdade, a ditadura do Partido Comunista e daquele que consegue empolgar a sua chefia.

Preocupado com os destinos seguidos pela Revolução Russa, em face do solene desprezo a toda ordem legal, Karl Kautsky, que era o líder do Partido Social Democrata Alemão, publicou uma pequena brochura intitulada A Ditadura do Proletariado (Viena, 1918), em que critica a dissolução da Assembléia Constituinte e a marcha batida na direção de uma ditadura de caráter pessoal. Lenine responde-lhe de modo desabrido no texto A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky (Obras Escolhidas, ed. cit., vol. 4), onde não há propriamente argumentos mas insultos.

É interessante registrar a tese de Lenine de que a revolução não pode admitir nenhuma espécie de oposição. Escreve: “ ...‘oposição’  é um conceito de luta pacífica e exclusivamente parlamentar, isto é, um conceito que corresponde à ausência de revolução. Na revolução encontramo-nos perante um inimigo implacável na guerra civil”. Ora, a guerra civil foi desencadeada pelos comunistas. O sistema baseado nos sovietes consistia em que estes só se estruturavam onde se encontravam camponeses ou trabalhadores. As eleições locais desses sovietes não estavam sujeitas a nenhuma regra legal e tinham caráter nitidamente político, isto é, de uma luta entre facções. É a partir daí que se estabelece a chamada “democracia proletária”, vale dizer, um sistema de sucessivas cooptações. No início da Revolução Russa, só dois partidos estavam representados:  os sociais-revolucionários, com maioria entre os camponeses, e os sociais-democratas, divididos em bolcheviques e mencheviques. Todas as demais correntes estavam excluídas. Assim, a luta travou-se no seio de assembléias eleitas sem qualquer forma de fiscalização ou controle, diretamente pela hegemonia entre as três facções. O governo liderado por Lenine logo se afeiçoou ao predomínio dos bolcheviques. No período stalinista, a disputa dá-se entre os próprios líderes bolchevistas.

O primeiro passo foi dado por Lenine ao identificar toda forma de oposição ao novo regime como de inspiração burguesa e contra-revolucionária. (Ver também Discurso sobre o engano do povo).

 

 

 

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