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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
(O) Futuro da democracia,
de Norberto Bobbio
Norberto Bobbio nasceu em Turim,
Itália, em 1909. Ao completar
90 anos, em 1999, plenamente
lúcido e ativo, recebeu
merecidas homenagens tanto na
Itália como em diversos
outros países, inclusive
Portugal e Brasil. Logo adiante,
o falecimento de sua esposa deixou-o
muito combalido, o que se acredita
haja contribuído para
a sua morte no início
de 2004.
Bobbio fez sua carreira universitária
nas Universidades de Siena, Pádua
e Turim, aposentando-se em 1984,
ao completar 50 anos de magistério.
Em sinal de reconhecimento por
sua inestimável contribuição à cultura
italiana, o governo nomeou-o senador
vitalício, o que lhe permitiu
continuar presente na vida cultural
e acadêmica de seu país.
Sua obra está dedicada
principalmente ao direito e à ciência
política. Esta última é que
lhe proporcionou grande audiência
na Europa, nos Estados Unidos,
e, em geral no mundo latino,
achando-se traduzida ao português
a sua parcela fundamental. Os
estudiosos consideram que, nessa
matéria, sua principal
contribuição cifra-se
no entendimento que tem proporcionado
da democracia. O Dicionário
de Política, por
ele coordenado, tornou-se obra
obrigatória de referência.
De certa forma, O futuro
da democracia (1984) coroa
e resume o pensamento de Bobbio
acerca do palpitante tema. Reúne
aquele conjunto de textos nos
quais amplia o exame do tema
proposto, reportando-se à análise
de suas características
fundamentais bem como à abordagem
dos temas que mais preocupam
aos estudiosos, a exemplo do
incremento da participação
política. O essencial
de sua mensagem cifra-se, contudo,
na crença na sobrevivência
e nas vantagens da democracia.
Não se trata, portanto,
de nenhuma forma de profetismo.
Bobbio parte da tese de que a
característica básica
da democracia é o direito
da maioria de influir na adoção
daquelas regras que serão
obrigatórias para todos.
Cumpre ter presente, pondera,
que os ideais humanos, concebidos
como nobres e elevados, no processo
de sua realização
adquirem determinados contornos
que precisam ser constantemente
avaliados, a fim de estabelecer
em que medida ainda têm
algo a ver com o ideal originário.
No que se refere à democracia,
acha que deixou de atender a
muitas expectativas, que denomina
de “ promessas não
cumpridas”, aparecendo
também obstáculos à sua
efetivação. Descreve-os,
antes de avançar a avaliação
conclusiva.
Não sobreviveu a concepção
individualista da sociedade.
Escreve: “os grupos e não
os indivíduos são
os protagonistas da vida política
numa sociedade democrática”.
Ainda que a circunstância
não elimine a diferença
entre regimes autocráticos
e regimes democráticos,
a democracia real está longe
de ser “o governo de todo
o povo” na medida em que é exercido
por uma elite. Há também
o chamado poder invisível
(menciona máfias, organizações
secretas de particulares e mesmo
serviços secretos oficiais,
ambas infensas a qualquer tipo
de controle). Tampouco se conseguiu
educar plenamente o cidadão,
sobrevivendo apatia política
e desinteresse pela coisa pública.
O desenvolvimento da sociedade
trouxe problemas que somente
técnicos e especialistas
podem resolver. Verificou-se
também crescimento contínuo
dos aparelhos burocráticos.
Finalmente, as liberdades e a
autonomia da sociedade civil
elevou o nível das demandas
sociais enquanto o aparelho político
democrático age de forma
lenta: “a democracia tem
a demanda fácil e a resposta
difícil; a autocracia,
ao contrário, está em
condições de tornar
a demanda mais difícil
e dispõe de maior facilidade
para dar respostas”. Segue-se
a avaliação:
“Pois bem, a minha conclusão é que as promessas não
cumpridas e os obstáculos não-previstos de que me ocupei não
foram suficientes para “transformar” os regimes democráticos
em regimes autocráticos. A diferença substancial entre uns e
outros permaneceu. O conteúdo mínimo do estado democrático
não encolheu: garantia dos principais direitos de liberdade; existência
de vários partidos em concorrência entre si; eleições
periódicas a sufrágio universal, decisões coletivas ou
concordadas ... ou tomadas com base no princípio da maioria e, de qualquer
modo sempre após um livre debate entre as partes ou entre os aliados
de uma coalizão e governo. Existem democracias mais sólidas e
menos sólidas, mais invulneráveis e mais vulneráveis;
existem diversos graus de aproximação com o modelo ideal, mas
mesmo a democracia mais distante do modelo não pode ser de modo algum
confundida com um estado autocrático e menos ainda com um totalitário”.
Explicita que se havia ocupado
de problemas internos. Quanto às
ameaças externas à democracia,
lembra que não se registram
guerras entre estados democráticos.
Antes de concluir, Bobbio considera
ainda a suposição
de que, sendo a democracia um
conjunto de procedimentos, não
dispõe de apelos capazes
de fomentar o aparecimento de
cidadãos ativos. Na verdade,
entretanto, a democracia promoveu
e promove ideais com que não
contou a humanidade ao longo
de sua história. O primeiro
deles é a tolerância
e, o segundo, a não-violência.
Afirma: “Jamais esqueci
o ensinamento de Karl Popper
segundo o qual o que distingue
essencialmente um governo democrático
de um não-democrático é que
apenas no primeiro os cidadãos
podem livrar-se de seus governantes
sem derramamento de sangue.” Assim,
o adversário deixou de
ser um inimigo (que deve ser
eliminado), passando a dispor
da possibilidade de chegar ao
governo.
O terceiro ideal consiste na
renovação gradual
da sociedade através do
debate das idéias. Explicita: “Apenas
a democracia permite a formação
e a expansão das revoluções
silenciosas, como foi por exemplo
nestas últimas décadas
a transformação
das relações entre
os sexos – que talvez
seja a maior revolução
dos nossos tempos”.
Finalmente, o ideal de fraternidade: “grande
parte da história humana é uma
história de lutas fratricidas.
Na sua Filosofia da História,
Hegel define a história
como “um imenso matadouro”.
Podemos desmenti-lo? E
prossegue: “Em nenhum país
do mundo o método democrático
pode perdurar sem tornar-se um
costume”. (Ver também
(A) Sociedade aberta e seus
inimigos, de Karl
Popper).
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