LENINE, Vladimir Ilitich
Vladimir Ilitich Ulianov (1870-1924)
era de família nobre e
passou a usar o nome de Lenine
durante a luta contra o czarismo.
Ingressou jovem nas fileiras
da social-democracia, designação
então adotada pelos socialistas-marxistas,
e provocou no seio destes uma
cisão que deu origem ao
Partido Bolchevista. Inexistindo
na Rússia Czarista condições
para a organização
de agremiação parlamentar,
interpretou o marxismo como advogando
exclusivamente a tomada violenta
do poder. Além disto,
introduziu no legado de Marx
uma alteração substancial
ao admitir a possibilidade do
socialismo num único país,
enquanto Marx entendia que somente
ocorreria simultaneamente em
toda a Europa. Devido a tais
posicionamentos rompeu radicalmente
com a social-democracia européia,
organizando uma facção
autônoma, que se considerava
majoritária. Significando maioria a
palavra bolchevique,
acabaram conhecidos sob essa
denominação.
Lenine viveu grande parte de
sua vida exilado na Europa. Regressou à capital
russa (Petrogrado) em seguida à revolução
de fevereiro de 1917 que derrubou
o czarismo e organizou sistema
de governo afeiçoado ao
Ocidente, com Parlamento, partidos
políticos etc., e que
convocou a Assembléia
Constituinte para fins daquele
ano. Lenine e seu grupo desenvolveram
uma oposição encarniçada
contra o novo governo, pretendendo
vê-lo substituído
por um novo sistema à base
dos Conselhos (sovietes),
que vinham organizando por toda
parte. Antes que se instalasse
a Assembléia Constituinte,
um congresso dos Conselhos (sovietes)
derrubou o governo parlamentar
e o substituiu pelo governo chefiado
por Lenine. Subseqüentemente
dá-se a paulatina concentração
de todo o poder em mãos
dos bolchevistas.
Tendo Lenine tentado governar
com elementos pertencentes às
outras facções
sociais-democratas – denominadas
de “mencheviques”,
minoria –, procurou-se
estabelecer distinções
entre os seus métodos
e aqueles adotados por Stalin.
Contudo, não só ordenou
a aplicação do
terror contra os partidos representados
no Parlamento, dissolvido violentamente,
como voltou-se em seguida contra
os anarquistas e, em geral, contra
todos os intelectuais independentes.
Em sua obra, defende essa política
de terror com veemência.
Lenine tinha uma visão
simplista da economia industrial.
No livro O Estado e a Revolução (1917)
escreve o seguinte:
“A cultura capitalista criou a grande produção, as fábricas,
os caminhos de ferro, os correios, os telefones etc. e, nesta base, a imensa
maioria das funções do velho ‘poder de Estado’ simplificaram-se
de tal maneira que podem ser reduzidas a operações de registro,
de contabilidade e de controle tão simples que estas funções
estão completamente ao alcance de qualquer pessoa alfabetizada, que
estas funções podem perfeitamente ser realizadas pelo habitual ‘salário
de operário’, que se pode (e se deve) tirar a essas funções
qualquer sombra de privilégio, de ‘hierarquia’”. (Obras
Escolhidas, Moscou, Ed. Progresso, 1985, vol. 3, p. 224). Tenha-se presente
que, na sua visão, o Estado Comunista dirigirá diretamente a
economia.
Escapava-lhe inteiramente a complexidade
dos laços entre as empresas
estabelecidas espontaneamente
pelo mercado, tanto no que respeita à demanda
e oferta de bens e serviços,
como à fixação
dos respectivos preços.
Imaginava, por isto mesmo, que
o governo soviético podia
simplesmente eliminar o dinheiro.
E na medida em que a gestão
econômica se revelou complexa,
atribuiu a circunstância
ao atraso da Rússia em
relação aos países
capitalistas europeus. De modo
que, depois de haver introduzido
uma espécie de “comunismo
de guerra”, onde o governo
tinha poderes para confiscar
mercadorias, estabelecer regime
de trabalho forçado etc.,
lançou a denominada “Nova
Política Econômica”,
colocando certas atividades,
notadamente a produção
de bens de consumo, a salvo de
tal arbítrio. Contudo,
isto nem de longe enfraqueceu
o sistema ditatorial de governo,
com todos os poderes enfeixados
nas mãos da máquina
do Partido Comunista, abolido
e não substituído
o sistema jurídico-legal,
instituído o sistema dos
julgamentos sumários e
assim por diante.
