Fenomenologia
do Espírito,
de Hegel
A Fenomenologia do espírito contém
a gnoseologia hegeliana. Na tradição
desses estudos, iniciada por
Locke, todo o conhecimento provém
da experiência sensível.
No nível inicial desta
temos separadamente as sensações
e a percepção,
seguindo-se a representação.
Depois se passa ao plano das
idéias onde a grande preocupação é identificar
as idéias simples, que
estariam mais próximas
da experiência sensível
inicial. Hume unificou os momentos
da sensação e da
percepção, chamando-os
de impressões primeiras.
Kant adotou um esquema mais complexo porquanto cuida de identificar em que se
sustentam aqueles planos. Assim, as intuições empíricas
iniciais são ordenadas pelas intuições puras do espaço
e do tempo. Segue-se o entendimento, que é o plano da ciência (categorias).
Entre este e a razão (que elabora idéias) introduz a unidade “a
priori” da apercepção (o “eu penso” que acompanha
todos os enunciados).
Hegel reelabora esse esquema. Parte da consciência, cuja formação é precedida
da certeza sensível, da percepção e do entendimento, para
chegar sucessivamente à consciência-de-si, à razão
e ao espírito. Além disto, inova sobremaneira ao atribuir, a cada
um desses momentos, número limitado de conceitos que seriam formulados
pelos filósofos e homens de ciência no curso de suas vidas. Hegel
tinha uma grande familiaridade com a história da filosofia mas, ao elaborar
a Fenomenologia não se preocupa em identificar os pensadores
que tem em vista. Este trabalho deixou aos estudiosos e intérpretes. O
esquema completa-se com a suposição de que a elaboração
conceitual é dialética, isto é, começa por uma primeira
afirmativa, a que chama de tese, e enfrenta uma negação (antítese),
resultando a síntese final, que, por sua vez, dá seguimento ao
processo.
A elaboração filosófica começa de um nível
muito baixo, o momento que denominou de certeza sensível. Corresponde
ao saber imediato ou saber do imediato, do ente. Aparece como o conhecimento
mais rico e mais verdadeiro. De fato, entretanto, esta certeza se revela expressamente
como a mais pobre e abstrata verdade. Segue-se a dialética da certeza
sensível, através da qual chega-se à percepção.
E assim a consciência-de-si. A ampliação e alteração
do esquema gnoseológico a partir do empirismo, e passando por Kant, é mostrado
adiante.
ESQUEMA
DE EVOLUÇÃO DA
GNOSEOLOGIA MODERNA ATÉ HEGEL
Empirista |
Kantiano |
Hegeliano |
Sensação
Percepção
(1)
Representação |
Intuições Intuições
puras
+
empíricas (Espaço
e tempo) |
|
Idéia ou conceito |
Entendimento - Categorias |
Consciência
com os seguintes momentos:
Certeza sensível,
percepção
e entendimento |
|
Unidade “a
priori” da apercepção |
Consciência
de si |
|
Razão - Idéias |
Razão |
|
|
Espírito |
(1) Em Hume, unificados sob
a denominação de
impressões (apreensões
imediatas).
A etapa da consciência-em-si
começa como consciência
prática. Esta atividade
será inicialmente focalizada
como desejo. Em seu desenvolvimento,
passará às formas
superiores da consciência
prática.
As consciências-de-si afrontam-se
no jogo da vida, na luta pelo
reconhecimento, no qual aparece
a dialética do senhor
e do escravo ou dialética
do trabalho, que se considera
muito haja influído a
Marx e aos socialistas em geral.
Enquanto nos momentos precedentes
a dialética se dá à revelia
da consciência, agora é obra
sua. Embora a apresentação
de Hegel seja absolutamente abstrata,
tem em vista tanto a evolução
da filosofia como de outras manifestações
da cultura. Para exemplificar
toma-se por exemplo o tema da
consciência infeliz, que
seria a questão central
da Fenomenologia.
Em seus primeiros trabalhos teológicos,
Hegel encarava o povo grego como
o povo feliz da história
e ao judeu como o povo infeliz.
O cristianismo corresponderia
uma das grandes formas da consciência
infeliz.
Na dialética da consciência
infeliz os dois primeiros momentos
correspondem ao da consciência
mutável em face da consciência
imutável, que seria o
momento do judaísmo e
a figura do imutável para
essa primeira forma de consciência
universal concreta, representada
pelo cristianismo primitivo.
A unificação da
realidade e da consciência-de-si
ocorreria no trânsito da
Idade Média ao Renascimento,
quando aflora a razão
moderna.
A consciência-de-si, ao
mesmo tempo singular e universal,
que serve de transição
aos tempos modernos, é a
Igreja Medieval. Forma uma vontade
geral que nasce da alienação
das vontades particulares. Assim,
o eu-singular eleva-se à universalidade.
Possui um saber imediato dos
dois extremos (imutável
e mutável) e os põe
em relação.
Como resultado do desenvolvimento
dessa forma de consciência-de-si
surge uma figura nova, a razão,
momento particular do desenvolvimento
geral da consciência.
Na parte final da Fenomenologia,
constituída pelo espírito,
as figuras consideradas não
mais podem ser reduzidas a correntes
filosóficas. São
outras as formas de cultura consideradas.
O iluminismo aparece como um
combate das luzes contra a superstição
e conduz à Revolução
Francesa. Esta, por sua vez,
leva a uma forma de liberdade
absoluta que é o terror.
A dialética não
se interrompe e tem continuidade.
Aparecem sucessivamente a visão
moral do mudo e a religião.
A religião tem o mesmo
objeto da filosofia, a substância
espiritual, apenas em forma de
representação.
Essa descoberta conduzirá ao
espírito absoluto.
A complexidade da Fenomenologia advém
do fato de que Hegel não
pretende apenas proceder a um
reordenamento da filosofia mas
quer promover uma espécie
de síntese da educação
da consciência ocidental.
Além disto, a primeira
geração de seus
discípulos, após
a sua morte, entendeu que essa
elaboração não
se dava apenas no plano conceitual,
apesar das advertências
do próprio Hegel. Postulou,
então, que estando elaborado
o sistema, cabia levá-lo à prática.
Isto equivaleria a promover o
reconhecimento do homem pelo
homem, implantando uma espécie
de sociedade racional. Trata-se
naturalmente de um projeto eminentemente
utópico porquanto baseado
na suposição de
que o homem poderia tornar-se
um ser moral. As tentativas de
dar curso a tal projeto terminaram
por dar nascedouro a ferozes
ditaduras.
Apesar de tais desencontros,
a Fenomenologia contém
um método que permite
compreender muitos momentos da
evolução do saber
filosófico. Hegel, na
verdade, foi estimulado a resolver
a questão da origem dos a
priori, que Kant deixara
sem solução, e
proporcionou a chave para a sua
compreensão. No curso
do desenvolvimento histórico
da cultura, os pensadores foram
construindo síntese ordenadoras
do real, em grande medida, por
oposição e contradição.
Mas Hegel não poderia
satisfazer-se com resultado tão
modesto, embora de conseqüências
inimagináveis para a história
da filosofia. E resolveu transformar
esse projeto num empreendimento
para absorver toda espécie
de saber e de expressão
cultural. (Ver também HEGEL).
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