Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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Gargantua, de Rabelais

Em torno da vida de Rabelais estabeleceram-se muitas lendas, admitindo os estudiosos que os fatos verdadeiros podem ser resumidos como segue. François Rabelais (1495/1553) nasceu no interior da França (Chinon), foi educado pelos monges locais e tornou-se um deles. Em 1524, aos 29 anos de idade, deixa o mosteiro e passa a atuar como padre secular de forma itinerante. Parece que em seguida haja estudado medicina em Montpellier e teria exercido a profissão em Lion, Roma e Paris. Nessa fase é que se dispõe a publicar a obra que o torna célebre e que está subdividida em cinco livros. O aparecimento dos primeiros alcança o maior sucesso. De início, a Igreja não reage mal e até lhe oferece uma paróquia (Mendon) que se supõe não haja chegado a assumir. O desenvolvimento da obra acaba entretanto por leva-lo a ser considerado suspeito de heresia. Faleceu aos 58 anos de idade.

O romance de Rabelais é a história de uma família de gigantes. Os heróis principais são Gargantua, o filho, Pantaguel, e Panurge, companheiro de aventuras deste último. Todas as histórias são fantásticas e extraordinárias. No primeiro livro, guerreia contra Picrochole e tem como parceiro o padre Jean des Entomeures. As peripécias são dessa ordem: Gargantua rouba o sino da igreja de Notre Dame para colocá-lo no pescoço de sua montaria; ao pentear-se livra-se das balas de canhão que se achavam entrelaçadas ao seu cabelo; na refeição, inadvertidamente come seis peregrinos que se haviam escondido em sua salada, e assim por diante. Para recompensar ao padre, seu parceiro, funda a abadia de Thélème onde os peregrinos poderão falar o que bem entendem. No segundo livro aparece Pantagruel e seu companheiro.

Nessa altura, os personagens de Rabelais haviam conquistado o gosto do público e se incorporado às histórias que se transmitiam oralmente. Supõe-se que a circunstância o haja estimulado a ocupar-se diretamente de temas que não conviria enfrentar com liberdade, por envolver princípios consagrados pela Igreja, como aqueles relacionados ao matrimônio. Sem perder de vista que o seu propósito era divertir, acaba por efetivar o que de fato equivalia a uma crítica social e religiosa. Ao fazê-lo, considera-se que haja revelado um traço que corresponderia a uma faceta do Renascimento: o propósito de constituir uma sociedade onde as pessoas tivessem a liberdade de usufruir dos prazeres da vida sem o risco de que isto os levasse a arder na fogueira do inferno. O próprio romance estaria a serviço do divertimento despreocupado e descontraído. O princípio que pretenderia difundir seria o seguinte: seguir a natureza, proporcionando ao corpo e ao espírito tudo quanto venha a aspirar. Esse ideal estaria realizado na Abadia de Thélème por ele concebida.

O preceptor de Gargantua procura inculcar-lhe o amor pela cultura física e a formação do espírito científico. Mal dosado (teria que  se apropriar do conhecimento de toda a cultura e história antigas bem como de todo o saber até então acumulado pela ciência) e lacunoso, ao despreocupar-se da formação moral. Essas observações, devidas aos que se detiveram no estudo do autor e de sua época, de modo algum obscurecem os seus méritos literários, justamente o que viria a determinar a sua sobrevivência e o renovado interesse que desperta.

 

 

 

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