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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
KIERKEGAARD
Soren Kierkegaard (1813-1855)
nasceu em Copenhague e estudou
teologia na Universidade ali
localizada, concluindo o curso
em 1841, com a elaboração
de uma tese sobre o conceito
de ironia. Prosseguiu em seus
estudos na Universidade de
Berlim, onde freqüentou
as aulas de Schelling.
Kierkegaard investiu contra as
abstrações do hegelianismo – e
do idealismo alemão, em
geral –, contrapondo-lhe
o caráter concreto da
existência singular. Embora
distanciado dos grandes centros
universitários e sem sequer
dispor de uma cátedra,
exclusivamente pelo vigor de
sua mensagem, tornar-se-ia uma
presença marcante na filosofia
contemporânea, pela grande
influência que suas idéias
exerceram nas correntes existencialistas.
Enquanto Hegel e seus seguidores
afirmavam que, no homem, age
uma força infinita, de
que ele é somente manifestação,
incumbindo à filosofia
reconstituir esse processo para
chegar ao absoluto, Kierkegaard
entende que temos acesso ao homem
como uma realidade finita, que
atua por sua própria conta
e risco. Se para Hegel é possível
reconstituir a inteligibilidade
do real, que nos revelará não
só uma ordem como o progresso
da razão, Kierkegaard
acredita que o homem está “lançado
no mundo”, abandonado ao
determinismo, que pode derrotar
todas as suas iniciativas. E,
quanto ao progresso, não
consegue situá-lo em nenhuma
parte.
Para Kierkegaard, as relações
do homem com o mundo são
dominadas pela angústia,
que resulta da experiência
de que o mundo pode destruir
todas as suas expectativas, derrotar
qualquer cálculo, cabendo
ao homem defrontar-se com o jogo
do acaso e das possibilidades
insuspeitadas. A relação
consigo mesmo – ao contrário
da tradição idealista
alemã que pode entrever
a marcha na direção
da autoconsciência – é dominada
pelo desespero, decorrente da
própria condição
do homem que percorre uma possibilidade
após outra, sem deter-se,
enquanto o futuro se fecha diante
dele.
Mesmo a relação
com Deus, que parece facultar
ao homem um caminho de salvação
da angústia e do desespero,
desde que não oferece
quaisquer garantias passa a ser
dominada pelo paradoxo,
que impossibilita a certeza e
o repouso. O paradoxo encontra-se
em confrontos dessa ordem: a
finitude da existência
humana e a infinitude de Deus.
Enquanto Hegel parece apostar
na fé racional, na medida
em que aproxima religião
da filosofia – e diz mesmo
que ambas têm o mesmo conteúdo,
isto é, o Absoluto –,
Kierkegaard radicaliza o caráter
irracional da experiência
religiosa. Profundamente crente,
acreditando mesmo que sua família
poderia ter sido amaldiçoada,
pode-se dizer talvez que se inclinasse
por uma acepção
da divindade mais próxima
daquela que nos foi transmitida
pelos profetas.
Na visão de Kierkegaard,
a existência não
depende da essência, como
se a primeira fosse uma determinação
da segunda. Sendo ideal, a essência
pode ser pensada e defendida.
A existência, ao invés
disso, não é ideal
mas real, sendo indefinível
e, em muitas circunstâncias,
impensável.
Kierkegaard tampouco aceita a
equivalência entre ser
e razão, realidade e pensamento,
como postulado pelo hegelianismo.
Ao invés de consistir
no “puro pensamento”,
a verdade é subjetividade,
equivalendo ao contato com os
motivos da angústia, do
desespero, do temor; reside na
vivência do pecado, na
consciência da própria
nulidade etc. O homem pode tentar
livrar-se de tais problemas e
até mesmo explicá-los
ou objetivá-los. Mas o
que estará fazendo, de
fato, é fugir de si mesmo.
Os problemas reais não
se resolvem mediante as sínteses
hegelianas, mas por meio de escolhas
dramáticas. Para orientar-se
na vida, o homem pode escolher
os princípios estético, ético
ou religioso.
Viver segundo o princípio
estético é tentar
colher o que há de interessante
nos vários instantes,
voltando as costas para o banal,
o insignificante e o mesquinho.
O homem estetizante evita a repetição
que implica sempre em monotonia
e afasta o interessante dos eventos
mais promissores. O protótipo
do estetismo é D. Juan,
o sedutor.
Escolher o princípio ético é procurar
adequar-se à “boa
consciência e, o princípio
religioso ao sofrimento”.
Entregar-se ao princípio
religioso é o mesmo que
entregar-se ao existencial. Essa
entrega, ao contrário
do que possa parecer, não
engendra a tranqüilidade
pois Deus é, simultaneamente,
o absolutamente real e o absolutamente
incompreensível. Por isso
não se pode falar de Deus
ao modo da teologia. O protótipo
dessa relação com
Deus é Job: entre o homem
e Deus há uma distância
infinita, um abismo.
Os princípios existenciais
não se prestam a análises
racionais. Não se trata
de uma progressão “sintética”, à moda
hegeliana, entre o estético,
o ético e o religioso.
Estão aí para forçar
uma escolha existencial. Ao homem
não resta alternativa
senão inclinar-se “por
um ou por outro”. Quando
procede deste modo, a filosofia
não é uma especulação
mas um modo de ser do próprio
sujeito.
Os principais textos de Kierkegaard
intitulam-se: Temor e tremor; Tratado
do desespero e Diário
de um sedutor.(1)
Em decorrência do sucesso
alcançado pelo neokantismo,
no final do século XIX
e nas primeiras décadas
deste século, estruturou-se
na cultura alemã um clima
parecido ao do período
do idealismo clássico,
restaurada plenamente a confiança
na razão e em sua capacidade
de construir “sínteses
ordenadoras do real”. Restabeleciam-se
as premissas favorecedoras de
uma reação do tipo
da preconizada por Kierkegaard,
ao reivindicar o papel e o valor
do existente singular. Daí o
interesse renovado por sua obra
e a amplitude que vieram a assumir
as correntes existencialistas.
Aponta-se como expressão
notável de sua influência,
o Ser e o Tempo, de
Heidegger. (Ver também Ser
e Tempo, de HEIDEGGER e SARTRE).
(1) Dispõe-se
de tradução
em português. Além
disto, o estudioso paranaense
de sua obra, Ernani Reichman,
preparou de seus textos uma
alentada antologia (Curitiba,
1972, 403 p.)
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