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Dicionário das Obras
Básicas da
Cultura Ocidental
Antonio Paim
Índice: a - b - c - d - e - f - g - h - i - j - k - l - m - n - o - p - q - r - s - t - u - v - x - w - z
(A)Filosofia Moral,
de Jacques Maritain
A obra em epígrafe apareceu
em 1960 .
Passa em revista os principais
sistemas morais, desde os gregos
até o idealismo alemão
e o positivismo mas não
se trata, como adverte o autor,
de análise histórica,
sendo de intenção
eminentemente doutrinária.
Seu objetivo é proporcionar
a “tomada de consciência
e de renovação
intelectual, que parece ser a
missão de nosso tempo.” Pretendendo
fazê-lo do ponto de vista
católico, parte do reconhecimento
de que São Tomás
legou á Igreja a teologia
moral. Entende que a tarefa de
considerar a filosofia moral
como autenticamente filosófica
até então não
havia sido efetivada.
Do longo percurso empreendido
no livro, Maritain recolhe a
convicção de que
o problema moral a ser enfrentado
por qualquer doutrina é o
da relação do homem
com a condição
humana ou de sua atitude perante
a condição humana.
Parte do seguinte pressuposto:
a condição humana “é a
de um espírito unido à carne
em sua substância, e engajado
no universo da matéria. É uma
condição infeliz.
Ela é de si mesma tão
miserável que o homem
sempre sonhou com uma idade de
ouro em que ele estava mais ou
menos dela libertado, e que,
no plano da revelação,
a religião cristã ensina
que a humanidade foi criada com
a graça adâmica,
numa condição superior,
em que se encontrava livre do
pecado, da dor, da escravidão
e da morte, e de onde ela decaiu
por sua própria culpa.
A tradição judaica
cristã professa também
que após o fim da história,
e num mundo novo, a condição
humana será transfigurada
sobrenaturalmente. Aqueles que
não crêem nem no
estado de inocência nem
no pecado original, situam a
idade de ouro no fim da história,
não em seu princípio,
e imaginam que o homem a ela
chegará na última
etapa de sua aventura terrestre,
pelo seu próprio esforço
libertador, graças á ciência
e às transformações
sociais radicais; outros que
não querem ilusões
consoladoras, tentam escapar
do espetáculo deste planeta
pela entrega a alguma paixão
poderosa que dia após
dia os distraia deles mesmos
e do mundo, ou pelo ardor de
uma piedade desesperada que aplaque
de qualquer modo o seu coração,
embora o corroendo pouco a pouco.”
Maritain entende que, diante
deste “vale de lágrimas
em que nos encontramos”,
aparecem duas tentações.
A primeira consistirá na
pura e simples recusa da condição
humana. E, a segunda, em aceita-la,
sem mais.
Ao adquirir consciência
das exigências naturais
de seu espírito, o homem
civilizado sentir-se-á inclinado
a recusar a condição
humana. No caso extremo, chegará à conclusão
de que melhor era não
ter nascido. Ou então
buscar evadir-se por algum
meio extraordinário nas
pegadas do doutor Fausto.
A maneira adequada de aceitar,
sem reservas, a condição
humana, seria ter presente que
a vida envolve não só alegras
mas sofrimentos, enfermidades
e humilhações.
O risco está em perder
todo referencial, ceder à animalidade
e viver sob o temor das sanções
que toda sociedade adota para
proteger-se.
A solução proposta
por Maritain é a seguinte: “o
que se pede ao homem não é que
aceite pura e simplesmente, nem
que recuse a condição
humana. É que a transcenda..”
Que significa transcender-se
no entendimento do filósofo
católico? Consiste na
superação das limitações
da condição humana
pelo que corresponderia de fato
a uma espécie de exaltação
espiritual. Segundo Maritain,
haveria duas formas de fazê-lo:
pelo que denomina de “solução
hindu-budista” e de “solução
evangélica”.
O ente humano que haja conseguido
a negação do que
se considera formas de ilusão
nas quais decorre a nossa vida,
seguindo os ensinamentos do budismo,
levará o seu Eu a acha-se
exclusivamente em contato consigo
mesmo. Escreve Maritain; “O
liberto vivo conquista uma espécie
de onipotência interior,
refugiando-se em si mesmo e separando-se
de todo o humano. Entra ele em
uma solidão incomparavelmente
mais profunda que a solitude
do ermitão”. Conclui
que, ainda que não se
trate de um ato de revolta, corresponde
a uma recusa implícita
da condição humana.
Na visão de Maritain,
no cristianismo a transcendência
equivale certamente ao empenho
de ultrapassar a condição
natural do homem. Acha que somente
por essa via aquele empenho verdadeiramente
se realiza porque abandona as
tentativas de alcançá-lo
exclusivamente por meio do homem.
O Cristo transcenderá a
condição humana
pela graça de Deus. Em
síntese: “Ruptura
com a condição
humana quanto ao pecado, aceitação
da condição humana
quanto à contingência
radical e quanto ao sofrimento,
mas também quanto às
alegrias que essa condição
comporta: isso é exigido
pela razão, mas só é devidamente
possível pela configuração,
pela graça d´Aquele
que é a própria
Santidade por ser O Verbo encarnado.
Essa aceitação
da condição humana
cessa, ao mesmo tempo, de ser
uma simples submissão á necessidade.
Torna-se consentimento ativo
e por amor”.
A nosso ver, para Maritain a
moral não se reveste de
qualquer especificidade. Não
parece haver comprovado que aquilo
que apresenta como “solução
evangélica” seja
a única capaz de propiciar
ao “homem uma atitude para
com a condição
humana que seja autenticamente
racional”. Sobretudo quando
fixa a seguinte ressalva: “É inútil
observar que não nos referimos
aqui ao comportamento médio
da massa de denominação
cristã. Falamos das exigências
do cristianismo, tais como propostas
a cada um de nós, e só quase
completamente realizadas nos
santos”. (Ver também MARITAIN,
Jacques)
La
philosophie morale. Examen
historique et critique des
grands systémes.
Paris, Gallimard, 1960. tradução
brasileira: Rio de janeiro,
Editora Agir, 1973
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