Dicionário das Obras Básicas da
Cultura Ocidental

Antonio Paim

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GALILEU, Galilei

Galileu Galilei nasceu em 1564, na cidade italiana de Pisa, numa família intelectual. O pai era músico e compositor, carreira que foi seguida pelo irmão. Mais tarde a família mudou-se para Florença, onde os parentes eram influentes na medicina e nos negócios públicos. Nessa altura foi mandado para um colégio jesuíta, de onde o pai acabou retirando-o. Tornou-se estudante de medicina na Universidade de Pisa mas desistiu do curso por não se sentir vocacionado. Revelou então enorme interesse pela matemática. Sua competência na matéria acabaria sendo reconhecida sendo admitido como professor da disciplina na Universidade de Pisa, em 1589, aos 25 anos de idade. Nos começos do novo século já se tornara conhecido por sua habilidade na confecção de instrumentos científicos e perícia na efetivação de observações astronômicas. Progressivamente refutou as teorias do movimento adotadas na época, que constituíam o cerne da física de Aristóteles, encampada pela Escolástica. Acompanhando a evolução do telescópio, que então ocorria em diversas partes da Europa, notadamente na Holanda, Galileu dedicou-se a aperfeiçoar o modelo que possuía duas lentes, uma em cada extremidade do tubo. Através de sucessivas melhorias, aumentou inicialmente em três vezes o tamanho aparente dos objetos observados, depois para dez vezes e, finalmente, para trinta. Assim, observou muito mais estrelas do que as visíveis a olho nu. Registrou que o planeta Júpiter era acompanhado, em sua órbita, por quatro pequenas luas. Concluiu que, se um planeta podia arrastar os seus próprios satélites, não era correta a inferência de que se a Terra se movesse, como supunha Copérnico, a Lua seria deixada para trás.(1) Essa conclusão e mais os resultados dos seus aperfeiçoamentos no telescópio, sugeriam que as observações herdadas do Museu de Alexandria, no mundo antigo, deixavam crescentemente a desejar, o que, sem dúvida, favorecia aos partidários da teoria heliocêntrica, que contrariava frontalmente a geocêntrica, preferida pela Igreja. Deste modo, Galileu ingressava num terreno deveras perigoso. Admite-se que, tendo presente a circunstância, haja se decidido a abandonar Florença e radicar-se em Veneza, onde, supunha, contaria com a proteção da influente casa de Médici. A iniciativa, entretanto, não o salvou de ser denunciado à Inquisição em 1615, quando se inicia, contra ele, longo processo.

Prudentemente, Galileu mantém-se em silêncio, porém, em 1623, publica O Ensaiador, contendo uma exposição sistemática daquilo que passou à história como o novo método científico, base da física moderna. Em 1632 deu outro passo expressivo na mesma direção, publicando Diálogo sobre os dois maiores sistemas do mundo, em que confronta os sistemas aristotélico e coperniciano. A obra em que Copérnico expõe o sistema heliocêntrico (Das revoluções dos corpos celestes, 1543) havia sido condenada pela Igreja mas Galileu entendia que aquela condenação não era absoluta, permitindo que pudesse continuar sendo considerada desde que não adotada em lugar da geocêntrica – entendimento que era apoiado por Urbano VIII, Papa de 1623 a 1644, que se admite o protegeria. O Papa teria recomendado que evitasse qualquer conclusão, naquele confronto; e assim o fez. Em que pese a precaução, a obra foi condenada pela Inquisição. A condenação compreendia também a sua prisão que não chegou a efetivar-se, presumivelmente porque nunca foi sancionada pelo Papa. De todos os modos, foi relegado ao ostracismo, na Itália. Faleceu em 1642, ainda sob o Papado de Urbano VIII, o que talvez o haja poupado de morrer na prisão.

A condenação de Galileu teve ampla repercussão na Europa. Ainda que não se pudesse dizer que os protestantes teriam alguma simpatia pela teoria heliocêntrica, o evento foi tomado como pretexto para mostrar ao mundo a intolerância de Roma. Viu-se cumulado de honrarias por universidades protestantes e o governo holandês dele fez conselheiro oficial. Eruditos protestantes traduziram sua obra e incumbiram-se de divulgá-la (em Paris, Estrasburgo, Heidelberg e outros centros). Na opinião de Joseph Ben-David (1920-1986) historiador da ciência, esse movimento decorrente da condenação de Galileu serviu para criar uma clima de simpatia em relação à nova ciência física, nos países que haviam aderido à Reforma, o que explicaria haja florescido na Inglaterra.

Galileu é considerado como o autor de uma primeira versão das leis do movimento, que contrariam e derrubam a física do seu tempo, teoria essa que seria plenamente configurada por Newton. Assim, é uma personalidade central no processo de constituição da nova física. A par disto, adquiriu também enorme importância na Filosofia Moderna. De certa forma, reúne num todo harmônico o entendimento expresso por Bacon de por Descartes, quanto à maneira de proceder às observações dos fenômenos naturais. O primeiro defendia a primazia da indução. E, como esta achava-se condenada a ser sempre incompleta, imaginava haver proposto um método capaz de sanar, em definitivo, aquela lacuna. Em contrapartida, o método de Descartes privilegiava o raciocínio dedutivo. Galileu iria demonstrar que o novo método compreende os dois aspectos, para usar a sua própria expressão, a “experiência rigorosa” e a “demonstração necessária”. Os três autores, portanto, encaminham a Filosofia Moderna no sentido de atribuir especial relevo ao que, posteriormente à sua obra, foi denominado de gnoseologia (teoria do conhecimento), espécie de carro-chefe da filosofia inglesa. Kant, por sua vez, deu grande relevo à valorização dos hipóteses em que se baseia o método científico de Galileu e a maneira como procedeu às experiências, destinadas a reproduzir fenômenos naturais e, assim, poder observá-los em condições de laboratório, procedimento que seria universalizado pela ciência moderna. (Ver também PTOLOMEU e (O) Ensaiador e Diálogos sobre os dois maiores sistemas do mundo, de GALILEU.

(1)  Nicolai Copérnico (1473-1543) era polonês de nascimento, sendo autor da hipótese de que o sol é que se encontraria no centro do Universo e não a terra. Esta tampouco é imóvel, girando em torno do sol. A isto chamou-se “sistema heliocêntrico”  ou copernicano.

 

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