Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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(A) Ideologia alemã, de Marx

Embora se trate de um texto somente divulgado pelos soviéticos em 1932, A Ideologia Alemã representa uma obra fundamental para compreender como Marx procura distanciar-se mas, ao mesmo tempo, mantém-se umbilicalmente ligado à chamada esquerda hegeliana. Depois da morte de Hegel, em 1831, os seus discípulos dividiram-se em dois grupos que se hostilizavam. O primeiro, entre outras coisas, identificou com Deus o que na obra de Hegel denomina-se de “Absoluto”, e entendia como sendo uma espécie de direcionamento principal de sua meditação. O outro grupo, conhecido ou autodenominado de “esquerda” (a idéia de que os grupos políticos poderiam ser divididos, basicamente, em esquerda e direita provém da Revolução Francesa), afirmava que o essencial na obra de Hegel consistia em que, estando elaborado o sistema, cumpria realizá-lo na prática. Noutros termos: concebida a sociedade racional cabia implantá-la. Ao invés de deter-se no exame dessa possibilidade, passaram a disputar sobre qual seria o grupo social capaz de levar a bom termo a empreitada. O próprio Hegel colocara o funcionalismo numa posição de destaque na parte de seu sistema dedicada à sociedade, razão pela qual davam-lhe preferência. Marx considerava que isto equivalia a delegar a função racionalizadora ao próprio Estado, que já na altura em que escreveu A Ideologia alemã (1845-1846) entendia como um comitê a serviço da “classe dominante”, isto é, a burguesia.

Hegel denominara de sistema das necessidades às atividades desenvolvidas no seio da sociedade para permitir a sua sobrevivência, vale dizer, o sistema produtivo. Um dos discípulos de Hegel (Feuerbach) havia indicado que era a parcela fundamental da vida social, que os homens tinham em vista ao elaborar mesmo as produções intelectuais mais sofisticadas. Chegou-se a dizer que, com tal postulado, Feuerbach havia virado a dialética hegeliana de cabeça para baixo, colocando em sua base, ao invés das idéias, a própria vida material. Marx aceitaria essa premissa mas considera insuficiente o “materialismo” de Feuerbach. Para tanto avança pela primeira vez a hipótese de que, graças à sua descoberta das leis objetivas do desenvolvimento social, o comunismo (somente muito mais tarde falaria em socialismo) revestia-se de características científicas. O “sistema das necessidades” passa a denominar-se modo de produção, que se seciona em relações de produção (definidoras do modo de produção, isto é, permitiria qualificar o modo de produção como feudal, capitalista etc.) e forças produtivas, que refletem o nível de desenvolvimento tecnológico. O modo de produção capitalista teria facultado um grande progresso das forças produtivas mas seria impeditivo de seu ulterior crescimento. Por esta razão: tornara social o processo produtivo, incompatível com a apropriação privada dos meios de produção. Essa descoberta demonstraria que, na luta do proletariado contra a burguesia, seriam inevitáveis tanto a revolução comunista como a vitória do modo de produção comunista, em conseqüência das leis econômicas e independentemente da vontade dos homens. Assim, nem os providencialistas, precedentemente, haviam conseguido estabelecer o determinismo histórico com tamanha rigidez.

O livro foi batizado de Ideologia alemã porque contém uma crítica acerba a todos os pretensos opositores do sistema capitalista, que seriam, objetivamente “ideólogos” daquele sistema. Entendendo achar-se a serviço do proletariado, automaticamente os que não tendo chegado a conclusões idênticas à sua, mesmo de certa forma figurando em idêntico campo político, estariam a serviço do que posteriormente chamou-se de “inimigo de classe”.  Assim, o texto explica o comportamento subseqüente tanto do próprio Marx como da descendência marxista na preferência, na formulação de Stalin, em dirigir o golpe principal não contra o inimigo principal mas contra aquela força que poderia desviar o proletariado do caminho revolucionário.

Seu significado residiria no fato de que, pela primeira vez, formula-se com detalhes o que passou à história com o nome de “compreensão materialista da história” ou simplesmente materialismo histórico. Assim, explica a feição que logo adiante daria ao livro que verdadeiramente lhe deu fama: o Manifesto Comunista, divulgado dois anos depois, em 1848. (Ver também MARX, Karl).

 

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