O leninismo introduziu na prática
marxista a chamada “teoria
do golpe principal”. Segundo
esta, o golpe principal é desfechado
não contra o inimigo principal
mas contra aquelas forças
que disputam a liderança
no mesmo campo em que se encontram
os comunistas. Assim, na Alemanha
hitlerista, os comunistas combateram
preferentemente os sociais-democratas,
com o que contribuíram
para a ascensão de Hitler.
Na época em que Lenine
escrevia O Estado e a Revolução,
depois de derrubado o czarismo
e sob o governo parlamentar,
sua virulência voltava-se
preferentemente contra os “sociais-revolucionários”,
que tinham muito prestígio
entre os camponeses, e contra
os “mencheviques”,
com quem dividia a liderança
dos socialistas. Chama-os simplesmente
de “traidores”, “lacaios”, “renegados” etc.
Na visão de Lenine, o
Parlamento é uma farsa,
a liberdade de imprensa um engodo
e mesmo os sindicatos operários
estariam a serviço do
sistema dominante. No livro indicado,
escreve: “Olhai para qualquer
país parlamentar, da América à Suíça,
da França à Inglaterra, à Noruega
etc.: o verdadeiro trabalho ‘de
Estado’ faz-se nos
bastidores, é executado
pelos departamentos, pelas chancelarias,
pelos estados-maiores. Nos parlamentos
apenas se palra, com a finalidade
específica de enganar
a gente simples”. Trata-se
visivelmente de um grande sofisma.
O sistema parlamentar de governo
demandou sacrifícios incríveis
e lutas tremendas para estabelecer-se.
O corpo de funcionários
foi tornado permanente, subordinado
a regras de todos conhecidas.
O Parlamento traça as
políticas, com base na
maioria, e indica o governo ao
qual incumbe levá-las à prática.
Periodicamente, o partido ou
a coligação no
poder submete-se à avaliação
do eleitorado que lhe retira
ou confirma a delegação.
Denegrido o sistema parlamentar,
Lenine preconiza a sua substituição
pelo que denomina eufemisticamente
de “ditadura do proletariado”.
Na verdade, a ditadura do Partido
Comunista e daquele que consegue
empolgar a sua chefia.
Preocupado com os destinos seguidos
pela Revolução
Russa, em face do solene desprezo
a toda ordem legal, Karl Kautsky,
que era o líder do Partido
Social Democrata Alemão,
publicou uma pequena brochura
intitulada A Ditadura do
Proletariado (Viena, 1918),
em que critica a dissolução
da Assembléia Constituinte
e a marcha batida na direção
de uma ditadura de caráter
pessoal. Lenine responde-lhe
de modo desabrido no texto A
Revolução Proletária
e o Renegado Kautsky (Obras
Escolhidas, ed. cit., vol.
4), onde não há propriamente
argumentos mas insultos.
É interessante registrar a tese de Lenine de que a revolução
não pode admitir nenhuma espécie de oposição. Escreve: “ ...‘oposição’ é um
conceito de luta pacífica e exclusivamente parlamentar, isto é,
um conceito que corresponde à ausência de revolução.
Na revolução encontramo-nos perante um inimigo implacável
na guerra civil”. Ora, a guerra civil foi desencadeada pelos comunistas.
O sistema baseado nos sovietes consistia em que estes só se estruturavam
onde se encontravam camponeses ou trabalhadores. As eleições
locais desses sovietes não estavam sujeitas a nenhuma regra legal e
tinham caráter nitidamente político, isto é, de uma luta
entre facções. É a partir daí que se estabelece
a chamada “democracia proletária”, vale dizer, um sistema
de sucessivas cooptações. No início da Revolução
Russa, só dois partidos estavam representados: os sociais-revolucionários,
com maioria entre os camponeses, e os sociais-democratas, divididos em bolcheviques
e mencheviques. Todas as demais correntes estavam excluídas. Assim,
a luta travou-se no seio de assembléias eleitas sem qualquer forma de
fiscalização ou controle, diretamente pela hegemonia entre as
três facções. O governo liderado por Lenine logo se afeiçoou
ao predomínio dos bolcheviques. No período stalinista, a disputa
dá-se entre os próprios líderes bolchevistas.
O primeiro passo foi dado por
Lenine ao identificar toda forma
de oposição ao
novo regime como de inspiração
burguesa e contra-revolucionária.
(Ver também Discurso
sobre o engano do povo).
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